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Um Rato Da Pixar Em Paris

 No início dos anos 80, George Lucas criou uma nova empresa especializada em tecnologia  cinematográfica de ponta, a "Graphics Group", criada inicialmente para trabalhar em conjunto com a então novata "Industrial Light And Magic" na elaboração de efeitos visuais, principalmente na área de computação gráfica, algo que na época estava a recém dando os seus primeiros passos.
 Em 1986 Lucas vende a "Graphics..." (agora rebatizada de "Pixar") para a " Apple Computers Inc" do mestre geek Steve Jobs, que viria a se tornar uma das maiores fabricantes mundiais de software e computadores pessoais do mundo (e uma das maiores dores de cabeça para a Microsoft e para o ex-parceiro de negócios de Jobs, Bill Gates).
 Final da história:se George Lucas soubesse no que a "Pixar" se tranformaria nos anos vindouros, preferiria ter arrancado um de seus rins com as próprias mãos do que te-lá vendido para Jobs.
 Atualmente uma das mais revolucionárias e lucrativas potências tecnológicas do cinema, ao lado da "IL&M", Weta Digital e Sony Pictures Imageworks, a "Pixar" entrou para a história quando assinou um contrato de distribuição com a "Walt Disney Pictures" e lançou nos cinemas em 1995 "Toy Story", o primeiro longa metragem de animação concebido 100% em computação gráfica.
 De lá para cá, a "Pixar" vem empurrando e levando a animação digital a novas fronteiras e patamares cada vez mais ousados e inacreditáveis, empilhando prêmio atrás de prêmio  e recebendo tantos elogios rasgados da crítica especializada que já daria para escrever uma enciclopédia só com eles.
 Um dos tiros mais certeiros da Pixar foi a contratação de Brad Bird, um ex-animador dos "Simpsons" para o seu cast de talentosos diretores de animação.
 No seu primeiro trabalho para o estúdio "Os Incríveis" (The Incredibles, 2004) (que é ao lado da trilogia "Toy Story" o longa mais espetacular da "Pixar"), Bird uniu de forma lacônica e absoluta o estilo familiar da Disney/Pixar com o cinismo e ironia inteligentes e influências pop que aprendeu em sua experiência como diretor do seriado de Matt Groening.
 Em 2006, temendo perder a Pixar, que estava querendo assinar contrato de distribuição com outro estúdio para poder ter uma maior autonomia sobre as suas obras, a Disney comprou a empresa da Apple por US$ 7,4 bilhões.
 Já respirando aliviada por não ter perdido a sua "galinha dos ovos de ouro", a  Disney resolveu comemorar chamando novamente o genial Brad Bird para inaugurar esta nova fase da Pixar.
 Bird, para não se repetir, troca o estilo "épico de ação montanha-russa" de "Os Íncriveis", por uma história e um clima mais intimistas e poéticos em "Ratatouille" (2007).
 Os ratos, geralmente assossiados a sujeira, podridão, doenças e ao macabro (até mesmo em filmes e desenhos animados infantis, este mamífero roedor , na melhor das hipóteses é retratado quase sempre como um personagem bagunceiro e malandro), encontram a sua redenção em "Ratatouille", que tem como protagonista um camundongo surpreendentemente culto, sofisticado e com um grande talento para as artes culinárias.
 "Ratatoille" é uma obra de animação belíssima tanto em termos visuais, quanto de roteiro e elaboração de personagens, com momentos de pura poesia visual que, como nos filmes de Charles Chaplin, nos encantam e nos fazem rir ao mesmo tempo.
 Posso estar errado, mas arrisco em dizer que esta é a produção da Pixar que possui os cenários e ambientes mais rebuscados e realistas dentre todos os outros longas do estúdio.
 A equipe de produção viajou até Paris (cenário permanente do filme) e pesquisou minuciosamente todos os aspectos arquitetônicos da Cidade Das Luzes para reproduzí-los a perfeição nos computadores da Pixar.
 O resultado é um perfeccionismo que chega a ser assombroso: várias vezes temos a impressão de estarmos vendo personagens digitais estilizados passeando por ruas, avenidas e atravessando pontes parisienses de verdade, como se houvessem mixado desenho animado com locações reais.
 Esta obsessão com o crível em "Ratatouille" se faz notar ainda mais nas "tomadas" noturnas e sinistras, pois a exemplo das produções infanto-juvenis do "doutor" dos animes Hayao Miyazaki, "Ratatouille" possui momentos sombrios e melancólicos. E como nos demais títulos da Pixar, este também trata de temas intrincados e de grande profundidade dramatica com leveza e bom humor, nunca deslizando para o piegas ou para o sentimentalóide. Esse é o principal motivo que faz com que as animações da Pixar tenha fãs igualmente fervorosos tanto entre o público infantil, quanto entre os adultos.
 O camundongo de "Ratatoille" (apelidado no filme de "Pequeno Mestre") pode entrar para a galeria de ratos famosos das telas grandes e pequenas como Jerry, Pepe Legal e Mickey Mouse . Aliás, Pequeno Mestre, é ao lado deste último, o  rato mais "humano" e cativante do cinema.
 Após Ratatouille a Disney/Pixar continuou dando a luz  a novos clássicos da animação digital ("Wall-E", "Up", "Toy Story 3"), agora com o poderoso aditivo da exibição em formato 3-D.
 Com o avanço e a sofisticação cada vez maior da computação gráfica,com mundos e personagens digitais cada vez mais inacreditavelmente realistas como foi visto recentemente em "Avatar", a Pixar pode vir a se tornar um dos estúdios cinematográficos  mais poderosos e influentes do mundo. A recente compra da Marvel pela Disney, fez com que alguns críticos especulassem o que aconteceria se a Pixar resolvesse produzir uma animação com os personagens da "Casa Das Idéias". Seria o passo decisivo para o ex-estúdio de George Lucas e Steve Jobs entrar de vez no terreno das animações adultas.
 Por enquanto tudo isso não passa de especulações e boatos, mas com certeza o futuro promete. Quem viver verá.
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Longa Vida Aos Mortos...

 Quantas pessoas você conhece que gostam, ou melhor, que são fãs apaixonados por filmes de horror? Poucos com certeza, muito provavelmente você mesmo que está lendo esta matéria e tentando responder a esta minha pergunta deteste filmes de horror. Beleza, sem problemas, afinal você é como a maioria das outras pessoas que curtem as coisas belas da vida: dias ensolarados, praias paradísicas, baladas cheias de gente bonita, felicidade, reuniões em família, etc e não degradações humanas, montruosidades, sangue, cemitérios, dark side, essas coisas. Claro, você se considera um cara normal, que quer se integrar a sociedade, casar, ter filhos, etc. Você não é um sádico maluco que quer que o povo pense que você curte sair por aí retalhando os outros ok? Confere?
  Se você, caro leitor, se enquadra na descrição que eu citei acima (e as chances disso acontecer são enormes) não precisa pensar que eu estou sendo cínico ou debochando de você. Você está certo em pensar e agir desta forma, você é como a maioria das pessoas. Eu e os outros fanáticos por sangue e horror é que estamos errados, pois somos a minoria. Você não concorda comigo?
 De qualquer forma eu não estou aqui para discutir gostos e aptidões, apenas redigi este texto acima para que você tivesse uma idéia de como é alto o grau de marginalidade e polêmica que envolve os filmes de horror.
 Agora imagine  o quão grande é a situação de pária dos filmes sobre mortos-vivos, um sub-gênero que é considerado radical demais até mesmo para alguns fãs de horror e que estão associados a alguns dos momentos mais nauseantes, depravados e ultrajantes do cinema mundial de todos os tempos.
 E  este é justamente o cerne, o coração moribundo do livro "Zumbis, O Livro Dos Mortos" de Jamie Russel editado no Brasil pela Barba Negra/Leya.
 Mostrar que o zumbi é o monstro mais punk, marginalizado e subestimado da cultura pop e que justamente por isso as várias qualidades intrínsecas que estão presentes em muitos filmes sobre mortos-vivos são ignoradas e desconhecidas pela maioria do público e da crítica.
 Usando uma linguagem e um conhecimento eruditos, Jamie Russel retrocede no tempo até o século XIX, para explicar a origem do mito zumbi/morto-vivo no mundo ocidental que se deu por meio de um antropólogo e jornalista grego  radicalizado nos Estados Unidos  chamado Lafcádio Hearn, que, fascinado pelas pesquisas sobre folclore que realizou na ilha da Martinica, resolveu passar os seus conhecimentos para o grande público através de um artigo publicado na "Harper Magazine" em 1889.
 Entre os vários personagens e aspectos da mitologia da região caribenha destacados no artigo por Hearn estava o dos corps cadavres (corpos que andam), um mito que apavorava os moradores da ilha.
  A partir daí os zumbis ficaram cravados para sempre no coração e nos pesadelos da moderna sociedade ocidental  como uma estaca no coração de um vampiro.
 O autor prossegue a sua apaixonante narrativa discutindo sobre a gênese do primeiro filme de zumbi da história, "Zumbi Branco" (White Zombie), lançado em 1932 e baseado em uma peça de teatro.
 Conforme se vai avançando nas entranhas do "Livro dos Mortos", o leitor mergulha cada vez mais fundo no mar sem fim de sangue e carne putrefata que é a história dos filmes de zumbis que Russel vai narrando nos mínimos detalhes e em ordem cronológica, sempre ressaltando os saltos evolutivos mais relevantes do "cinema morto-vivo", como os filmes de George Romero ( o pai dos zumbis modernos), cujos filmes misturam de maneira única fantasia negra e gore/splatter com inquietações políticas, filosóficas e históricas.
 O autor também (como não poderia deixar de ser), dedica um capítulo inteiro do livro aos revolucionários filmes de zumbis italianos (com destaque para a obra do genial cineasta Lúcio Fúlci).   Fortemente influenciados pelo ciclo (também italiano) de filmes sobre canibalismo, os zumbis giallos se tornaram muito mais violentos, grotescos e famintos por carne humana do que os seus "vizinhos de sepultura" do cinema americano e influenciando explicitamente grandes diretores de cinema fantástico como o canadense David Cronenberg.
 Mas o livro não fica só nos jumbies (zumbis em caribenho, uma das muitas palavras- raízes do termo) mais conhecidos como os americanos e os italianos, traçando um painel gigantesco do cinema morto-vivo ao redor do mundo: das obscuras e praticamente desconhecidas produções africanas aos elogiados e recentes filmes de zumbi alemães como o ultracelerado "Premutos" (considerado um dos filmes mais violentos e ofensivos de todos os tempos) e também abordando a mistura do gênero com outros estilos como o "o filme de zumbi kung-fu", comum em países asiáticos e que vem ocorrendo com frequência desde as assíduas fusões entre os estúdios Hammer e Shaw Brothers nas décadas de 1960/1970 e a criatividade delirante e selvagem dos "splatstick", produções que misturam horror extremo com humor, geralmente "estrelados" por zumbis e cujo pináculo são  os filmes da série "The Evil Dead" e o neo-zelandês "Fome Animal" (Brain Dead).
 Também não poderia ficar de fora deste livro a impressionte transposição, cada vez maior, dos mortos-vivos do cinema independente e underground para o mainstream hollywoodiano ( cujo estopim foi a recente popularização de games sobre zumbis como "Resident Evil" e suas inevitáveis adaptações cinematográficas) em produções cada vez mais sofisticadas e técnicamente apuradas.
 E como os filmes de zumbi estão fortemente conectados aos efeitos especiais, vários especialistas e "doutores" desta área também são esmiuçados no texto de Russel: dos pioneiros Carl Axcelle e Jack Pierce aos inovadores Tom Savini e Giannetto Di Rossi, do ultra-detalhista Greg Nicotero ( um dos maiores criadores de monstros do cinema da atualidade) aos zumbis de alta tecnologia da Industrial Light And Magic e Weta Digital, em "Piratas do Caribe" e "O Retorno Do Rei", respectivamente.
 Deve-se destacar também o capítulo do livro que aborda os zumbis do mundo real, que na verdade são pessoas que de alguma forma tiveram os seus corpos "infectados" por um veneno chamado tetrodoxina, oriundo de um peixe chamado baiacu ( que é um prato comum e muito apreciado na culinária japonesa). Quando administrado no organismo a tetrodoxina causa no indivíduo um estado de paralisia tão intenso, que até os batimentos cardíacos são muito difíceis de serem detectados mesmo por médicos experientes. A pessoa então é dada como morta, porém na realidade, está completamente desperta e plenamente consciente do que está acontecendo ao seu redor. Envenenar pessoas com a tetrodoxina é prática comum no Haiti (um dos países dos quais se originou a lenda dos mortos-vivos) e geralmente está ligada a questões de desavenças políticas e rixas familiares, (para se aprofundar mais neste fascinante assunto recomendo o fantástico romance "A Serpente E O Arco-Íris" escrito pelo antropólogo e botânico Wade Davis). Ao abordar esta questão, era inevitável que Russel também comentasse sobre os exploradores que tiveram o sangue-frio de desbravar o lado obscuro, místico e secreto da socieddade haitiana como o aventureiro depravado e empírico William Seabrook e o ultra-cético e científico Wade Davis.
 Para completar, o texto é enriquecido com várias e maravilhosas fotos (em cores e em P&B) de diversos filmes clássicos e cultuados do universo zumbi e no final há uma lista com nada menos do que 326 filmes do gênero, cuidadosamente divididos em "lançados e não lançados" no mercado de home-vídeo brasileiro e uma relação de 136 livros que abordam mortos-vivos (reais ou não), infelizmente pouquíssimas destas publicações foram editadas no Brasil.
 A lamentar, apenas o capítulo final deste livro. Como este foi lançado no exterior em 2005 e no Brasil somente em 2010, era inevitável que algumas produções cinematográficas do gênero maias recentes ficassem de fora. Para sanar este problema, os editores da versão brasileira resolveram deixar a obra mais atual por conta própria.
 A atualização foi feita e redigida por Antônio Tibau, que até fez um trabalho bem abrangente em termos de pesquisa. O problema é que Tibau não parece ter o mesmo tipo de amor incondicional de Russel, nem por zumbis, nem pelo gênero horror. E o pior de tudo: escreve muito mal.
 Como resultado disso temos, ao invés da escrita culta e fascinante de Russel, uma tosca imitação do estilo "pop subversivo" que André Barcinski, André Forrastieri e Alex Antunes costumam aplicar em seus textos, só que com menos de um terço da energia que esses três grandes e inovadores jornalistas brasileiros costumam empregar em suas prosas.
 Felizmente este pequeno lapso de qualidade é muito pouco para diminuir o brilho desta obra épica, que nos mostra que apesar de o morto-vivo ser o monstro mais subestimado, "pobre" e marginalizado do cinema de horror, paradoxalmente são os filmes protagonizados por zumbis que mais refletem os medos, turbulências e terrores que vem assolando a complexa sociedade humana através dos anos.
 OS MORTOS ESTÃO VIVOS! LONGA VIDA AOS MORTOS...