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Avatar: Um novo divisor de águas no cinema de ficção-científica



  Após um interminável hiato de doze anos, o canadense James Cameron, um dos cineastas mais geniais e ousados que já existiu desde que Lois e Auguste Lumiére construíram o primeiro cinematógrafo, explodiu novamente nas telas com "Avatar".
 Como de costume, essa nova obra de Cameron era uma ficção científica (gênero que o próprio anteriormente, ao lado de outros desbravadores da sétima arte como Kubrick, Lucas e Ridley Scott, já havia ajudado a revolucionar, elevando-o a níveis de sofisticação técnica, temática e artística inimagináveis).
 E mais uma vez, como de costume, o novo filme de Cameron foi um gigantesco e inovador desafio tecnológico, consumindo dezenas de milhões de dólares e que necessitou para a sua realização, de estúdios cinematográficos high-tech de ponta dignos da Nasa.
 Para finalizar, novamente a revolução da linguagem cinematográfica provocada por esta nova obra do diretor de "Terminator", foi tão devastadora que fez com que o próprio cinema como um todo, avançasse radicalmente tanto em sua forma de como é feito, quanto na de como é assistido.
 Os efeitos colaterais de tudo isso foram uma bilheteria milionária (o maior faturamento cinematográfico de todos os tempos, para ser mais exato) e um verdadeiro tsunami de "Avatar" invadindo todas as mídias, transformando o filme em mais uma divindade na cultura pop.
 Porém agora, vamos aos três elementos que realmente importam em "Avatar" ou em qualquer outro filme, o núcleo da coisa toda, o coração, a Santa Trindade primordial que fará com que a obra cinematográfica fique gravada a ferro e fogo por muito tempo (ou pela vida toda), na memória do cinéfilo:um bom roteiro, boas interpretações e sobretudo uma direção competente de um cineasta que imponha a sua própria visão artística e técnica acima de quaisquer regras financeiras, comerciais e modistas, sempre filmando o seu material com respeito e paixão.
 E respeito e paixão é justamente o que não falta em "Avatar" por parte de seus realizadores principalmente, é lógico, de seu diretor.
 Acredito que, excentuando-se os filmes de Stanley Kubrick e da série "Star Wars", nunca uma super-produção hollywoodiana foi realizada de forma tão autoral e cuidadosa.
 Cameron vinha desenvolvendo o roteiro de "Avatar" há (no mínimo) quinze anos, inserindo gradativamente neste elementos de ficção científica, astronomia, biologia, histórias em quadrinhos, literatura fantástica em geral, etc. Elementos estes que fascinavam o cineasta desde a infância.
  A história de "Avatar" é simples e sucinta (porém muito bem contada):cerca de cento e cinquenta anos no futuro, a corporação terrestre "RDA", invade a lua "Pandora", que orbita um planeta gigante chamado "Polifemo", localizado no sistema solar "Alfa-Centauro" (o mais próximo de nosso próprio sistema solar), com o objetivo de extrair do satélite o máximo possível de um mineral que possui uma rara substância supercondutora chamada "unobtanium", mesmo que para isso a "RDA" tenha quedevastar toda a abundante fauna e flora de "Pandora".
  Para poder respirar na atmosfera tóxica e se locomover com mmais facilidade pelas perigosas e traiçoeiras selvas da lua, os exploradores terrestres se valem de um engenhoso artifício:misturando os DNAS de um ser humano e de um na'vi (alienígenas humanóides que habitam "Pandora"), criam clones híbridos humano/alien (batizados sabiamente de avatares). Em seguida, transferem a mente do humano doador do DNA para o interior do avatar, passando então a incorporar e controlar o mesmo.
  Para quem ainda não sabe, a palavra avatar não foi criada especificamente  para o longa de Cameron. Trata-se de um termo antiquíssimo, originário do sânscrito (uma língua cujos primeiros textos remontam de 1.800 a 500 a.c.). Avatar ou avatara era o nome dado as diversas encarnações e formas assumidas pelos deuses indianos (especialmente a divindade "Vishnu") cada vez que a ordem universal era perturbada.
  Devido a isso avatar também pode significar transformação, metamorfose.
  Na informática, que foi o campo aonde a palavra mais se popularizou nos tempos modernos, o vocábulo avatar foi introduzido através do cultuado romance "Snow Crash" do escritor Neal Stephenson. Baseados nas idéias contidas nesta obra de Stephenson, programadores de computador criaram o revolucionário "Second Life", um gigantesco mundo virtual on-line, aonde era possível aos milhares de usuários espalhados pelo mundo afora, interagirem uns com os outros "encarnado" personagens digitais chamados de avatares, aos quais os usuário podiam adicionar características de sua própria personalidade:sexo, vestuário, etc.
  A grande interatividade proporcionada pelo "Second Life" logo se espalhou para dezenas de games multiplayer e sites de relacionamento.  
  Em "Matrix" dos Irmãos Wachowski, outro longa de ficção científica seminal, os personagens se conectam a avatares digitais ultrasofisticados por meio de links intracranianos para poderem se locomover em um "Second Life" turbinado, uma gigantesca realidade virtual que simula a perfeição o mundo real em seus mínimos detalhes.
  Na ciência de verdade, a criação de avatares físicos ainda engatinha, mas aponta para um futuro promissor. Um grupo de nerocientista (do qual faz parte o brasileiro Miguel Nicolelis), realizam testes experimentais com macacos, conectando os cérebros dos animais a membros cibernéticos que os primatas movimentam a distância, através de eletrodos e rádio ligados a seus crânios.
  A idéia é no futuro, através desta técnica, permitir que paraplégicos, tetraplégicos e indivíduos que tiveram os membros amputados, voltem a se movimentar por meio de implantes robóticos ou orgânicos "inteligentes" que serão ligados diretamente ao cérebro humano.
  Indo um pouco mais longe, os cientistas também acreditam que a longo prazo, seguindo esta mesma linha, será possível com que as pessoas (inclusive as que tiverem membros perfeitos), possam controlar a distância organismos robóticos completos e quem sabe um dia, até mesmo um autômato biológico de carne e osso.
  Estes avatares físicos poderiam ser usados, por exemplo, para carregar utensílios e equipamentos demasiadamente pesados para serem manipulados por uma pessoa normal, ou então em campos de batalha, como soldados comandados por "controle remoto", reduzindo assim as baixas humanas.
  Porém, a nova sci-fi de Cameron vai ainda mais longe do que tudo isso: através de avançadíssimas técnicas de neurociência, engenharia genética e biotecnologia, os cientistas do filme literalmente transferem a mente dé uma pessoa para o interior do hospedeiro humano/na'vi, que o usuário humano então passa a possuir e controlar tal qual um espírito que invade um corpo alheio.
   E á através dos avatares que o protagonista da trama Jake Sully (Sam Worthington), um ex-fuzileiro naval amargurado e deficiente físico, vê a sua chance de se libertar da "prisão" da cadeira de rodase voltar a exercer a sua profissão.
   Jake é introduzido pelos militares mercenários da RDA na comunidade na'vi, com o objetivo de convencer os alienígenas a não oferecerem resistência perante a ocupação humana em Pandora.
   Porém, Jake logo fica fascinado pela cultura do povo na'vi e pela beleza e mistério da natureza de Pandora, se rebelando contra seus superiores (dando início a clássica transformação interior de um personagem: de alguém passivo e sem rumo na vida, para uma pessoa idealista e de personalidade forte) e se tornando líder do levante na'vi contra a ocupação humana.
   Trata-se  de uma quase típica história de space ópera, um dos sub-gêneros mais antigos, tradicionais e populares da ficção científica.
   Nascida nos anos 30, a space ópera sempre se caracteriza por retratar  tramas épicas, geralmente ambientadas em mundos fantásticos e deslumbrantes, com batalhas grandiosas travadas no espaço sideral ou em planetas distantes e uma relação maniqueísta entre o bem e o mal.
   "Avatar" porém, possui traços de new space ópera, que surgiu nos anos 90 e foi influenciada pelo cyberpunk.
   A new space... se diferencia da space ópera tradicional por retratar a tecnologia futurista de maneira mais hard e detalhada, com personagens mais complexos e um clima geral de pessimismo mais acentuado.
   Outra grande influência de "Avatar" (e de quase toda a obra de Cameron) é a space ópera militar, nascida nos anos 80 (cujo pai é o escritor Robert H. Heinlein, que lançou as bases da space ópera militar em livros publicados na década de 50)  e que mostra as grandiloquentes guerras espaciais travadas não pelos bruxos alienígenas e guerreiros místicos high-tech típicos da space opera purista e sim por lacônicos exércitos militares com armamentos e infra-estrutura bélica extremamente realistas.
   Contudo, a exemplo de "O Senhor dos Anéis" de J.R.R.Tolkien, a complexidade desta nova obra de Cameron, não está no desenrolar de sua trama em si, mas na descrição hiper-detalhada do mundo em que esta se passa.
   Jamais, excentuando-se na literatura, um ambiente imaginário fora construído com tanta riqueza visual, histórica e antropológica quanto "Avatar".
   Cada espécie de vida animal ou vegetal que vive, cresce e se locomove pelo viçoso e diverso ecosistema da distante lua Pandora foi obssessivamente pensado, planejado e pormenorizado por uma equipe de especialistas ligados a vários ramos da ciência (biologia, botânica, paleontologia, astronomia, etc), liderados por Cameron com o objetivo de criar um mundo fantástico com o máximo possível de verossimilhança e veracidade científica.
   Os na'vi, os alienígenas humanóides extremamente inteligentes de Pandora (mas que ainda vivem em sociedades primitivas, semelhantes aos nossos índios selvagens) são abordados em minúcias no longa, não apenas em seus aspectos biológicos, mas também em relação aos seus modos de vida, estrutura social, história, religião, mitologias e até mesmo linguísticas: um linguista foi contratado por Cameron para ajudá-lo a "simplesmente" elaborar um idioma único para os na'vi, com palavras e regras gramaticas próprias que realmente funcionassem e fuzessem sentido (algo semelhante ao que Tolkien fez ao criar os idiomas élficos).
  O Resultado de tantos pormenores na idealização dos na'vi, foi que estes, para o bem ou para o mal, entraram de forma instantânea no imaginário popular.
   Transformar o roteiro, desenho de produção e storyboard deste literal novo mundo concebido por James Cameron em imagens cinematográficas com a qualidade e verossimilhança absurdas exigidas pelo cineasta foi uma tarefa hercúlea e gigantesca.
   Em primeiro lugar, quase toda a infra-estrutura técnica necessária para o diretor dar vida a Pandora na época em que este pensou em tirar a história do papel pela primeira vez em 1.994, teria que ser tão avançada e visionária que seria considerada tão "ficção científica" quanto o próprio filme que seria produzido por esta.
   O cineasta teve então que aguardar mais de uma década para que a tecnologia necessária para gerar o seu filme se tornasse amadurada.
   Enquanto se envolvia com novos projetos (o filme "Titanic", séries de tv e vários documentários sobre naufrágios históricos e explorações das profundezas marítimas), Cameron ia paralelamente desenvolvendo e testando novos modelos de câmeras para captações de imagens cada vez mais sofisticadas e apuradas (como as câmeras para grandes profundidades subaquáticas, que Cameron utilizou para realizar o documentário "Ghosts in the Abyss").
  Porém, a cartada decisiva para a concretização de "Avatar" não partiu de Jim, mas de seu colega de profissão neozelandês Peter Jackson.
  Na época em que Cameron tirava férias do cinemão comercial, Jackson através de sua empresa Weta Limited, fazia os efeitos visuais no cinema darem verdadeiros saltos evolucionários, de uma forma tão radical quanto só a Industrial Light and Magic de George Lucas havia fito anos antes.
   O Talento dos programadores da Weta Digital (a divisão de efeitos digitais 3-D da Weta Limited), permitiu transformar linguagem binária em "matéria orgânica" 100% crível. E mais: os personagens virtuais da Weta, através de seus gestos e expressões faciais, transmitiam sentimentos verdadeiros de raiva, medo e paixão de uma forma com a indústria cinematográfica (e o público) nunca haviam visto antes.
   Era exatamente o tipo de refinamento técnico que Cameron necessitava para poder "dar vida" aos seus personagens digitais de "Avatar".
   Ao mesmo tempo, Jim havia chegado (com a ajuda de seu irmão engenheiro e do diretor de fotografia Vince Pace) ao estágio final de suas revolucionárias câmeras "reality camera system". Baseadas em um protótipo desenvolvido pela Nasa, essas câmeras cradas por Cameron captavam imagens em 3-D digital de forma orignal e incisivamente imersivas.
   Outra grande inovação das reality camera system é o processamento de renderização em cima de uma cena "crua" em tempo real, no exato instante em que stão sen do gravadas, eliminando drasticamente o tempo de pós-produção.
   A união dos efeitos computadorizados tridimensionais da Weta Digital (que em "Avatar" levou a técnica de captura de movimento ao limite) com o sublevador novo sistema de gravações de imagens de Cameron, tranformou "Avatar" em algo único, um espetáculo visual estonteante com uma inacreditável riqueza de detalhes.
   Não são apenas os personagens virtuais do filme que parecem absurdamente orgânicos e palpáveis. Todos os cenários artificiais do filme (que somam 60% de todo o longa) transbordam vida e realismo.
   Cada rio, montanha, selva, flor e folha de árvore de Pandora pulsa vida e energia.
   E esse realismo radical e obssessivo para com os efeitos especiais se estendeu para além de personagens e cenários orgânicos: veículos terrestres e aéreos, naves espaciais, robôs, armamentos, hologramas e efeitos monitorados em geral (que aparecem no filme em grande quantidade, diga-se de passagem), seguem a mesma regra draconiana imposta por Cameron de "perfeição técnica até mesmo aos mais ínfimos detalhes".
   Graças a toda esta opulência e requinte visual, "Avatar" granjeou três prêmios técnicos no último oscar: direção de arte, fotografia e efeitos visuais, além de de outras indicações incluindo melhor filme e diretor.
   Porém,a maior conquista do longa foi ter sido um divisor de águas na indústria do entretenimento.
   A onda do 3-D digital já estava nos cinemas quatro anos antes de "Avatar" estriar nas telas, mas foi só com o lançamento do novo filme de James Cameron que o novo formato começou realmente a chamar a atenção ganhando impulso e respeito.
   "Avatar" abriu os olhos não apenas dos executivos de Hollywood e donos de cadeias de cinemas, mas também das grandes corporações que produzem aparelhos de televisão, monitores de computador e produtos de alta tecnologia, mostrando-lhes que estava na hora de mudar, inovar, explorar as incríveis possibilidades proporcionadas pela dimensão extra do 3-D, uma tecnologia que já estava entre nós a algúm tempo, mas sempre sendo sub-aproveitada.
   Se atualmente já existem televisores em 3-D, de blue-rays codificados para este novo formato e até mesmo de canais de tv com programas em três dimensões (inclusive no Brasil), começando a invadir os lares pelo mundo afora, pode ter a certeza de que "Avatar" teve um a boa parcela de culpa nisso tudo.
   Mas esqueça tudo isso e como foi dito no início desta crítica vá ao que realmente importa, o coração de coisa toda: assista a este novo e ótimo filme do cientista da sétima arte James Cameron.
   Assista-o com a mente aberta para poder fazer aquilo para o qual o cinema foi criado: sonhar, acreditar no inacreditável, explorar novos mundos, seres, possibilidades e idéias. Explorar a própria imaginação do ser humano em seu estado mais puro e bruto.
   Mas assista a tudo isso de preferência em 3-D...se for possível, é claro.