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METAL DE CARNE E SANGUE

 Se você é um daqueles que já está de saco cheio  desse suposto "heavy metal moderno", chamado new metal e de seus abomináveis vocais limpos e saudáveis de boy bands; se você já não aguenta mais ver um dos gêneros musicais mais arrojados, subversivos e chocantes de todos os tempos afundar na lama da mediocridade e da burocracia musical, por meio de bandas de pseudo-heavy metal como Korn e Limp Bizkit; ou se você tem vontade de dar uma saraivada de .50 mm em um aparelho de som, toda vez que escuta emanar desse sonoridades insanamente legais, como trash metal e, até mesmo, a brutalidade sanguinária do death metal misturados com gêneros absolutamente antagônicos ao peso musical, tais como o hip-hop melódico e o techno pop, então, cara, continue a ler esta matéria e a banda sobre a qual essa discorre.
 Em 1984, é parido, na Suíça, o Celtic Frost, uma das bandas precursoras do black metal, que, por sua vez, é um dos sub-gêneros de metal extremo mais truculento, macabro e imune ao "politicamente correto" que já existiu.
 Diretamente influenciado pelas raízes mais primitivas e puras do heavy metal, como Black Sabbath, Judas Priest e Venon, o Celtic Frost, fazendo jus a estes seus antepassados macabros e satânicos, estréia com o disco Morbid Tales, que alguns críticos qualificaram como "o disco perfeito para você usar se quiser aterrorizar alguém".
 O Celtic Frost, em 1985, marca a ferro, a fogo e à sangue a sua marca na história do heavy metal com Emperors Return e To Mega Therion, trabalhos que imprimiram a banda o status de lenda da música extrema.
 Infelizmente, em 2008, o Celtic Frost foi para a sepultura, encerrando os seus trabalhos...contudo, um de seus pedaços originais, o demoníaco vocal/guitarrista Tom Warrior, ainda teimava em continuar respirando e vagando pela Terra para aterrorizar a nós, pobres mortais.
  Triptycon, a nova banda de Tom Warrior, formada por ele, também na Suíça, em 2008, e que lançou seu primeiro disco, intitulado Eparistera Daimones, em 2010, parece um Celtic Frost recém- ressussitado, um zumbi putrefato, porém transbordante de energia mórbida e faminto por carne e por medo humanos.
 Enquanto  bandas de metal moderninhas, como o Slipknot, parecem ter medo de irem até o fundo do poço do macabro e do lado escuro do ser humano, sempre aliviando o seu som através  da alternância de berros guturais com vocais limpos e, vez por outra, refreando a pegada death/black metal com ritmos mais pop e comerciais. o Triptykon, por sua vez, não tem medo de ser assustador, de ser um trem fantasma desgovernado de horror, que arrasta o ouvinte dos primeiros aos últimos segundos do disco, sem interrupções, as profundezas de um lamaçal de pavor gótico absoluto.
 Se a sonoridade do Slipknot, Korn, System of  a Down e outras da turminha do new metal trazem à lembrança do ouvinte cenas de recentes slashers holywdianos carentes de sangue e imaginação, que só assustam a filhinhos e filhinhas de papai, o Triptykon segue uma maré completamente oposta, indo buscar inpiração para as suas músicas nos realistas e perturbadores filmes de horror das décadas de 1980 e 1970, como O Exorcista, A Profecia, Hellraiser, Alien e as produções de cineastas como Dario Argento.
 Porém, são as imagens gélidas dos clássicos imortais da literatura fantástica gótica, como as obras de Poe, Stocker e Lovecraft que mais vão se entrelaçando como serpentes constritoras em nossos neurônios na medida em que vamos sendo empurrados pela compacta massa sonora (que parece uma parede de aço maçiço que despenca sobre nossas cabeças) das guitarras de Tom Warrior e V. Santura, em direção às entranhas dos mais genuínos black metal e doom funeral metal.
 Outro ponto (muito) a favor de Eparistera Daimones foi o uso de computadores e da tecnologia digital para tornarem as canções do disco ainda mais pesadas, sombrias e perturbadoras, algo que também vai ao contrário das bandas de metal moderno que, muitas vezes, usam sintetizadores e teclados para purificarem as suas músicas, tornando-as, assim, mais audíveis aos ouvidos sensíveis.
 Já os samplers, programados por Tom Warrior, nos lembram as coisas e as criaturas inomináveis que existem nas profundezas cósmicas e nas fossas abissais do inferno que H.P. Lovecraft descrevia nas mitologias complexas e enlouquecedoras de seus livros. Criaturas com anatomias tão disformes e tão psicodélicas que poderiam nos levar a insanidade total apenas se lhes for lançado um rápido vislumbre.
 Embrulhando toda essa carga de morbidez sonora, estão as vozes perversas de Warrior e Santura, que interpolam momentos de vocais mais rasgados com outros mais guturais ( nestas ocasiões, lembram um pouco a voz de Peter Murphy, do Bauhaus), e a capa do disco, uma verdadeira obra-prima do lúgubre e da devassidão, assinada pelo "Hieronymus Bosch" de nossos tempos e conterrâneo do Triptykon, H.R. Giger.
 Com a sua nova banda, Tom Warrior e seus colaboradores provam que bandas de heavy metal ainda podem provocar tanto calafrio na espinha quanto o primeiro disco do Black SabbathReign in Blood do Slayer. Mandam as bandinhas falcatruas de new metal para os quintos dos infernos e demonstram que, muitas vezes, o mais arrojado e moderno não está no presente, mas, sim, nas entranhas soturnas do passado.
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NANOCRÍTICA: Eu Sou o Número Quatro

 Se "Eu Sou o Número Quatro" fosse composto apenas de seu início (que possui um dos planos-sequência digitais mais deslumbrantes e complexos desde "O Quarto Do Pânico") e da parte que começa pouco depois de sua metade, seria um dos filmes mais legais dos últimos tempos.
 O problema é que o filme é recheado por um romancezinho com conotações fantásticas (a la "Crepúsculo") dos mais bunda-mole e insuportável.
 Quando o desastre parecia iminente, "Eu Sou o Número Quatro" ganha uma boa aditivada com cenas de ação grandiosas, efeitos visuais insanos, monstros bacanas e uma efervescência criativa digna da melhores HQs de super-heróis.
 Como longa-metragem este filme (baseado em livro homônimo de Pittacus Lore) de D.J.Caruso ("Controle Absoluto") daria um ótimo curta.
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AMOR A SABEDORIA

 Quero iniciar esta postagem já me desculpando pela ousadia (e possíveis  incongruências que eu possa vir a cometer neste meu texto) em querer tratar de um assunto tão sério, intrincado e fundamental como a filosofia.
 Muitos podem achar este meu pedido de desculpas (e até mesmo todo este meu texto) exagerado, pueril e francamente inútil, por girar em torno de algo tão "abstrato","infrutuoso" e "afetado".Termos depreciativos comumentes usados por pessoas ignorantes, de mente fechada e imaginação fraca para designar a filosofia. Algo que, lamentávelmente, só vem se potencializando cada vez mais nestes fúteis e descartáveis dias em que vivemos.  Aonde as pessoas são condicionadas pela grande maioria da sociedade e dos meios de comunicação, a cada vez pensarem menos e a consumirem mais, votarem mais, a acreditarem demais e questionarem de menos...enfim, a viverem cada vez mais dentro das trevas do desconhecimento de uma caverna escura, ignorando completamente o mundo que existe além dos limites desta caverna.
 Outro idéia recorrente que as pessoas tem sobre a filosofia é de que esta é uma ciência anacrônica, ultrapassada. Uma coisa já fora de uso desde os tempos de Sócrates e Platão a cerca de mais ou menos 460 anos A.C.
 Poucos sabem (ou se interessam em saber) que existe uma filosofia moderna, que trata e estuda em profundidade assuntos pertinentes a nossa época, como o impacto das novas tecnologias digitais em nossas vidas, as revolucionárias narrativas transmídia que oferecem uma imersão em mundos fictícios sem precedentes para os seus consumidores, as complexidades de se viver em um mundo e uma sociedade globalizados, etc.
 E para quem  acha que filosofia é coisa para mentes e comportamentos afeminadas e frágeis, saibam que uma das principais influências do mais arrojado e perverso mestre do horror da atualidade, o inglês Clive Barker, (considerado um novo Marquês de Sade) foi uma filósofa que defendia a subversiva idéia de que no fundo, todo o ser humano é doentiamente atraído pelo macabro, pela desgraça e pelo bizarro.
 Um dos nomes mais expoentes da filosofia moderna é o francês Pierre Levy, um filósofo que estuda as influências recíprocas entre a internet e a sociedade. Levy já chegou até a desenvolver com o seu amigo matemático Michel Authier um software livre.
  Assim como a física moderna foi inaugurada por Max Planck e Albert Einstein no início do século XX, a filosofia moderna tem seu marco zero nos sábios pensamentos e nos pormenorizados estudos do francês René Descartes no século XVII. E é Descartes e a sua revolucionária obra "Discurso Do Método" (editora L&PM POCKET,123 pág.) o principal foco desta postagem.
 Descartes foi um filósofo singular e inovador ao abandonar os estudos convencionais e usar o próprio mundo ( e tudo o que este tem de melhor e pior) como sala de aula e laboratório de pesquisas. Assim Descartes não foi apenas um pensador acadêmico, mas antes e acima de tudo, um filósofo da própria vida.
 Correu mundo, conheceu de reis e soberanos aos mais simples dos mortais, foi soldado voluntário e participou de várias guerras e batalhas e descobriu que para conseguirmos sobreviver nas sociedades humanas, devemos ter um amplo conhecimento sobre todos os tipos e gêneros de pessoas, conhecer toda a cadeia de engrenagens que movimentam o mundo dos homens.
 Ao se atirar de cabeça em um mundo de aventuras, perigos, violência e adrenalina para atingir o cerne do conhecimento e decifrar os maiores mistérios e enigmas que atormentam o homem, Descartes desvincula a filosofia de sua esfera unicamente contemplativa e passiva. 
 Depois de anos de preozas e façanhas, período em que fez "doutorado" sobre todos os aspectos da natureza humana, Descartes publica "Discurso Do Método", que abre as portas para a filosofia moderna e para o controvertido raciocínio cartesiano.
 Nesta obra o filosofo escancara a sua máxima de que todas as coisas devem ser sempre analisadas sobre a fria e infalível ótica da razão e do bom senso. Nada pode ser desacreditado, tampouco em nada também devemos acreditar, antes de esmiuçarmos tudo até chegarmos ao núcleo da verdade, uma verdade que sempre deve ser tão exata, irreversível e precisa quanto uma equação matemática.
 Em "Discurso do Método" nada (seja físico ou metafísico) escapa do crivo da lógica inexorável de Descartes: Deus, a alma, o funcionamento do corpo humano, a realidade e a crença em nossa própria existência (afinal como você pode ter a certeza absoluta de que realmente existe de verdade? Já parou para se perguntar isso)?
 Acredito que este eterno questionamento  acerca de tudo e todos de Descartes tenha, direta ou indiretamente, influenciado em maior ou menor grau vários tipos de movimentos contraculturais que vem ajudando a revolucionar a nossa sociedade através dos tempos: beatniks, hippies, punks, hackers, etc. Todos eles devem alguma coisa para a mente irrequietamente questionadora de René Descartes.
  E permeando toda esta obra estão os quatro ensinamentos fundamentais do filósofo francês para se conseguir levar uma vida guiada pela razão e pela sabedoria. Mas não se engane pensando se tratar de algo típico de livros de auto-ajuda. As doutrinas de Descartes requerem de quem quiser seguí-las um grande esforço físico, desafio intelectual e personalidade forte.
 "Discurso Do Método" é a prova de que nem todas as grandes obras da literatura precisam ser calhamaços rebuscados e caríssimos.
  Este é um pequeno e insignificante livro (que provavelmente passa despercebido pela maioria dos frequentadores de livrarias e sebos), mas que esconde dentro de suas páginas conhecimentos avassaladores capazes de tranformar tanto um único indivíduo, quanto uma sociedade inteira.
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Homo Vampiricus

 Um dos mais antigos registros do mito do vampiro de que se tem notícia vem da Grécia antiga do ano de 405 A.C. Mas sabe-se lá o quão mais profundo é o abismo do passado remoto de onde tenha realmente surgido esta aterradora lenda.
 Pessoalmente, acredito que este monstro esteja conosco desde o alvorecer das primeiras mitologias que assombraram os antepassados do homem com seus deuses e demônios primitivos e selvagens. Um arquétipo sinistro que está entranhado em nosso sistema nervoso desde os tempos pré-Homo-sapiens de Pitecantropos e Plesiantropos e que vem, desde então, servindo de metáfora para os nossos mais violentos e proibidos estímulos carnais.
  O sadomasoquismo e o sexo sangrento (uma parafilia que muitos tem ou que gostariam de experimentar mas tem medo e vergonha de admitir), talvez esteja ligado ao mito do vampiro e as práticas canibalísticas (que por sua vez é a raíz do vampirismo) que eram rituais comuns em sociedades pré-históricas.
 Práticas e rituais estes que muito provavelmente ficaram gravados até hoje naquilo que Carl Gustav Jung denomina de nosso inconsciente coletivo e que mesmo atualmente em nossa sociedade moderna alguns de nós ainda possuem um desejo doentio de exercê-los de formas disfarçadas, como o prazer  de provocar e sentir dor do sadomasoquismo.
 Infelizmente, como eu já havia comentado em uma postagen anterior neste blog, o medo, os monstros e o horror são coisas que tendem a irem definhando com o tempo (da mesma forma, como sugerem alguns escritores de livros de horror, que o sangue vampírico vai afinando ao passar de uma geração para outra no decorrer dos séculos), se diluindo no interior das entranhas das ramificações mais banais da cultura pop como um lindo pedaço de carne fresca e crua que vai se manufaturando progressivamente até se transformar em um inocente e insípido hambúrguer do McDonalds.
 Contudo se no (infelizmente) quase onipresente cinema hollywoodiano o sangue do cinema fantástico vem se tornando cada vez mais anêmico o mesmo não se pode dizer das hemáceas que correm no interior das veias dos filmes de horror e ficção científica asiáticos.
  E é da Coréia do Sul (país que vem gerando alguns dos filmes mais potentes e turbinados do cinema recente) que veio "Sede de Sangue" (Thirst), produção que devolve o vampiro as suas origens monstruosas e profundamente perturbadoras.
 Comandado com pulso de aço por Park Chan-Wook (um cineasta que a tempos já dispensa apresentações para os cinéfilos mais exigentes), "Thirst" é um verdadeiro banho de sangue tanto físico quanto psíquico.
 Wook já começa a acertar quando manda para o inferno quase todos os clichês habituais que vem poluindo e as vezes até ridicularizando a figura do vampiro em todas as mídias através dos anos.
 De cara o diretor já demole os cânones mais ortodoxos do vampirismo ao transformar o protagonista do filme ,um padre, em um monstro sugador de sangue que mesmo após a sua bizarra mutação não abandona Deus nem as práticas do sacerdócio. A seguir Wook purifica ainda mais o tema enxugando o filme de todo e qualquer resquício de aspectos metafísicos, românticos e míticos, mostrando os vampiros por um prisma muito mais de ficção-científica hardcore (como "Alien" e os filmes de David Cronenberg) do que de horror sobrenatural. Dessa forma o cineasta sul-coreano atinge o coração e as raízes do vampirismo, que afinal de contas sempre serviu de tropo para o lado mais carnal e animalesco da personalidade humana, livre de quaisquer amarra mística, moral, religiosa, etc.
  "Sede De Sangue" faz o que todos os filmes de horror e fantasia deveriam fazer: usa os monstros fantásticos para comentar sobre os monstros reais de nosso cotidiano e nos fazerem pensar.
 Se analisado mais profundamente percebe-se que o vampirismo de "Thirst" também  serve  como pano de fundo para o diretor sul-coreano realizar um mix sublime de vários gêneros cinematográficos: drama, romance (aonde denota os aspectos mais sádicos e carnais do amor), film noir e um suspense hitchcockiano de absoluta destreza técnica e visual de tirar o fôlego.
 Ao mostrar as mais bizarras e tresloucadas fantasias amalgamadas dentro de um contexto, cenários e situações absolutamente realistas e até mesmo banais, Wook aproxima os seus vampiros dos super-heróis do mundo real criados por Allan Moore em HQs como "Miraclemen" e "Watchmen". Tanto as obras de Moore quanto esta de Wook, mostram que nada é apenas um milagre, que até mesmo os dons e poderes mais espetaculares e infinitos podem levar aqueles que os possuem ao sofrimento, a dor, a loucura e a morte. Mostra ,em suma, que o paraíso e o inferno sempre andam de mãos dadas.
 Já as interpretações de todo o elenco são tão fortes e potentes quanto o restante do filme.
. O tormento interno sofrido pelo sacerdote interpretado por Song Hang-Ho ( "Simpathy Mr. Vegeance" "O Hospedeiro"),  dilacerado entre a pureza da alma e as tentações da carne e do sangue, não perde em nada em complexidade para os personagens de Martin  Scorsese, que também são quase sempre seres estilhaçados entre o divino e o profano. O paralelo entre esta obra de Wook e as de Scorsese também se estende ao turbulento e doentio romance entre o personagem de Ho e a vampira sádica interpretada por Kim Ok-Vin.
 Mas o melhor em "Sede De Sangue" é que ele nada violentamente contra a maré da  moda vampírica que vem entupindo os meios de comunicação atualmente. Tem-se a nítida impressão que Park Chan-Wook realizou este filme justamente para poder arrancar os vampiros da condição mainstream e fashion em que estes se encontram hoje e jogá-los novamente no inferno de sangue de onde o mito do nosferatu surgiu, transformando o vampiro outra vez em um personagem de obras que possam ser consumidas por pessoas adultas, inteligentes e de imaginação ousada.
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FOME ANIMAL: UM FILME PARA MATAR A SUA FOME POR CRIATIVIDADE

  "É quando o grito de pavor entalado na garganta explode em riso histérico"
   Paulo Capuzzo (revista Set, agosto de 1989)

 O filme do qual fiz a crítica nesta postagem considero tão essencial, espetacular e definitivo que demorei dias até conseguir imaginar uma forma realmente adequada e respeitosa o suficiente de iniciar a sua apreciação.
 Hoje finalmente eu consegui: "Fome Animal" (Brain Dead, Nova Zelândia, 1992) não é um filme. É uma força da natureza!                                                                                                                                      
 Assistir a esta verdadeira obra de arte barroca do gore, equivale a escutar o mais underground e radical dos grindcore no volume máximo: a sua adrenalina atinge picos inacreditáveis, você tem vontade de gritar, de rir, de explodir, de sair correndo por aí gritando para todo mundo ouvir: "Cara, esse filme é a coisa mais foda que eu já  assisti na minha vida"! Você tem vontade de mandar o mundo inteiro a puta que o pariu!
 Já lí várias críticas e comentários na rede sobre "Fome Animal" em que usam a palavra "trash" infinitas vezes para designar este prodigioso e memorável épico nauseabundo. Outra definição muito comum a "Brain Dead"  em várias resenhas é "o filme é tão ruim que chega a ser bom".
 Bem, a única coisa que eu posso dizer é que as pessoas que redigiram estas sinopses não entendem nada de filmes de horror em particular e de cinema em geral.
 Filmes trash, são produções mal realizadas de uma forma mais ampla: são filmes mal editados, com uma fotografia pobre, direção medíocre, roteiro ridículo, interpretações reles, etc. Ou seja, são filmes mal acabados de uma forma geral. E isso não tem nada a ver com questões orçamentárias. "Fúria de Titãs" e o segundo filme da série "Tomb Raider", tiveram orçamentos milionários e equipes técnicas de primeira, mas isso não impediu que estas produções tivessem sequências tão mal filmadas que se tornaram ridículas. Em comparação "The Evil Dead", um filme que custou míseros US$ 600.000, possui câmeras, edição, enquadramentos, sonoplastia e efeitos de make-up tão sofisticados que influenciaram não apenas o cinema independente e de horror, mas toda a poderosa indústria cinematográfica norte-americana e também o cinema de outros países.
 E em "The Evil Dead" tudo foi feito de maneira artesanal, fortalecendo a idéia de que o que vale mesmo no cinema (e em qualquer outra forma de expressão artística) é mesmo a criatividade e o amor de seus realizadores pelo material que estão filmando.
 A palavra trash geralmente está associada a filmes de horror e de baixo orçamento, porque neste nicho cinematográfico é comum os diretores, roteiristas, técnicos, etc, não possuírem cursos de cinema ou alguma especialização na área, muito menos algum apoio financeiro ou patrocínio de alguma empresa, etc. Pois o horror é um gênero punk, rebelde e subversivo por natureza e "punk" e "subversão" são palavras pouco em voga na sociedade politicamente correta e ultra-consumista dos dias de hoje. Devido a esses fatores muitas vezes os filmes de horror acabam saindo mesmo de forma tosca e crua.
 Mas alegar que filmes mal-feitos são via de regra no cinema-B e de horror está longe de ser uma verdade.
 E "Fome Animal" é a prova viva (melhor seria dizer morta-viva) desta minha afirmação.
 Autêntica obra de arte da imaginação, este segundo filme do hoje respeitadíssimo cineasta Peter Jackson, "Brain Dead" brinda o espectador com um verdadeiro exército infernal de criaturas e monstros originalíssimos  , efeitos splatter que beiram a perfeição, um roteiro que surpreende (e choca) a cada instante, surrealismo, metáforas, inteligentes citações a outros clássicos do cinema fantástico e uma imaginação sem fronteiras...
 "Fome Animal" é o terrir em seu estado mais insano, depravado, divertido e sarcástico. Não existem limites para qualquer tipo de ataque a moral, aos bons costumes e principalmente ao estômago do espectador: mortos-vivos enlouquecidamente antropófagos, perfurações, decapitações e eviscerações orgânicas de todas as espécies, cadáveres ambulantes de todos os tipos que se possa imaginar (e em todos os graus de putrefação que se possa conceber), sexo além túmulo e muitas outras maravilhas que nem mesmo  os integrantes do "Canibal Corpse" conseguiriam inventar mesmo em seus surtos de inspiração mais delirantes. É fantasia negra destilada, um autêntico filme de zumbis: fétido até a raíz, carnívoro até a alma.
 Jackson ainda consegue inserir no meio de toda a orgia gore e criaturas fantásticas, uma subtrama de mariticídio, que apesar de ocupar poucos segundos na tela, possui importância vital para o desenvolvimento dos protagonistas e para todo o filme em si.
 A sequência do matricídio é de uma concisão admirável e denota a genialidade deste grande cineasta neozelândes para manipular imagens a maneira de Hitchcock, ao conseguir extrair um grande impacto visual e dramático com apenas um pequeno punhado de cenas (lembremos, por exemplo da picotada sequência do chuveiro de "Psicose", aonde não aparece nada de muito explícito, mas de tão bem filmada se tornou aterradora e imortal).
 Para fechar "Fome Animal" com chave de ouro, Jackson e sua equipe promovem um inacreditável e inimitável banho de sangue em tamanho família, aonde alegam terem usado dezenas de litros de sangue de porco para simular sangue humano. Demais!
 Outro ponto interessantísimo neste filme é que Jackson o usou como ponto de partida para uma mitologia que une "Fome Animal" com algumas de suas outras produções posteriores. A ilha em que um grupo de aventureiros captura o aterrorizante macaco-rato da Sumatra  é a "Ilha da Caveira", que é simplesmente o habitat de King Kong, protagonista de um dos maiores clássicos do cinema fantástico e de aventura e que foi refilmado pelo próprio Jackson em 2005, em uma versão respeitosamente fiel ao clássico original de 1933. Reparem no berro selvagem de alguma fera pré-histórica que explode na ilha apavorando os aventureiros logo no início de "Fome Animal". Seria algum exemplar de uma das várias raças de dinossauros que infestam a ilha ou então algum gorila gigante, remanescente da espécie do próprio Kong? E a tribo de selvagens nativos da ilha parecem uma versão cartunizada dos macabros autóctones da Ilha da Caveira que aparecem  no remake de Jackson.
 Em contrapartida, uma caixa aonde está escrito "macaco-rato da sumatra", aparece no interior do navio dos traficantes de animais do "King Kong de 2005. E o cemitério aonde o protagonista de "Brain Dead" enfrenta um grupo de bizarros zumbis é o mesmo em que Michael J.Fox descobre a verdadeira identidade do fantasma assassino de "Os Espíritos" (The Frighteners"), a estréia de Peter Jackson em Hollywood.
 Como todo o cinéfilo sabe, por mais autoral que seja um diretor, o cinema nunca deixa de ser uma atividade conjunta, que depende do resultado da soma de vários profissionais trabalhando juntos.
 Portanto, apesar de sua inegável genialidade e tenacidade, Peter Jackson deve uma boa parcela da qualidade e do sucesso de sua filmografia a um talentoso grupo de colaboradores, como a sua esposa Frances Walsh (produtora e roteirista de todos os filmes de Jackson), o iluminador Andrew Lesnie (responsável pelas imagens da trilogia "O Senhor dos Anéis", "King Kong", "Um Olhar do Paraíso") e o compositor Howard Shore ("O Senhor dos Anéis").
 Porém, o maior responsável pelas insanas e magníficas visualizações de Jackson no cinema é sem dúvida, o grande técnico de efeitos visuais Richard Taylor.
 Taylor esteve diretamente envolvido nos efeitos visuais e arte conceitual de todos os longas de Jackson, (através da empresa de ambos a "Weta Ltda") e também em produções de outros cineastas.
 Confesso que considero Richard Taylor, um dos especialistas em efeitos visuais mais talentosos e subestimados de todos os tempos.
 Todo mundo baba ao falar de Rick Baker, Tom Savini, Rob Bottin, Giannetto di Rossi, Greg Nicotero,etc.
 Mas vejo pouquíssimos comentários sobre Taylor, um verdadeiro mestre na criação e designer de monstros e criaturas fantásticas e que não  perde em nada e muitas vezes até supera os nomes citados acima.
 A exemplo de Stan Winston, Richard Taylor é um esteta do bizarro, que não se restringe a apenas um aspecto dos efeitos visuais, como por exemplo os efeitos de maquiagem. Taylor e sua equipe da Weta Workshop ( a divisão de efeitos visuais físicos da Weta) criam e elaboram de tudo: maquiagem, animatrônicos, maquetes, designer de veículos, armamentos, figurinos, etc. Dos zumbis genialmente apodrecidos de "Brain Dead" aos aliens high-tech de "Distrito 9" e "Avatar", todos tiveram a colaboração da soberba criatividade de Richard Taylor.
 Portanto um dentre os vários motivos para se assistir "Fome Animal", é podermos apreciar os primórdios das carreiras de Peter Jackson e Richard Taylor, dois verdadeiros magos da imaginação humana, cujos filmes de horror lhes ensinaram a como ganhar o oscar e o respeito de críticos e fãs do mundo inteiro.
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LITERATURA PARA MACHO...E PARA MULHERES FORTES

 Algum tempo atrás, singrando pelos oceanos digitais do ciberespaço me deparei com o blog de  André Barcinski, um jornalista especializado em cultura pop cujos textos eu curto pra caralho já a um bom tempo.
 Naquela ocasião, uma das últimas postagens do Barcinski eram sobre os dois únicos livros que o haviam deixado realmente perturbado a ponto deste comentar que havia ficado com medo de lê-los até o final.
 Logo imaginei que algo capaz de deixar assustado um cara que já havia se trancado em um estúdio com os integrantes do Ministry no auge da detonação junkie da banda ( na gravação do cáustico Psalm 69 ) e que havia escrito uma biografia do José Mojica Marins, merecia a minha atenção...
 Os tais livros eram Meridiano de Sangue de Cormac McCarthy e Meus Lugares Escuros de James Ellroy.
 Não perdi tempo e na primeira oportunidade que tive adquiri as duas obras.
 De Ellroy eu já era fã a um bom tempo, tendo devorado cinco de seus noirs hardcore: L.A. Confidential, Dália Negra, O Morro do Suicídio, 6 Mil em Espécie e Jazz Branco.
 Portanto como eu já sabia a porrada alucinante que me aguardava em Meus Lugares Escuros, decidi começar pelo McCarthy que me era, à época, terreno desconhecido.
 Bom, agora eu posso dizer com total segurança de que se existe algum escritor capaz de realizar um exame analítico tão ou mais minucioso do lado negro do ser humano do que James Ellroy é justamente Corman MacCarthy.
 O único contato que eu havia tido com o apavorante universo deste escritor, conterrâneo de H.P. Lovecraft, fora através da adaptação para as telas feita pelos Coen Brothers de seu romance Aonde os Velhos Não Tem Vez, um dos filmes mais sangue frio em que eu já havia posto os olhos. Portanto eu já esperava chumbo grosso em Meridiano de Sangue....Só que nada consegue deixar você preparado o suficiente para poder debutar de forma tranquila na obra original de MacCarthy.
 Perturbador, bárbara, sanguinária, pesadelesca, inesquecível, grotesca...pffff. Todos esses adjetivos não chegam  nem perto de descrever por completo o que é realmente Meridiano de Sangue.
  Pura Trevas! Esta foi a melhor classificação que eu pude dar para este livro embora saiba que esta minha definição ainda está longe de ser a mais exata para exemplificar esta obra simplesmente arrebatadora e
inesquecível.
  Verdadeiro soco na boca do estômago, Meridiano de Sangue empurra o leitor para o cerne dos intestinos da ala mais primitiva do universo masculino.
  É 1849 e o lado ainda selvagem e imaculado da América do Norte trava um guerra sangrenta e incessante contra o estupro provocado pelos homens "civilizados".
  O México fervilha com os constantes ataques animalescos perpetrados por várias tribos indígenas nativas contra cidades e vilarejos que, a medida que se expandem, vão gradativamente esmagando e enfurecendo a população autóctone local que reage a curra da invasão cultural do homem branco desferindo neste ataques de barbárie e depravação impensáveis.
 A sociedade moderna, por sua vez, contra-ataca a sociedade primitiva com uma violência tão ou mais primeva que a dos índios transformando o México em um infinito círculo vicioso de dor, morte, sangue e corrupção.
 Meridiano de Sangue, assim como 2666 do chileno Roberto Bolano, é um livro tão dilacerante, intrínseco e grandioso quanto a própria vida, uma obra sujeita a infinitas metáforas e analogias.
  A exemplo de  O Coração das Trevas de Joseph Conrad, ao mergulharem cada vez mais fundo no território selvagem mexicano os protagonistas de Meridiano de Sangue (um bando de mercenários assassinos de índios composto por bárbaros e marginais do mais baixo e torpe nível) vão de cabeça ao encontro não apenas de seus inimigos, mas da própria maldade, insensatez e loucura humanas. Um inferno que os mercenários vão encontrar não apenas em seus adversários, mas também, e, principalmente, dentro deles mesmos, que vão se transformando cada vez mais em verdadeiros animais a medida que a vida selvagem e a natureza bruta vão se fechando ao redor destes. Provando que a selvageria é  mesmo o estado congênito do homem e que a civilização é uma mera teimosia momentânea da humanidade, bastando apenas que fiquemos alguns dias em contato com o mundo agreste para que voltemos a nos tornarmos bestas sedentas por sangue e morte.
 Muito da força desta obra de MacCarthy está na descrição riquíssima, crua e ultra-verossímel que o escritor faz da relação do homem com a natureza ríspida que o cerca. O oeste selvagem de Meridiano de Sangue não tem nada da beleza idílica da maioria dos clássicos do western. É um Hades de fogo, gelo e florestas trevosas, um mundo quase pré-histórico, repleto de feras assassinas e indomáveis, onde a luta pela sobrevivência é crônica e terrível e a diferença entre a vida e a morte está em um piscar de olhos.
 A energia e força dos ambientes criados por MacCarthy só encontra um adversário a altura no elenco de personagens do livro, todos anti-heróis bruscos, toscos, grosseiros e de personalidade intrincada que parecem carregar dentro de cada um  toda a complexidade e virulência do ser humano.
 Meridiano de Sangue pode ser descrito como uma "aventura realista" digna das melhores obras de Joseph Conrad, Jack London, Robert E. Howard e Ernest Hemingway.
  Mas no fundo em  Meridiano de Sangue, a exemplo de várias obras dos escritores citados acima, como O Coração das Trevas de Conrad, a "aventura" é apenas um disfarce para MacCarthy narrar na verdade  uma história de terror horripilante capaz de provocar pesadelos ao escancarar toda a decadência, torpeza e sadismo do animal chamado "ser humano".
 Da bárbarie da vida selvagem da América do Norte do século XIX para a barbárie da vida urbana da América do Norte do século XX: Los Angeles, 22 de junho de 1958, nesse dia é plantada  a semente de um furacão virulento que iria abalar tanto as estruturas do status quo ianque e esbugalhar o lado podre e demoníaco do american way of life quanto Charles Manson, a guerra do Vietnan e o LSD que iriam surgir durante os turbulentos anos 60, que nessa época já começavam a despontar no horizonte.
 O nome do furacão: James Ellroy.
  Região dos Estados Unidos abalada pela ação de sua força destruidora: a literatura norte americana.
  Pode-se dizer que Ellroy teve dois nascimentos, o primeiro em 1948 quando surge um menino normal, pacato e saudável, fruto de um lar e de uma família aparentemente tranquilo e salutar. O segundo em 1958, ano em que o menino tranquilo é substituído por um doppelganger impiedoso que engole, anula e substitui por completo a criança saudável da qual se originou.
 Ellroy é um autor de histórias policiais sangrentas e de mistério que descobriu o seu dom para a escrita da forma mais maldita e perfeita possível para um futuro mestre de literatura hard-boiled: um assassinato insolúvel e cercado de devassidão por todos os lados.
 1996: já completamente consagrado como um dos maiores escritores americanos contemporâneos, cujo último trabalho, Tabloide Americano fora recentemente eleito pela crítica especializada como o  "melhor livro de 1995", o autor dos aterrorizantes e polêmicos Dália Negra e L.A. Confidential resolve levar para o prelo um monstro muito mais terrível do que as dezenas de psicopatas, policiais sanguinários e políticos corruptos que infestam as páginas de seus livros: o seu próprio passado.
 Em 22/06/1958, o cadáver de Geneva Ellroy é encontrado em um terreno baldio de Los Angeles. Ela havia sido surrada e estrangulada até a morte com uma meia-calça. No decorrer das investigações a polícia local levanta a hipótese de ter sido um crime passional provavelmente ligado a um assassino em série.
 São os espinhosos desdobramentos da investigação deste crime e o seu impacto sobre a vida e a carreira de escritor do filho de Geneva, James, que o mesmo desvela com 0% de pudor e 100 % de visceralidade em sua autobiografia Meus Lugares Escuros.
 O primeiro grande motivo para se ler Meus Lugares Escuros é que o seu autor já era um puta escritor profissional  e dono de um estilo único anos antes de lançar sua autobiografia. O que significa que o leitor pode ter a certeza absoluta de estar lendo a história da vida do biografado realmente escrita pelo próprio, ao contrário das dezenas de celebridades pelo mundo afora que se tornam "escritores profissionais" de uma hora para outra ao "escreverem" as suas autobiografias, quando na realidade contratam ghost writers para fazerem o trabalho.
 O segundo motivo é que apesar de real, Meus Lugares Escuros é tão sombrio, sinistro, sanguinolento e explosivo, quanto as obras fictícias mais alucinadas e intensas de Ellroy.
 O escritor narra com um detalhamento perturbador e uma intimidade assustadora o verdadeiro inferno que se tornou a sua vida  na qual  ele mergulhou após o assassinato de sua mãe.
 James Ellroy já declarou em entrevistas que para ele escrever Meus Lugares Escuros foi um verdadeiro exorcismo muito mais veemente do que ir a um psiquiatra.
  E é como um psiquiatra ou um psicólogo durante uma sessão com o mais perturbado de seus pacientes que o leitor se sente ao ser metralhado sem nenhuma cerimônia pelas memórias da vida bandida de Ellroy, que vai jogando na cara do leitor da forma mais pornográfica possível todas as vicissitudes do lado negro de sua personalidade: taras, vícios, covardias, comportamentos fascistas, desejos incestuosos,etc. Aqui a palavra "politicamente correto" simplesmente não existe.
 Durante a sua infância e adolescência o escritor foi adepto de quase todas as formas de condutas subversivas e decadentes: estudante medíocre e vagabundo odiado por todos, tarado, ladrão, simpatizante de ideologias ultradireitistas e mendigo. Foi até ao inferno das drogas e voltou, tomou todas e sobreviveu.
 Simplesmente é quase impossível acreditar que um indivíduo com a vida desregrada que teve James Ellroy conseguiu escapar vivo e com a mente (quase) sã.
 Como em suas obras de ficção, Ellroy amarra e mixa a trama principal do livro, a história de sua própria vida e do assassinato de sua mãe, com outros vários sub-plots tão ou mais sórdidos do que o precípuo. Transformando tudo em um emaranhado noir de alta combustão de sangue, sexo e morte com a única diferença de que aqui foi tudo perturbadoramente de verdade.
 Tanto Meridiano de Sangue quanto Meus Lugares Escuros não são em absoluto destinados a leitores de  estômago fraco e imaginação pudica, aqueles que apreciam a literatura da moda tipo livros de auto-ajuda, Paulo Coelho e aventurazinhas pueris de vampiros adolescentes.
 As obras de Cormac MacCarthy e James Ellroy são para aqueles que não tem medo de leituras perturbadoras que lhes provoquem pesadelos e lhes ensine que o planeta Terra está longe de ser o lugar mais  iluminado e seguro do universo.
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O MAIOR COME O MENOR

 Eu me acordo de manhã e antes mesmo de abrir os meus olhos, uma palavra e uma vontade explodem dentro de meu cérebro: MATAR!
 Psicopata, sociopata, sádico, louco, assassino, assassino em série, serial killer, demônio, monstro, etc...
 Esses são apenas alguns dos vários termos e adjetivos que a sociedade e as pessoas utilizam para designar pessoas como eu e o que eu faço.
 Pessoalmente eu me descreveria apenas como alguém que gosta de matar.
 Simples assim.
 Para mim isso é uma coisa básica da qual eu necessito tanto e sinto tanto prazer quanto beber, comer, cagar, mijar e foder.
 Se eu acho que estou errado em fazer isso?
 Você acha errado almoçar quando sente fome? Ou ficar excitado ao ver alguém na rua que considera sexualmente atraente?
 Essas coisas lhe provocam algum tipo de remorso?
 Eu me levanto de minha cama ainda sonolento  me dirijo até a pia do banheiro para me lavar.
 A água arde um pouco em meus olhos quando mata meus últimos resquícios de sono.
 Eu saio de casa já 100% desperto e me dirijo para o meu trabalho.
 Quando coloco os pés na rua, a visão, o cheiro e o som das pessoas ao meu redor arrebatam os meus sentidos e me deixam inebriado.
 Eu começo a me movimentar entre as pessoas em volta de mim como um predador camuflado em uma floresta lotada de caças. Como uma criança dentro de uma loja de doces.
 MATAR É BOM!
 MATAR É A MELHOR COISA DO MUNDO!
 Eu ando sorrateiro em meio a multidão, olhando rápido, mas atentamente para cada um deles enquanto penso de que forma exterminaria determinado indivíduo que passa por mim. De que maneira extirparia a vida para fora de suas carcaças: a facadas, golpes de machado, queimados, eviscerados, empalados, escalpelados, enterrados vivos?
 Quanto tempo de tortura incessante cada pessoa resistiria até que morressem de dor?
  Apenas uma coisa era certa: quanto mais tempo elas resistissem, quanto mais tempo suas agonias se prolongassem, melhor.
 Eu adoro quando eles me encaram profundamente antes de darem o derradeiro suspiro, se agarrando ferozmente aos seus últimos filetes de vida, segundos antes de serem tragados pelo abismo.
 Quando ocorre esta conexão entre os meus olhos e os de minha presa, instantes antes de seu passamento, parece que uma descarga elétrica se estabelece entre nós, unindo carrasco e algoz por breves momentos.
 É como se eu sugasse um fragmento de sua alma para o meu interior, aprisionando-o para sempre dentro de mim.
 Enquanto caminho me delicio imaginando novas técnicas de matança e mutilação, métodos inéditos de se fazer sentir dor.
 Eu as crio separadamente, depois as combino entre si e o resultado são imagens em minha mente de assassinatos e carnificinas cada vez mais bizarras e intrincadas que me deixam fascinado e estonteado.
 Não existem barreiras pra o ato de matar e de criar sofrimento, as possibilidades são infinitas e o único limite é a nossa própria imaginação.
 Meus pensamentos fazem todo o meu corpo tremer de fome, mas não é por comida própriamente dita que o meu organismo anseia, é por assassinato.
 As pessoas passam esbarrando por mim, sem nem imaginarem que estão roçando os seus corpos na morte.
 MATAR É BOM!
 MATAR É A MELHOR COISA DO MUNDO!
 Me dirijo para o meu emprego sabendo que aquelas imagens de matanças complexas ficarão me provocando e me excitando durante toda a minha jornada de trabalho.
 No final da tarde, quando o meu expediente de serviço se encerra, eu finalmente saio para me alimentar.
 A minha profissão, ou aonde eu trabalho é irrelevante aqui, assim como o meu nome, se eu sou homem ou mulher, velho ou jovem. Se a minha cor é branca, preta ou amarela, se sou gay, hetero, ou aonde moro.
 Há única coisa que importa neste relato e que você deve saber é sobre a minha fome.
 Devido ao horário de verão, o sol ainda está alto quando eu escolho as minhas presas: uma linda família composta por, presumo eu, papai e mamãe de meia idade e uma filha adolescente.
 Meu estômago ronca esfaimado por morte enquanto os observo.
 Eu os perscruto do outro lado da rua, eles estão dentro de um grande carro japonês importado cor prata, modelo do ano.
 O potente motor de última geração do automóvel não produz praticamente nenhum ruído enquanto entra na garagem para dois carros da enorme casa de alvenaria de dois andares pintada de verde claro.
 É um bairro bonito, ruas asfaltadas, classe A, um lugar de ricos e para ricos.
 Atrás de mim, em uma pequena pracinha, três menininhas loiras brincam distraídas em um carrossel colorido.  Elas estão a poucos metros de distância de mim.
 Olho para elas e salivo da mesma forma como alguém que está a dias sem comer salivaria ao entrar em uma churrascaria.
 A porta da garagem da casa verde se fecha, eu espero, eu espero alguns minutos e ma dirijo caminhando calmamente até a residência.
 Não escolho minha as minhas vítimas devido a alguma característica própria ou especial.
 Não faço nenhuma distinção quanto a idade, sexo, raça, credo ou situação social/econômica.
 Pouco me importa se são saudáveis, doentes, inteiros ou aleijados, inteligentes ou ignorantes.
 Quando a fome bate para valer eu ataco o primeiro (ou primeiros) que surgem na minha frente.
 A única coisa que eu vejo nessa hora é a carne. Para mim são todos iguais, todos são gado.
 Sou guiado apenas pelos meus instintos. Um predador democrático.
 Como sempre faço nessas ocasiões, eu levo comigo uma enorme mochila militar verde-escura que carrego nas costas.
 A mochila está sempre abarrotada de instrumentos de corte pesados e leves.
 Para os casos em que a vítima (ou vítimas) tentem reagir ou se desesperem em demasia, começando a gritar, etc, eu também sempre levo dentro da mochila uma pistola PT-938 com silenciador.
 Porém eu raramente preciso usá-la, pois na grande maioria das vezes, minhas presas ficam paralisadas de medo, se entregando docemente para as minhas lâminas como se fossem novilhos indefesos.
 Você deve estar se perguntando se eu não tenho medo de ser pego com a mochila por algum desconfiado?
 Não. Não tenho nenhum medo disso.
 Se eu for descoberto, tentarei matar o máximo de indivíduos possível (pois estarei armado até os dentes) que tentem me capturar, antes de ser emboscado.
 E se eu for morto, morrerei fazendo aquilo que mais gosto na vida: matar.
 Porque além da necessidade física, tirar vidas é também para mim uma grande diversão, 100% adrenalina.
 Apesar de agora o meu coração estar batendo um pouco mais rápido devido a excitação da carnificina que se aproxima, eu caminho calmamente em direção a porta da casa.
 Este é o maior segredo da coisa: agir como se você estivesse prestes a fazer algo absolutamente trivial.
 aliás, para mim, assassinato é algo totalmente normal e rotineiro.
 Usei as palavras "agir como se você estivesse prestes a fazer algo absolutamente trivial", apenas para o caso de, se você que estiver lendo isso, não curtir uma boa matança, saber como agir caso um dia seja, por algum motivo, obrigado ou impelido a matar alguém.
 A mochila pesa bastante e o suor gruda a minha camiseta em meu corpo, mas a excitação e a fome fazem com que eu ignore o cansaço em meus músculos e a sudorese que banha o meu tronco.
 Eu toco a campainha da porta branca de madeira toda trabalhada com detalhes em auto-relêvo. Deve ser aporta da sala de estar da residência. Um grande enfeite de natal está pendurado logo acima do olho mágico.
 A provável filha adolescente do casal abre a porta para mim e eu vejo um rosto com traços de beleza clássica: pele lisa e clara, cabelos negros compridos e planos, olhos castanhos, nariz, boca, orelhas, tudo no tamanho exato/padrão, nada exagerado, fosse para mais ou para menos.
 O restante de seu corpo seguia aquela mesma anatomia impecável.
 Ela veste um meigo pijama cor-de-rosa.
 ---Pois não?
 São as últimas palavras que saem de sua boca.
 Eu puxo da bainha enfiada na parte de trás da cintura de minhas calças jeans, escondida por debaixo de minha camiseta, uma enorme faca com uma lâmina de 40 cm de comprimento com gume duplo que eu mandei fabricar exclusivamente para mim.
 O cabo preto de plástico duro da faca se encaixa de forma perfeita e precisa entre os dedos de minha mão direita, que se fecham rápido e automaticamente ao redor deste.
 Eu acabo com a vida da menina ali mesmo, na porta de sua casa, sem que ela consiga emitir um único ruído sequer.
 Enfio a faca o mais fundo possível em seu pescoço, em seguida movimento a lâmina em sentido horizontal para a direita com toda a minha força.
 Os gumes cortam as suas vértebras cervicais e as suas artérias carótidas.
 A sua cabeça é quase decapitada, ficando pendurada por trás de suas costas por apenas alguns fiapos de carne e pele.
 Imagino se sobra oxigênio no cérebro dela por tempo suficiente para que os seus olhos possam enxergar lá atrás por alguns momentos, o mundo de ponta-cabeça.
 O corpo semi-decapitado permanece parado na minha frente, o sangue espirrando e jorrando para cima e para baixo como uma fonte, fazendo um quase inaudível barulho de chafariz.
 Tudo fica lambuzado e empapado de sangue ao redor da adolescente: as paredes, o teto, o chão, o meu rosto, as minhas roupas.
 É assim que eu gosto de matar: da forma mais splatter possível.
 Assassinato é como rock e filme pornô: se não for sujo, não tem graça.
 O corpo dela despenca aos meus pés, eu entro rapidamente na casa fechando e trancando a porta atrás de mim.
 Essa degola foi apenas um aperitivo para mim, só atiçou ainda mais a minha fome.
 Eu passo velozmente pelo cadáver atirado no chão, escuto um "splash" quando os meus pés pisam dentro das poças de sangue que se formam ao redor do corpo degolado.
 Agora vou matar os pais da garota e quem mais aparecer pela minha frente.
 Me movimento de forma rápida e em completo silêncio, um fantasma.
 Lambo algumas gotas do sangue da guria que ainda está fresco em meu queixo e uma injeção de adrenalina pura desce de meu cérebro e atravessa toda a minha coluna vertebral.
 Como matar é fácil. Você não faz idéia de como é fácil.
 É algo tão bom e que está ali, ao alcance de todos.
 Enquanto caminho pela casa vou colocando grossas luvas de couro preto para não deixar impressões digitais espalhadas por aí.
 Saco a PT-938 de um dos vários compartimentos da mochila, verifico novamente se ela está carregada, se o silenciador está bem conectado e começo a subir pé-ante-pé uma robusta escada de madeira escura.
 Na parede ao lado da escada há uma série de fotos da moça que eu acabei de matar mostrando vários momentos importantes de sua vida em ordem cronológica, começando com ela recém-nascida no berçário do hospital, depois no colo da mãe (uma versão mais nova da mulher que estava no carro japonês entrando na garagem), sendo amamentada, dando sues primeiros passos, já bem mais crescida na escola, etc.
 Quando chego no topo da escada, a galeria de fotos termina com a garota atrás de um grande bolo soprando velinhas que formam o número 15, a provável idade que devia ter quando acabei com ela.
 No segundo andar da casa há um corredor com duas portas de madeira marrom, uma na frente da outra em cada extremidade do corredor. Nas paredes mais uma coleção de fotos de família bregas/cafonas.
 Uma das portas está entreaberta, escuto um barulho de chuveiro ligado vindo lá de dentro, misturado com o diálogo entre um homem e uma mulher:
 "Será que a gente faz o aniversário da Carol esse ano nas piscinas do Tênis Clube ou na assossiação do  sindicato patronal? Ah já sei, vamos fazer na casa da praia"?
 Pergunta a voz feminina um pouco abafada pelo barulho do chuveiro (ela deve estar no banho).
 "Na casa da praia nem pensar, é muito pequena". Responde a voz masculina, mais nítida do que a feminina (ele não deve estar tomando banho).
 "Mas ela disse que este ano não vai convidar tanta gente". Insiste a voz feminina sufocada pelo som do chuveiro.
 Papo de burguês. Fodam-sê!
 Entro tranquilamente quarto adentro, apontando a pistola diretamente para o meio dos olhos do homem que dirigia o automóvel importado.
 Ele está parado perto de uma cama de casal vestindo apenas uma cueca samba-canção azul marinho.
 É um quarto enorme, com suíte e um closet que ocupa inteiramente uma das paredes do aposento.
 Existem dois grupos de vítimas:
 Em situações como as de agora, sempre existem  dois grupos de vítimas:
 1)- Os que pensam que eu sou um ladrão e que estou ali apenas para lhes roubar alguma coisa.
 2)- Os que percebem na hora o que eu sou e o que vai acontecer com eles.
 O grupo 2 por sua vez se divide em dois sub-grupos:
 A)- Os ativos: que ficam implorando aos meus pés até o fim para que eu poupe as suas vidas (mesmo tendo a certeza absoluta de que eu não vou fazer isso) e que as vezes podem se tornar um problema devido ao estardalhaço que fazem. Eles são o principal motivo de eu sempre carregar uma arma de fogo junto comigo.
 B)- Os passivos: que aceitam os seus destinos de forma dócil e submissa, desistindo logo de cara em lutar por suas vidas apenas pedindo (as vezes) para que eu seja rápido (algo que eu jamais faço).
 Felizmente os passivos são bem mais fáceis de serem encontrados do que os ativos.
 Se eu sei porque as vítimas do grupo 2 sabem automaticamente que eu sou um assassino?
 Bom, tenho as minhas teorias: talvez elas possuam algum tipo de paranormalidade que conecta os cérebros delas, mesmo que de leve, ao cérebro do matador.
 Ou talvez seja por puro instinto, ou talvez elas consigam perceber as minhas intenções em meus olhos...
 Sei lá.
 Só sei que eu também percebo imediatamente a qual grupo elas pertencem assim que coloco os meus olhos nelas a primeira vez.
 Também não preciso mostrar nenhuma arma ou ter um comportamento agressivo na frente de alguma presa do grupo 2, basta que eu parae na frente deles por alguns segundos para que eles já engulam em seco...para que saibam...
 A menina lá  em baixo por exemplo: era do grupo 2. Eu só não dei tempo para ela demonstrar a qual sub-grupo pertencia.
 O homem de samba-canção na minha frente fica branco como um cadáver, sua saliva engrossa, a pele arrepia, os músculos tremem, seus olhos se enchem de lágrimas. Mas nenhuma palavra sa de sua boca, ele não se movimenta um milímetro sequer.
 Ele é um 2/B.
 O homem aparenta ser de meia-idade, completamente grisalho,  mas com uma aparência sadia. Provavelmente deve ser um profissional liberal, funcionário público ou ter algum alto cargo em uma empresa pesada.
---Chame a mulher que está no chuveiro. Eu ordeno para o homem.
 O vapor denso que sai da água quente do chuveiro se espalha por todo o aposento, dando ao quarto uma atmosfera de filme de mistério, de policial noir.
 A neblina londrina que toma conta do cômodo faz eu me lembrar do velho Jack, o primeiro assassino em série reconhecido e documentado na mídia da história.
 ---Lé-Léia, ve-venha aqui.
 Gagueja o homem.
---O que foi? Responde ela já saindo do banho totalmente nua.
 O grito que estava começando a explodir de sua garganta ao me ver apontando uma arma para o seu amrido ou amante é assassinada pela voz deste:
---Léia fique quieta, senão vai ser pior.
---Ruy, o que está acontecendo aqui? Quem é essa pessoa com essa arma? O que ela quer?
 E aí começa a choradeira.
 Ela é uma 2/A.
 Se eu tenho alguma preferência por algum dos dois sub-grupos?
 Apesar dos problemas que as vezes eles podem causar, eu prefiro os ativos. O desespero e a agonia da caça sempre conferem um sabor especial a caçada.
 A mulher deve ter uns trinta e poucos, quarenta anos. Nem gorda nem magra, altura mediana (é um pouco mais baixa que o seu parceiro), parece ser mais jovem que o homem de cueca, sem um único fio de cabelo branco na cabeça, se bem que pelas rugas que ela possui no rosto (não muitas, mas já bem visíveis), as chance de seus cabelos serem pintados é grande.
 Não tenho uma idéia clara do que ela deve fazer da vida, mas a sua fisionomia fica no meio termo entre uma professora severa e um dona de casa meticulosa.
 Percebo várias semelhanças entre a mulher nua na minha frente e o cadáver degolado láembaixo: a pele alva, os cabelos lisos, os olhos marrons, etc.
 As chances de que a menina fosse sua filha são de 90%.
 Já as analogias entre a garota e o homem de cueca são nulas. Talvez ele fosse apenas o seu padrasto.
 A mulher começa a chorar baixinho e a velha ladainha típica dos 2/A tem início:
---Por favor não machuque a gente (se bem que ela sabe que é exatamente isso mesmo que eu vou fazer), nem a nossa filha (se bem que ela já deve saber que é exatamente isso que eu já devo ter feito. Aonde está a Carolina? O que você fez com ela?
 A sua pergunta é tão ridícula e a resposta para ela tão óbvia, que a própria mulher deixa escapar uma risadinha em meio ao sei desespero enquanto a profere.
 ---Para baixo, os dois!
 O meu tom de voz é gelado, duro, cortante. Uma voz impossível de se desobedecer.
 Os dois começam a caminhar para fora do quarto, um atrás do outro, ele na frente, ela atrás.
 A mulher deixa um trilho de água que vai encharcando o carpete atrás de si.
 Hoje está bem quente, mas o casal treme como se estivesse dentro de um inferno de gelo.
 O meu método de matar é simples (já ouvi chamarem isso de modus operandi): fazer sempre da forma mais sádica, cruel e feroz possível.
 Sou sempre direto e sanguinário ao ponto. Ágil, sem rodeios.
 Nós saímos do quarto, o carpete é substituído por um piso frio de lajota.
 O homem não fala nada, a mulher não para de chorar e soluçar. Mas ambos sabem o seu destino, apenas reagem a ele de  formas diferentes.
 Duas faces de uma mesma moeda.
 A minha mão direita espeta as costas nuas do da mulher na minha frente com o silenciador da PT-938, para ela andar mais rápido.
 Ela emite um grito baixo, porém agudo de dor. O cilindro deixa uma marca redonda-avermelhada em suas costas.
 Logo que começamos a descer as escadas, já nos primeiros degraus, os dois já podem ver o que eu fiz com a menina lá embaixo.
 A mulher desaba, cai de joelhos, chora e vomita simultâneamente.
 Por alguns segundos o homem na frente dela oscila, quase despenca também. O 2/B quase se metamorfoseando em 2/A.
 Dou um chute com todas as minhas forças nas nádegas da mulher, ela cai por cima do homem, os dois se embolam e rolam escada abaixo.
 A mãe cai de cara na poça de sangue formada ao redor da incisão profunda do pescoço de sua filha, há poucos centímetros do rosto desta.
 A mulher solta um gemido baixo gutural ao experimentar o sangue da filha em sua boca e língua, parecendo perder a respiração por alguns segundos ao ver o reflexo de seu rosto nos olhos mortos e escancarados de sua cria degolada.
 O homem está deitado bem perto da mulher, com as suas pernas esticadas por cima desta.
 Ele não consegue se levantar, sua perna esquerda está quebrada quase na altura d e seu joelho. Fratura exposta. Um pedaço branco de fêmur desponta para fora de sua perna, sangue escuro escorre em abundância de sua veia femural rasgada.
 O sangue dele se mistura com o do cadáver da garota. Posso sentir o seu cheiro, é mais adocicado do que o normal, o sangue de todos os passivos sempre exala este mesmo odor quando eles sabem que vão morrer.
 Acredito que seja devido a alguma alteração que ocorra na fisiologia e no metabolismo de seus organismos em momentos de pavor intenso.
 No sangue da vagabundinha que eu decapitei, não senti esse cheiro. Isso não quer dizer que ela não fosse uma passiva é que geralmente após o óbito, este odor característico do sangue dos passivos desaparece rapidamente.
 ---Cale a boca cadela.
 Eu digo para a mulher que está ajoelhada ao lado do corpo da filha ao mesmo tempo em que aponto a pistola diretamente para o centro de seu peito.
 Ela coloca as suas mãos na frente do rosto, em uma tentativa instintiva (e inútil) de auto-proteção. Sangue de sua descendente pinga de seus dedos.
 Mesmo com a sua vida destroçada ela ainda quer viver. Ótimo, quanto mais eles resistem, mais eu gosto.
 Eu não havia percebido antes que há uma gigantesca TV digital LG LCD de 47 polegadas ligada na sala de estar, perto da lareira.
 O aparelho está sintonizado no canal por assinatura Cartoon Network, que exibe um desenho animado dos Looney Toones, uma de minhas animações favoritas.
 Caminho rápido até a cozinha e trago de lá duas cadeiras brancas de metal.
 É agora que eu vou realmente começar a me alimentar e a me divertir.
 Ordeno a mulher que se levante e sente-se na cadeira.
 Ela ergue-se cambaleando, hesitando.
 Esbofeteio sua cara para apressá-la. Minha mão arranca sangue de seus lábios.
 Ela se senta na cadeira. Agarro o braço direito de seu marido e o arrasto até a outra cadeira que está ao lado de sua mulher.
 A sua perna quebrada deve estar doendo pra caralho, pois cada vez que ele se movimenta lágrimas escorrem de seus olhos e ele morde o seu lábio inferior com tanta força para estrangular os seus gritos que
chega a cortá-lo.
 O homem sabe que se gritar eu posso tornar as coisas ainda piores. Não existem limites para o pior.
 tiro quatro algemas de aço da mochila e prendo os braços e as pernas do casal nos espaldares e nas pernas das cadeiras respectivamente.
 Completo com fitas tape cinzas que selam as suas bocas.
 Me dispo completamente (com exceção das luvas) para poder  ter um contato mais íntimo com a carne e o sangue das presas.
 Inicío com tortura pisicológica: aponto a PT-938 para o rosto do homem, fingindo que vou atirar.
 Ele fecha os seus olhos, movimenta a sua cabeça de um lado para o outro com tanta força e velocidade que escuto os ossos de seu pescoço estalarem.
 Espasmos convulsionam o seu corpo, a sua cadeira pula e oscila para os lados. Preciso segurá-la por alguns momentos para que não vire.
 A mulher ao lado dele se movimenta de forma ainda mais frenética.
 O medo que eles estão sentindo é tão grande que se torna quase palpável.
 Eu aproximo os meus dedos de seus corpos e praticamente posso sentir (mesmo com as luvas) a densidade viscosa da aura negra que é o pavor emanando e cercando os dois.
 Esfrego os meus dedos que tocaram nos seus medos em minha língua e sinto um sabor adocicado-cítrico. Uma delícia.
 Observo o corpo da menina que já está bem branco. Agora o sangue do pescoço mutilado já se esvai com bem menos força.
 Retiro duas machadinhas da mochila e começo a trabalhar no cadáver semi-decapitado. Ou você achou que uma simples degola bastaria para aplacar a minha fome?
 Eu nunca paro até  que a minha caça esteja literalmente aos pedaços, mesmo que a vida já tenha sido completamente extinta de sua carcaça.
 Eu parto a menina em mil pedaços: tronco (menos a coluna vertebral), braços, pernas, mãos, dedos. Tudo (com exceção de sua cabeça e espinha) é meticulosamente  cortado e recortado.
 As machadinhas em minhas mãos são como os dentes de uma fera esfomeada que não param de arrancar pedaços de carne fresca de sua presa abatida.
 Golpeio com tanta força, que o cadáver dá pulos para cima como se estivesse vivo de novo.
 Quando estou dilacerando alguém fico possuído, não vejo nem escuto mais nada nem ninguém ao meu redor. Só existe eu e a carne que eu retalho, retalho e retalho...
 Ao contrário do que você e muitos podem pensar, eu não mato porque sofri alguma espécie de trauma na infância, adolescência, ou em qualquer outra época de minha vida.
 Nunca fui estuprado, espancado ou humilhado ou ví minha mãe se prostituir na minha frente.. Jamais me maltrataram, pelo contrário, sempre tive uma vida muito boa, nunca me faltou nada e sempre fui mimado pelos meus pais e respeitado pelos meus amigos.
 Um assassino não precisa de motivos para assassinar. Isso é coisa de filmes e livros.
 Eu mato simplesmente porque gosto.
 E como gosto...sempre gostei.
 Um psicólogo me falou que a provável causa da "doença" dos assassinos seriais seja a falta de um pedaço do cérebro humano responsável por sentimentos como, por exemplo, o remorso. Isso faria com que a moléstia dos sádicos não seja de origem  psicológica, nem mesmo psiquiátrica, mas sim uma patologia neurológica.
 Porém isso tudo não me é de grande interesse. Pois se eu tenho mesmo  uma doença (seja lá de que tipo for) eu nunca quero me curar dela.
 Rios de sangue jorram para fora do corpo da menina misturados com pedaços de suas vísceras e órgãos internos, lavando o chão, as paredes, o meu corpo e os do casal que está sentado atrás de mim.
 MATAR É BOM!
 MATAR É A MELHOR COISA DO MUNDO!
 Abro a barriga dela e puxo lá de dentro com as minhas mãos todo o seu sistema digestório (doze metros de tripas enroladas sobre si mesmas).
 Um pedaço de intestino delgado untado com um sangue quase preto voa pelo ar e se gruda na tela da LG, bem no instante em que o Willie Coiote é arrastado por um míssil no qual está pendurado e explode contra uma rocha gigante em sua milésima tentativa frustrada de almoçar o Papa-Léguas.
 O homem e a mulher  tentam gritar, mas suas bocas lacradas transformam os seus gritos em gemidos abafados que parecem ruídos baixos de um orgasmo.
 Orgasmo de desespero.
 Orgasmo de repugnância.
 Gozo de agonia.
 No meio da enorme bola que forma a buchada da garota, eu procuro pelo seu fígado. Adoro o sabor do fígado humano.
 Abro caminho a dentadas, minhas mordidas arrancam nacos de intestino grosso, delgado, do pâncreas e do piloro.
 Quando os meus dentes cortam o estômago, quase queimo a minha boca com suco gástrico que pinga no chão e corrói o carpete.
 Estou tão acostumado a dilacerar carne humana crua com os dentes que os meus caninos superiores e inferiores se tornaram ligeiramente mais pontiagudos do que o normal. Devido a isso os meus colegas de trabalho me apelidaram de vampiro (embora nem de longe eles desconfiem do que eu faço), o que possui um certo sentido, pois o canibalismo é a raíz do vampirismo.
 Finalmente os meus dentes encontram o fígado, minha língua reconhece a sua textura macia antes mesmo de os meus olhos vê-lo.
 Eu jogo longe a vesícula biliar que está grudada no fígado e o arranco do resto do sistema digestório.
 Ele é grande, gotejante, eu salivo quando olho para ele.
 Mordo um pedaço.
 Humm, é uma delícia, amo o tecido de placenta que o fígado possui.
 Além disso ele é rico em proteínas.
 Não sou viciado em carne humana, nem antropófago por natureza, a própria morte e o sofrimento de minhas vítimas já me deixam satisfeito, são o prato principal, o que realmente mata a minha fome. O canibalismo é para mim apenas uma sobremesa.
 Caminho com o fígado comido pela metade em direção ao homem algemado na cadeira.
 Ao ver eu me aproximar com a víscera rodeada de moscas da garota em minhas mãos, ele começa a pular freneticamente na cadeira, que por pouco não cai para trás.
 O cara já sacou o que eu pretendo fazer.
 Tiro a pistola da mochila e enfio o silenciador dentro do ouvido esquerdo da mulher. Ela treme tanto que eu sinto as suas vibrações no cabo da arma.
 Com um puxão arranco a fita da boca do homem. Ele asfixia um grito de dor.
 Empurro o fígado fresco contra a sua boca  que fica pintada de vermelho, parecendo lábios borrados de batom de uma prostituta de quinta.
 Ele sabe: ou come o fígado da menina que eu seguro com a mão direita, ou explodo os miolos de sua mulher com a pistola semi-automática que eu seguro com a mão esquerda.
 Ele hesita, seu peito nú sobe e desce em ritmo alucinado, descontrolado. Joga a sua cabeça para trás, para os lados, para o mais longe possível  daquilo que eu seguro em minha mão direita.
 Olha para a arma com o cano enfiado dentro do ouvido da mulher, ele sabe que eu vou detonar a cabeça dela se ele não fizer o que eu quero.
 O cara já sacou há um bom tempo, que para mim não existe diferença nenhuma entre a vida de um ser humano e a vida de uma formiga que eu esmago com os pés na rua sem nem mesmo vê-la.
 O homem fecha os olhos, respira fundo e tasca uma mordida enorme  no fígado.
 A cara de nojo patológico que ele faz é muito engraçada.
 MATAR É BOM!
 MATAR É A MELHOR COISA DO MUNDO!
 Fios de sangue coagulado escorrem de sua boca cheia de fígado humano.
 A sensação de horror extremo que o homem está sentindo é tão forte que chega a transformar a fisionomia  de seu rosto. Por alguns instantes parece até que eu estou olhando para outra pessoa.
 Minha língua encontra alguns resquícios de salada de alface misturados com partículas de fígado que ficaram entre meus dentes.
 A menina deve ter comido salada de alface algumas horas antes de eu eu matá-la.
 Imediatamente eu cuspo fora os restos de alface. Quando se trata de antropofagia sou tão purista quanto um dragão de komodo, desprezo qualquer coisa que não seja puramente carne.
 E nada de ficar cozinhando a carne humana em molhos finos ou flambá-la com técnicas culinárias sofisticadas a la Hannibal Lecter, que isso é coisa de babacas e de produções hollywdianas erroneamente classificadas de  horror.
 A antropofagia deve ser sempre degustada da mesma forma como era pelos nossos antepassados pré-históricos e por tribos selvagens de índios canibais: 100% crua e sangrenta.
 O cara finalmente engole o pedaço de fígado que tinha na boca. Lacro novamente os seus lábios com um novo pedaço de fita tape.
 Volto para o meio dos destroços picotados do cadáver e começo a procurar pelos pedaços do coração.
 Achei!
 O músculo cardíaco está dividido em várias partes que estão espalhadas entre os dois pulmões que eu cortei verticalmente ao meio.
 Junto as partes do coração como quem monta um quebra-cabeças. Em seguida apanho o átrio direito e o engulo sem mastigar.
 Gosto do átrio direito, porque a veia cava superior e a aorta que vem junto com ele lhe conferem um sabor peculiar.
 Agora é a hora da mamãe ser alimentada: escolho para ela não apenas uma, mas duas partes do coração de sua filha: o átrio e o ventrículo esquerdos. Afinal, mãe é mãe e elas sempre devem receber um tratamento diferenciado da parte dos filhos.
 Repito a mesma operação que fiz com o homem, apenas inverto os papéis: agora é ele quem vai receber um tiro na cabeça, caso sua amante não engula os pedaços da menina morta.
 Ela hesita como ele (rotina), mas acaba engolindo. Opa, agora ela acabou de vomitar tudo o que engoliu em uma única golfada.
 Junto os pedaços do coração regurgitado espalhados pelo carpete da sala e os ofereço de novo para ela. A mulher serra os lábios, chora, implora para que eu a mate de uma vez.
 Perfuro o olho esquerdo do homem com o cano do silenciador. O globo ocular fica grudado ao redor do cilindro.
 Agora ela engole o átrio e o ventrículo sem reclamar...e sem vomitar.
 Ser mãe é mesmo padecer no paraíso...
 Caminho até a mochila que está em cima de uma grande mesa de jantar localizada no meio da sala.
 Já estou coberto de sangue dos pés a cabeça: meus cabelos estão emplastados, gotas vermelhas correm velozes pelo meu peito, braços e pernas abaixo, pingam das pontas dos dedos de minha mãos...
 Sinto um filete de sangue escorrer exatamente pelo meio de minha coluna vertebral provocando cócegas em minha espinha.
 Eu cheiro a sangue...eu aspiro sangue...eu sou sangue.
 Abro a mochila e tiro de lá uma pequena motoserra de marca chinesa com uma lâmina de trinta centímetros de cumprimento, um bisturi e um grampeador grande.
 Largo o meu material aos pés do casal.
 Vou cortar fora toda a pele do rosto do homem.
 Inicío a cirurgia com uma pequena incisão com o bisturi na fonte, logo acima de sua sobrancelha direita, profunda o bastante para cortar apenas a derme, a segunda camada da pele.
 É apenas um pouco complicado acertar a profundidade exata em que eu devo cortar...pronto, acertei. Agora está uma maravilha, a lâmina do bisturi vai separando rapidamente a derme do resto do rosto como se estivesse cortando manteiga.
 Como isso é bom...eu suo e tremo de tanta excitação. Tenho até que cuidar para não cortar errado.
 Puxo a cabeça do homem para trás pelos seus cabelos grisalhos. Preciso segurar com força para poder continuar removendo a derme de seu rosto.
 O homem se movimenta de forma insana, a sua cadeira treme. Parece um porco sendo carneado.
 Você pode não acreditar, mas sempre que eu estou matando ou ferindo alguém como agora, por alguns segundos tudo ao meu redor fica no mais completo silêncio.
 Parece que não existem mais seres vivos por perto em um raio de vários quilômetros.
 Já comentei sobre isso com outras pessoas que são como eu e elas me relataram que ocorre exatamente a mesma coisa com elas quando atacam uma presa.
 Eu desconfio que de alguma forma inconsciente, as pessoas e animais que estão por perto sentem, não entendem, apenas sentem, que naquele momento existe uma predador letal entre eles.
 A resposta mais coerente que eu encontrei para esta questão está em um ditado (indiano eu acho), que lí em um livro certa vez: "quando o tigre se alimenta, a selva prende a respiração".
 Terminei: o rosto-derme despenca ficando pendurado a sua cabeça apenas por um fiapo de pele presa ao queixo.
 A cirurgia foi um sucesso, perfeito.
 O novo rosto que surge por baixo da derme parece um bife crú.
 Agora posso ver todo o sistema circulatório e os músculos da face do homem.
 Com um leve puxão eu separo completamente o velho rosto do novo: o rosto-bife.
 Encaixo a máscara de pele morta do marido exatamente sobre o rosto de sua esposa e começo a grampear um sobre o outro.
 Ela chora e emite ruídos abafados: os velhos sinais de medo, dor e repulsa. O de praxe.
 Só mais um pouco...mais dois grampos para fixar bem aqui no queixo dela...feito.
 Agora os olhos da mulher enxergam pelos mesmos orifícios aonde a pouco os olhos de seu marido enxergavam.
 Seus nariz aspira gases pelos mesmo buraco aonde entrava o oxigênio que sustenta  os pulmões de seu cônjuge.
 Ficou uma maravilha, a máscara de pele presa a sua cabeça por vários grampos que formam um círculo ao redor de seu novo rosto, a deixaram parecida como o  Face, um cenobita do universo expandido de Hellraiser.
 Me abaixo sobre os pedaços do corpo de minha primeira presa naquela casa e arranco com as mãos, do meio de seus restos, uma das duas únicas partes de seu corpo que eu deixei intacta: a coluna vertebral.
 Solto as algemas que mantém a mulher presa na cadeira e ordeno para que ela fique de quatro no chão.
 A mulher não tenta mais resistir, como um bom cordeiro que aceita o seu holocausto ela sabe que isso é inútil.
 Porém ela ainda chora e emite gemidos desconexos que eu traduzo como sendo gemidos de clemência. Afinal ela é uma 2/A e continuará sendo até o final...
 Inicío o empalamento com a coluna vertebral da menina.
 As vértebras cervicais da filha vão perfurando o reto da mãe de ponta a ponta.
 Vou penetrando o ânus com a coluna vertebral de forma lenta...para poder ir saboreando cada segundo do sofrimento, da dor e da agonia finais da mulher.
 MATAR É BOM!
 MATAR É A MELHOR COISA DO MUNDO!
 Matar é a liberação suprema do corpo, da mente e da alma.
 O homem algemado na cadeira assiste a tudo impassível, um fio de baba sangrenta escorre por um dos cantos de sua boca aonde a fita tape não está bem fixada, moscas depositam ovos em seu rosto crú.
 Ele ficou louco.
 Quando a coluna vertebral de sua filha trespassa o seu intestino delgado, a mulher perde os sentidos.
 Quando atinge o intestino grosso, fiozinhos de sangue, urina e diarréia escapam por baixo da fita tape que sela a sua boca.
 Agora as vértebras cervicais estão furando o duodeno (suco duodenal é expelido pelos cantos da fita) e seguem perfurando e cortando tudo o que vem pela sua frente: colédoco (a bile escapa pela boca), pâncreas (suco pancreático jorra pelo nariz). Quando eu atinjo o estômago (posso sentir a textura lisa e viscosa dele com a ponta da coluna vertebral) a mulher já está morta a uns quarenta segundos.
 Morreu de dor.
 Foi muito bom, me sinto forte, cheio de energia.
 Sigo com o empalamento girando a espinha com as minhas duas mão...opa, a coluna vertebral trancou em alguma coisa no interior das entranhas da mulher.
 Faço...um pouco...de força...pronto, a espinha já voltou a seguir em frente.
 Finalmente as vértebras cervicais se projetam para fora da boca, jogando a cabeça da mulher um pouco para trás.
 Posiciono o cadáver sentado na cadeira aonde estava antes. Algemo os membros superiores e inferiores de novo nas pernas e no espaldar.
 Apanho a cabeça decepada da garota pelos seus longos cabelos negros e começo a descarná-la com a motoserra chinesa.
 Ela produz menos que a metade do barulho de uma motoserra grande mas é extremamente potente.
 Os tecidos que estão nas reentrâncias muito profundas do crânio aonde a serra não alcança eu retiro com a lâmina do bisturi.
 Encaixo o orifício que fica embaixo do crânio descarnado da menina nas vértebras (de aonde ele foi separado) cervicais da coluna vertebral que se projeta para fora da boca da mulher.
 O perfeito grand-finale: a mãe usando uma máscara feita com o rosto de seu amante e empalada pela coluna vertebral da filha adornada em uma de suas extremidades pelo próprio crânio desta.
 Nem Salvador Dali, Hieronymus Bosch, Geoff Darrow ou Bill Sienkiewicz seriam capazes de conceber uma imagem mais dantesca, intrincada e cheia de detalhes do que esta.
 Vou até a mochila, retiro de lá um maçarico elétrico e um par de óculos de solda. Conecto o fio do maçarico em uma das várias tomadas que estão espalhadas pela sala e deposito o aparelho de solda na frente do homem.
 Seguro com força a canela direita dele com a minha mão esquerda e com a mão direita separo a parte anterior de sua perna de sua coxa com a pequena motossera.
 Profundos gemidos de dor e agonia se misturam com o barulho do motor da serra, jatos de sangue pintam as paredes, cheiros de carne crua fresca e osso queimado temperam o ambiente.
 Terminei de cortar a canela direita.
 Foi bem rápido, a lâmina da motossera chinesa não brinca em serviço.
 Imediatamente recoloco os óculos de solda e cauterizo o coto da coxa direita com o maçarico. Um delicioso odor de carne assada toma conta do ambiente.
 A altíssima temperatura do arco elétrico que emana do bico de soldagem estanca por completo o sangramento, exterminando qualquer possibilidade de infecção.
 Eu quero ele vivo.
 Repito o mesmo procedimento com a canela restante e os braços ( que eu corto na altura da junção que liga o cúbito e o rádio ao úmero).
 Seus membros decepados ficam pendurados pelas algemas a cadeira e espalhados pelo chão.
 Retiro a fita teipe com um puxão e puxo a sua língua quase que inteiramente para fora de sua boca.
 Com a motossera atoro a metade da língua que cai no chão aos pés de seu dono, em seguida cauterizo a incisão com o maçarico.
 Um movimento rápido do polegar de minha mão direita vaza o olho bom que restava no homem.
 Uma comprida agulha de crochê vermelha me possibilita perfurar os seus dois tímpanos.
 Terminei. Agora ele nunca poderá me reconhecer: está cego, surdo e louco.
 Muito provavelmente nunca mais poderá se movimentar, pois eu mutilei completamente os seus membros.
 Lhe tirei tudo: a sanidade, família, a faculdade de se locomover, a visão e a fala. Tudo.
 A única coisa que ele desejava que eu lhe tirasse foi justamente a que deixei com ele: a sua vida, a sua memória, a lembrança eterna do que eu fiz para ele e para a sua família.
 Porque mesmo estando insano, as imagens do que eu lhe inflingi hoje estarão para sempre marcadas a ferro e a fogo em alguma parte recôndita de sua mente.
 Imagens que vão fazer com que ele se acorde suando todas as manhãs, mesmo que poucos minutos depois de desperto, ele já tenha se esquecido de seus sonhos negros.
 Porém, na intimidade de seus pesadelos eu sempre estarei lá de novo com ele.
 A carne e os sangue dele e de seus entes queridos serão meus novamente todas as vezes que ele adormecer todas as noites.
 Foi por isso que eu o deixei vivo, para que ele possa sempre se lembrar para o resto de sua vida...
 O homem está sentado na cadeira com a cabeça baixa e a boca entreaberta como se fosse um boneco velho e quebrado. Perdido em suas agonias físicas e pensamentos terríveis. Engolfado pelas sofrimentos da carne e da mente.
 Fumaça sobe de seus membros amputados e cauterizados e de sua língua cortada e queimada através de sua boca aberta.
 Eu vou para o banheiro me lavar...nossa, o que é isso? Um cão, um rot-vailler tão grande, grotesco e mal-encarado que mais parece um lobisomem.
 O animal entra na sala pela porta da cozinha que certamente dá no quintal da casa.
 O cachorro estava lá fora, solto o tempo inteiro, seus sentidos aguçados ouviram e cheiraram tudo o que havia acontecido na residência. Porém, seu instinto de sobrevivência o alertou para que não se intrometesse.
 Eu e o cão nos encaramos por alguns segundos...ele passa por mim de cabeça baixa. Como toda boa fera assassina  ele reconhece e respeita um semelhante.
 O cão monstruoso sabe que não teria a menor chance contra mim, entende que o maior sempre acaba comendo o menor. É a lei da selva e não adianta se querer escapar dela.
 E eu nunca conheci em minha vida um monstro que fosse pior ou mais letal do que eu.
 Dou as costas para o animal e vou me lavar no chuveiro.
 No guarda-roupas da suíte do casal encontro roupas de meu número, vou até a lareira da sala de estar e queimo as minhas roupas ensanguentadas.
 Recolho todo o meu material de volta na mochila e vou embora.
 quando passo pelo rot-vailler, ele está se banqueteando com os restos da menina.
 Provavelmente o animal era maltratado pelos donos. Só espero que ele também não devore o homem que eu deixei vivo.
 Em outras ocasiões eu teria dado cabo do cachorro sem hesitar, mas permito que ele prossiga com a sua vingança pessoal pois aquilo e diverte.
 Antes de sair para a rua eu olho pela última vez para aquela família que eu deixei literalmente destroçada.
 Quantos como esses aí eu já matei?
 Não sei mais, já perdi a conta faz tempo.
 Saio para a rua fechando a porta atrás de mim.
 Aqui fora o dia está lindo, o pôr-do-sol é maravilhoso, crianças brincam na rua e casais de namorados caminham abraçados nas calçadas...bando de pobres-coitados idiotas, eles nem sequer imaginam o que se passou no interior da casa pela qual eles passam tranquilamente em frente.
 MATAR É BOM!
 MATAR É A MELHOR COISA DO MUNDO!
 O dia já está quase se extinguindo quando entro no pequeno quarto alugado que me serve de lar.
 Os últimos resquícios de raios solares que penetram pelas pequenas aberturas das venezianas rasgando a escuridão do aposento, transformam este em um típico cenário de um filme de Ridley Scott com a sua fotografia elaboradíssima.
 Tiro os calçados e me atiro na minha cama de solteiro sem nem mesmo me dar ao trabalho de me despir ou acender a luz.
 Estou satisfeito. Estou esgotado.
 Mal me deito e o cansaço já começa a me arrastar para um sono pesado.
 A última coisa em que eu penso antes de minhas pálpebras se fecharem por completo é no fígado da garota e no sabor delicioso que ele deixou em minha boca...
 Me acordo já noite fechada e antes mesmo de eu abrir os olhos, uma palavra e uma vontade explodem dentro de meu cérebro: MATAR!
 Me levanto da cama com um pulo, acendo a luz, troco de roupa e abro as venezianas da janela de meu quarto.
 A luz de uma gigantesca lua cheia banha todo o meu corpo.
 Apago a lâmpada do quarto para poder vislumbrar melhor o brilho do satélite natural.
 Os raios lunares inundam o cômodo e cintilam em meus braços nus.
 Eu fico 100% imóvel, não produzo nem o mais mínimo dos ruídos, praticamente nem respiro para que os meus olhos e ouvidos de caçador possam captar a presença de uma possível caça vagando pela região.
 A noite é a hora favorita da maioria dos predadores: no beco atrás do prédio aonde moro, os dentes e garras de um grande gato preto cortam  nacos da carne de um rato incauto encurralado contra um muro.
 Um morcego insetívoro rasga a noite e devora um vaga-lume a poucos centímetros de meu rosto.
 Um homem jovem armado com uma pistola desert eagle ( a arma de mão mais poderosa do mundo), rouba a bicicleta de um velho na rua deserta lá embaixo e desaparece na escuridão.
 A 100 metros do local aonde o velho foi assaltado, no exato momento em que está colocando uma chave na fechadura da porta do saguão de um prédio, uma mulher alta, loura e elegante é empurrada com força para dentro do átrio do edifício por um homem de meia-idade igualmente alto, louro e elegante que a estava observando do outro lado da rua.
 Ele pressiona um instrumento metálico, brilhante e provavelmente muito afiado com uma das mãos contra as costas da mulher, enquanto movimenta a cabeça rapidamente para todos os lados para verificar se não está sendo visto.
 Ele é um maníaco sexual.
 Meu olfato reconhece o cheiro de um parente a vários metros de distância deste.
 Agora ele vai arrastá-la até o apartamento desta, matar qualquer um que por ventura estiver lá e em seguida vai estuprar a mulher e trinchá-la como um porco.
 Eu suo, tremo da cabeça aos pés e a minha pele fica completamente arrepiada. Aquele clima de violência nas ruas + o calor que envolve a noite, atiçam ainda mais o meu instinto de caçador e a minha fome.
 Meus ouvidos captam passos distantes oriundos de uma calçada muitos metros a frente de meu apartamento.
 Minha visão triangula a silhueta de uma mulher lá, ela está quase dobrando a esquina. Aparenta ser bem jovem, quase uma menina. Veste um par de tênis, calças jeans pretas bem justas e um mini-blusa rosa.
 Ela é um verdadeiro imã ambulante para tarados e pervertidos de todos os tipos.
 Eu mordo o meu lábio inferior com tanta força enquanto a observo que chega a sangrar.
 Rapidamente coloco os meus calçados, apanho minha mochila e saio para a caça.
 Dessa vez preciso ser rápido, a noite a concorrência entre os predadores é grande e as presas disputadíssimas.
 Tranco a porta de meu quarto e atravesso voando o corredor de pequenos apartamentos de meu andar.
 Ao passar pela frente de uma porta, escuto vinda lá de dentro, a voz longínqua de uma mãe narrando para a sua cria a história de um menino que vivia em uma cidade chamada São Leopoldo e que um dia descobriu que a sua bela vizinha era na realidade, uma bruxa horripilante que devorava crianças.
 A mãe também alertava o filho de que se ele não se comportasse, ele iria para o estômago da bruxa que viria buscá-lo.
 Quando saio para a rua, ela já dobrou a esquina e desapareceu. Acelero os meus passos e logo a visualizo de novo.
 Continuo caminhando rápido, mas sempre cuidando para não me aproximar demais dela e despertar-lhe desconfiança.
 Agora já estou bem mais próximo, ela é realmente uma garota, ainda não a vi de frente, mas não deve ter mais do que 13, 15 anos de idade.
 O que uma menina daquela idade está fazendo sozinha na rua aquela hora da noite? E ainda mais na zona mais hard-boiled da cidade?
 É como se um filhote de foca resolvesse nadar em uma região do oceano infestada de tubarões.
 Bom, eu é que não vou ficar reclamando disso. Sorte minha e azar dela.
 Pessoalmente eu prefiro mesmo é caçar a noite, mas o meu horário de trabalho ( tenho que acordar muito cedo), não permite. Porém, essa noite estou tão faminto que resolvi extrapolar um pouco.
 Ela segue caminhando na minha frente, a uma distância razoável, nem muito perto, nem muito longe.
 Me aproximo mais um pouco, o bastante para poder perscrutá-la nos mínimos detalhes.
 A menina possui um visual moderno: cabelos arrepiados cortados curtos e pintados de vermelho, os seus brincos tem a forma de instrumentos musicais: o da orelha direita é uma pequena guitarra, o da esquerda um diminuto pedal de efeitos.
 O perfume que exala de seu corpo é sedutor, doce e parece chegar até mim envolvido  por um ar morno agradável.
 Nunca em toda a minha vida senti uma fragrância igual.
 Sua cintura e metade das costas nuas é bronzeada e perfeitamente delineada com  carnes fortes, porém femininas.
 Essa garota é uma verdadeira máquina de sedução, meticulosamente construída com o único propósito de enlouquecer homens e lésbicas.
 A lolita definitiva.
 Ninfeta total.
 Ela me "arrasta" para a parte mais sombria e deserta do bairro. Nossa, assim não vai ter nem graça.
 A menina para na frente  de um ferro-velho abandonado.
 Me aproximo ainda mais, ela já deve até estar podendo sentir o meu bafo quente em sua nuca.
 Agora eu percebo que ela já sabia desde o início, que eu a estava perseguindo.
 A garota me atraiu de propósito até este lugar desolado.
 Ela me quer.
 É uma ninfomaníaca adolescente. Espero que ela seja também uma ninfomaníaca que goste de sofrer, que sinta tanto tesão em ser chacinada, mutilada e massacrada, quanto eu sinto tanto tesão em chacinar, mutilar e massacrar.
 Que a sua parafilia a faça implorar por mais e mais e que ela resista ao máximo.
 Estou estaqueado a uns três metros dela, se esticar um de meus braços e me inclinar um pouco para a frente, acho que posso quase tocá-la.
 A lolita vira o seu pescoço lentamente para trás: é linda, exótica. Lábios grossos, ollhos castanho esverdeados meio puxados...orientalizados.
 Um pequeno piercing de brilhante cintila cravado em sua narina esquerda.
 Posso ler  em seus olhos que ela sabe exatamente o que eu sou e o que faço. E que deseja profundamente que eu a faça em pedaços com toda  a minha fúria e com todas as minhas armas.
 Ela sou eu em versão masoquista: alguém que ama sofrer até as raias do paroxismo.
 Nós combinamos e nos completamos totalmente. O par perfeito.
 Seus lábios esboçam um sorrisinho de puta e as suas pernas a levam para as entranhas do ferro-velho, me arrastando com ela.
 Jamais me senti tão excitado e esfomeado em todo a minha vida.
 Não sinto mias o meu corpo, parece que eu estou flutuando. Não sou mais ossos, carne e sangue. Sou puro instinto e vontade de matar.
 Chegamos na parte mais profunda do cemitério de carros. Ali não há apenas restos destroçados de automóveis sendo devorados pela corrosão e pelo tempo, mas também cadáveres apodrecidos de todos os tipos de veículos e utensílios domésticos: motos, bicicletas, refrigeradores, fogões, fornos elétricos e de microondas de todas as marcas e modelos, computadores e impressoras desventrados e sofás estripados, exibindo as suas entranhas de transístores, maquinário inútil, motores quebrados, chips, silício, molas e espuma.
 O lugar fede a desolação e ferrugem. Ali estamos completamente isolados, não consigo ouvir nada, há não ser um outro latido e uivos de cães distantes.
 Ela se vira completamente para mim. Agora percebo outro detalhe que me deixa surpreendido: pela primeira vez, eu não consigo decifrar em uma de minhas vítimas nenhum traço que a identifique como sendo uma ativa ou passiva.
 Ela não é normal, não é um ser humano.
 Eu devia ter percebido logo, a esmola quando é demais o santo sempre deve desconfiar.
 A forma como ela se ofereceu para mim, a sensação que ela me passou de que era a minha vítima perfeita.
 Tudo um embuste, uma camuflagem, uma teia jogada para me capturar...um anzol.
 Não era eu que a estava caçando, era exatamente o contrário, desde o começo.
 Pela primeira vez em minha vida eu sinto um medo tão grande quanto a minha fome por morte.
 Um pavor que provoca paralisia em todos os meus músculos e ossos.
 Com esforço consigo movimentar o meu braço direito em direção da mochila, vou pegar a primeira merda que eu achar aí dentro e partir com tudo para cima dessa filha da puta!
 Minha única chance é ser mais rápido do que el...
 Alguma coisa saltou de dentro de sua boca e voou em minha direção...
 É algo cilíndrico e viscoso...o que é?
 Um jato de vômito?
 Uma cobra?
 Aconteceu tudo muito rápido, não consegui ver...
 O troço que saiu de sua boca já voltou lá para dentro...e parou...parou perto de seus lábios.
 Meu Deus!
 Puta que o pariu, mas o que é...
 O troço é um tentáculo grosso, com uma textura que lembra carne crua esverdeada.
 Algum tipo de líquido cor de bílis goteja do tentáculo.
 A boca dela está tão aberta para trás, para poder projetar aquilo para fora que fica parecendo a boca de uma serpente engolindo uma presa, escancarada em uma ângulo de 90 graus.
 O tentáculo que sai da boca da menina possui olhos em sua ponta. Uma ponta que se abre como uma boca, uma boca repleta de dentes também esverdeados e pontiagudos como as presas de uma fera.
 Os dentes da boca do tentáculo seguram algo preso entre eles...um braço, um braço humano.
 Me sinto fraco, as pernas bambas.
 Minha sensação de fraqueza vem acompanhada por um barulho de fonte, de líquido sendo expelido.
 Fraco...cada vez mais fraco.
 Olho para o meu lado direito, para baixo: a minha espinha congela.
 No lugar aonde estava o meu braço, agora não existe mais nada. Há não ser uma pequena cachoeira de sangue que se derrama do local da amputação.
 Olho para a menina: o braço cravado entre as presas de sua sub-boca: neurônios realizando sinapses a velocidade da luz no meu cérebro, construíndo um raciocínio: aquele braço é meu! Reconheço a manga curta da camiseta que eu estava usando nele!
 Um pedaço da manga foi furado pelas presas...
 A boca-tentáculo se ejetou do interior da garganta da garota, arrancou o meu braço direito e se retraiu novamente!
 Tudo tão rápido que eu não vi, nem senti nada.
 As presas começam a mastigar o meu braço, fazendo-o em pedaços em poucos segundos como se ele fosse uma barra de chocolate derretida!
 Enquanto mastiga, os olhos pretos sem íris e pupilas do tentáculo ficam olhando para mim, acompanhados pelos olhos da menina, cuja coloração castanho-esverdeado se diluiu dentro do mesmo preto dos olhos do apêndice.
 Rapidamente o meu braço é feito em mil partes pelos dentes. Partes que são completamente dissolvidas por um líquido denso e transparente que lubrifica o interior da boca do tentáculo.
 Algumas gotas deste líquido pingam para fora do apêndice, corroendo instantâneamente restos de veículos e eletrodomésticos que estão espalhados pelo chão.
 O líquido é alguma espécie de suco gástrico...
 Eu vou...desmaiar...visão turva...perdi muito...sangue.
 A mutilação de meu braço direito foi tão rápida e fulminante, que os músculos, tecidos e ossos decepados só agora enviam os sinais de suas perdas para o meu cérebro, que em reposta manda...de...volta, on-das de...de dor.
 As ondas de sofrimento...físico são tão fortes, que impedem...que eu...de-desmaie pela perda de sangue, mas...aos poucos...a lucidez vai se desvanecendo, tudo...ficando...turvo, negro...
 Eu vou morrer...minha pele empalidece mais...e mais...a cada min...
 Espere, agora em me sinto mais vivo do que nunca, como se de repente tivessem me puxado do interior de águas profundas, desanuviando de súbito a minha mente e clareando a minha visão.
 Só uma coisa continua igual: A DOR! Uma dor excruciante de meu braço amputado que faz todo o meu corpo tremer!
 Sinto alguma coisa espetada no meio de minha testa, algo indolor, porém incômodo.
 Olho para cima e vejo uma espécie de mangueira...tubo comprido, saindo de minha testa, acima de meu nariz!
 Acompanho toda a extensão do tubo com a minha visão: ele é fino, esverdeado, tem cerca de dois metros de comprimento, começa na minha cabeça e vai até...a mão esquerda da garota... da coisa que está na minha frente!
 Não, ele não vai até a mão dela...ele veio de lá! Porque o "tubo" é o dedo indicador da mão esquerda dela...um dedo anormalmente crescido que está apontado para mim!
 Entendi: o monstro ainda me quer vivo para que eu sinta cada segundo da tortura que ele vai me aplicar!
 Sei disso, porque é assim que caçadores como eu agem. Não que os nosso métodos sejam exatamente iguais, porém o princípio é o mesmo.
 E esse monstro é como eu, um semelhante, só que em um volume mais alto!
 Não sei como, mas o dedo da coisa cravado na minha cabeça não me deixa morrer!
 Sei exatamente quanto tempo demora para alguém sem um braço se esvair em sangue. E o meu tempo já deveria ter se esgotado há muito...
 O monstro está bombeando sangue para dentro de meu organismo, através daquele tubo longo que perfura o meu crânio.
 Sangue que vem do corpo da própria coisa, pois a minha pela está ficando completamente esverdeada!
 Percebo que, a exemplo do ser a minha frente, eu não mais respiro, nem sinto mais o meu coração bater. Ele deve ser algum tipo de forma de vida anaeróbica.
 Meu novo sangue se espalha se espalha por todo o meu corpo a partir de meu cérebro.
 Já estou absolutamente revigorado de novo, todos os meus sentidos completamente restabelecidos, em pleno funcionamento...e mais sensíveis do que nunca!
 Mas a dor continua..., não uma dor comum, por mais virulenta que esta possa ser. Não é um sofrimento natural...
 É uma dor que nem a mais cruel e perigosa criatura deste mundo seria capaz de provocar!
 Todo o corpo a menina começa a inchar como um balão: cabeça, pescoço, braços, bunda...absolutamente tudo nela intumesce ao mesmo tempo!
 Incha até o limite máximo que a matéria de seu corpo permite...e além.
 Rachaduras começam a rasgar e dividir a sua carne inflamada. Sangue vermelho e verde vertem em abundância das fendas.
 O perfume adocicado, sedutor e morno que emanava até a pouco de seu corpo é substituído por um bafo poder, repelente e gelado!
 É um fedor horrível, desconhecido, anti-natural, anti-tudo!
 Nacos de sua carne e pele ficam pendurados iguais a casca de uma fruta que está sendo descascada. Por baixo da "casca" se projetam e crescem novos tentáculos-boca, iguais aquele que saiu por entre os seus lábios.
 Dez, vinte, trinta apêndices crescem das fendas, que vão surgindo em um número cada vez maior por todo o seu  corpo.
 Eles possuem de 2 a 4 metros de comprimento, todos igualamente esverdeados, gotejantes e viscosos. Com enormes bocarras atulhadas de dentes de animal carnívoro e olhos negros de zumbi!
 Em um segundo estou cercado por todos os lados por 40 tentáculos tão grossos quanto os braços de um halterofilista!
Suas dezenas de olhos mortos me espionam, suas línguas grossas, vermelhas e ásperas com 30 cm de comprimento que saem de suas bocas me lambem com avidez, suas salivas ácidas queimam meu rosto e corpo...
 Os tentáculos se esfregam libidinosamente em mim me lambuzando com suas secreções cor de bílis.
 Grito de dor até meus pulmões arderem, mas sei que ninguém vai vir me salvar...
 O rosto da garota começa a se abrir a partir do topo de sua testa, a rachadura vai cortando a sua face humana ao meio de cima para baixo...até rasgar todo o pescoço.
 O seu vulto se divide em dois, cada parte caindo para um lado oposto acompanhados por um som de "bolha cheia de líquido estourando"!
 Sangue humano e inumano respinga na minha cara!
 Os pedaços do rosto despencam no chão, revelando por trás deles mais três daqueles tentáculos: o primeiro que foi vomitado de sua boca e mais dois dos quais faziam parte os olhos "humanos" de seu disfarce.
 Olho os pedaços da carne dela no chão e percebo que aquilo não era uma menina que se transformou em um monstro ou vice-versa.
 A criatura matou  a garota dona dessa carne, devorou ou fez sei lá eu o que com os seus órgãos internos e usou a sua pele como disfarce.
 Ou então sintetizou artificialmente toda aquela casca de ninfeta sedutora para atrair sua vítimas. Para me atrair!
 Eu não sei...não tenho certeza de mais nada! Fica mais difícil raciocinar com clareza a cada minuto que passa com tanta bizarrice se desenrolando em frente aos meus olhos!
 Eu só tenho certeza de uma coisa: isso aí não é nem nunca foi humano. Tampouco consigo imaginar de aonde tenha vindo...
 Mas não deve ser nativa deste mundo, nem desta realidade...
 Seus braços, pernas e todo o resto da anatomia humana que ainda existiam nela, explodem de uma só vez!
 No lugar da bela menina eu vejo agora uma figura amorfa verde-azinzentada, da grossura de um poste de luz de onde brotam os tentáculos.
 Em um instante o "poste" cresce, incha e engorda para todos os lados...
 A coluna orgânica se transforma em algo ainda mais grotesco e muito, muito maior...
 Quando estava dentro de sua simulação humana, todo os eu corpo estava encolhido para poder caber no interior do disfarce.
 Agora que se livrou dele, o ser pode se mostrar por inteiro para mim. É algo enorme, sem forma definida...
 Parece um gigantesco saco de membrana...ou pele gelatinoso e cheio e líquido.
 A membrana é meia transparente, enxergo líquidos e partículas se movimentando lá dentro quando a coisa se mexe...
 Milhares de veias enormes riscam toda as costas do troço (se é que aquilo tem costas), dentro das veias corre um sangue de uma cor que eu nunca ví em minha vida...e olha que eu já vi muito tipo de sangue...
 A criatura emite sons que se assemelham a arrotos altíssimos e barulhos de ebulição, pois o líquido dentro dela parece estar sempre fervendo.
 Todos os apêndices que nasceram do troço estão mais eufóricos do que nunca!
 Se retraem e se esticam com movimentos frenéticos, se enrolam em mim, me queimam com suas secreções...
 De sua parte de trás (pelo menos eu acredito que seja a sua parte de trás), brota um tubo mole do tamanho de uma tromba de elefante. O tubo parece um conjunto de vários anéis que forma ligados uns aos outros, recobertos em toda a sua extensão por uma pigmentação rosada.
 Agora eu acho que sei o que é essa coisa...
 Já abri e pesquisei febrilmente a anatomia de corpos de tantos seres humanos e animais que possuo mais conhecimento de a anatomia do que um patologista veterano...
 O ser em minha frente é um gigantesco estômago vivo, ou melhor, todo o seu organismo é composto unicamente por um estômago!
 Da mesma forma como o corpo de uma bactéria unicelular é o corpo da própria e única célula que o microorganismo possui recoberto por uma membrana!
 Tirando a camada de tecido flexível e delgado que o recobre e de aonde saem os tentáculos, este ser é inteiramente um estômago vivo e consciente!
 A tromba anelada que arrasta atrás de sí, é muito provavelmente, os seu reto, por aonde expele seus dejetos orgânicos.
 E os tentáculos, suas várias bocas.
 Bocas compridas o bastante para poderem alcançar seu alimento aonde quer que ele esteje.
 Esta criatura é a personificação encarnada paroxal da fome e da voracidade!
 Eu nunca acreditei que um dia poderia encontrar um monstro pior do que eu...como eu estava enganado!
 O estômago aponta um de seus tentáculos-boca na direção logo abaixo de meu queixo, a poucos centímetros de meu pescoço, de frente para a minha garganta...
 Na frente de meus olhos a boca, dentes, olhos e toda a extremidade do apêndice móvel, desaparecem em um segundo. Ou melhor, se retraem para trás até desaparecerem por completo, encolhendo e afundando até sumirem no interior da própria carne do tentáculo!
 Dentes diminuindo até desaparecerem no interior da boca, olhos negros submergindo no interior de suas órbitas que em seguida são preenchidas com nova matéria orgânica esverdeada...
 A boca parece estar se auto-engolindo...
 Agora, a ponta do tentáculo começa uma mutação...se afinando e se dobrando até adquirir a forma de algo parecido com uma foice, com uma textura que parece ser extremamente rija e afiada...
 Acho que é uma lâmina...
 A ponta em forma de foice do tentáculo faz um movimento brusco e rápido logo abaixo de meu pescoço!
 Escuto um baque seco no chão aos meus pés...o que está acontecendo?!
 E-eu não acredito, é o meu corpo que está atirado lá embaixo!
 Mais uma vez a mutilação foi tão veloz e perfeita, que eu nem percebi...
 Estou olhando nesse momento, para o meu próprio corpo decapitado e caído aos meus pés...
 Meus pés não, pois agora eu não tenho mais pés, nem pernas, nem tronco,nem nada...
 Agora sou apenas...uma cabeça!
 Então porque ainda sinto todo o meu corpo como se ele ainda fizesse parte de mim?!
 Acabo de sentir uma mosca pousar sobre o meu braço esquerdo lá embaixo! Suas patas fazem cócegas em "meu" ombro!
 É a mesma coisa quando o monstro digeriu o meu braço direito. Senti tudo...toda a dor e agonia inflingidas pela digestão...
 O ser me mantém conectado ao meu organismo separado fisicamente de meu cérebro para que eu possa não ainda apenas ver...mas também sentir todo o flagelo que é aplicado nele!
 Esse processo provavelmente se dá por meio deste tubo que a coisa espetou em meu crânio!
 O canal continua mantendo o meu cérebro conectado com os meus membros e órgãos arrancados...enviando os sinais de dor deles para os meus neurônios!
 Esse mesmo canal é que deve manter a minha cabeça viva e consciente, me alimentando com o próprio sangue...e quem sabe que outros nutrientes, oriundos do organismo do monstro, mesmo depois de eu ter sido completamente desmembrado!
 A criatura é a interface entre mim e os meus pedaços que não me pertencem mais fisicamente.
 Não posso imaginar uma forma de sadismo mais paroxal, perfeita, completa e elaborada do que esta!
 Apesar de tudo, sinto uma profunda admiração e respeito por esta criatura...
 Todos os tentáculos estão se transformando agora...todos de uma só vez! Terminou. Foi tudo muito rápido!
 As extremidades de todos os apêndices se metamorfosearam em brocas enormes, lâminas, serras...coisas que parecem alicates e outras formas que eu não consigo assimilar!
 Mas sei o que são: utensílios para mutilar, matar e provocar sofrimento...utensílios nascidas e moldados da própria carne daquele monstro.
 Antes da imolação começar, eu preciso saber de uma coisa...
 Reúno toda a força e coragem que me restam e balbucio:
 ---O q-q--que é você?
 ---Sou um caçador que se alimenta de caçadores.
  A sua única frase me explica tudo...tudo o que eu precisava saber.
  Apesar de suas palavras serem humanas, o timbre da voz que as pronunciou, não o é em absoluto.
  Não sei de que parte do estômago veio o som de suas palavras, não consigo ver nenhum órgão ou aparelho vocal a vista em seu corpo...sei apenas que a criatura que as proferiu...
 Olho para baixo: minha carcaça decapitada está atirado lá embaixo sendo banhado pelo sangue verde que pinga de meu pescoço sem corpo.
 Um dos tentáculos em forma de garra de carangueijo arrasta o meu corpo por uma perna...e o estômago começa a trabalhar nele freneticamente com os seus outros apêndices mutantes.
 A dor...é inexplicável, indizível, obscena!
 Não sei o que é pior, se o próprio flagelo que açoita o meu corpo, ou se a visão deste flagelo!
 O monstro, no controle de minhas pálpebras, não permite que eu feche os olhos nem por um segundo sequer...
 Ele quer que eu contemple tudo!
 Contudo, ao mesmo tempo em que me sinto repugnado pelo que sou obrigado a ver, também me sinto fascinado!. Pois a criatura me ensina, utilizando para isto o meu próprio corpo, novas e fantásticas formas e maneiras de se decepar, cortar, trinchar, escalpelar, fazer a carne sofrer!
 Tècnicas que nem em mil anos eu poderia aprender comigo mesmo, ou com qualquer outro ser humano de minha espécie, por mais hábil que este fosse!
 Espirros de meu próprio sangue banham minha face fazendo os meus olhos arderem!
 Está além de qualquer palavra e imaginação...descrever os tormentos aos quais o estômago submete o meu corpo...
 Terminou, agora os tentáculos voltam as suas formas normais de bocas e começam a devorar cada pedaço daquilo que um dia foram o meu tronco, pernas, e braço esquerdo.
 Sinto cada mordida, o bafo gelado do interior daquelas gargantas, cada partícula de minha carne sendo digerida pelos poderosos sucos gástricos do estômago...
 Foi tudo...só resta eu..minha cabeça...
 O tubo conectado a minha testa se dobra para trás e me joga para dentro de uma das várias bocas do estômago.
 A dor, a agonia e a escuridão me engalfinham por completo!
 Antes de minhas pálpebras se fecharem...acho que para sempre, eu só consigo pensar em uma coisa: MATAR É BOM!
MATAR É A MELHOR COISA DO MUN...
                                                         
                                                              FIM

                                                   CRISTIAN VOSS