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CINEMA PARA QUEM AMA O CINEMA

  A Invenção de Hugo Cabret ( EUA, 2011) é a prova cabal e definitiva de que o 3-D digital não serve apenas para mostrar nos cinemas efeitos visuais espetaculares e carros sendo arremessados contra aviões em cenas de ação desnecessárias. Se Avatar foi um passo além neste nova maneira de se fazer filmes demonstrando que as produções 3-D, até então praticamente restringidas a desenhos animados e a filmes infantilóides, podiam atrair, sim, toda a família, a nova obra de Scorsese segue com a evolução deste novo formato demonstrando que este também pode---e deve---agregar filmes de arte comandados por cineastas maduros e ousados e não apenas cinema pipoca feito por diretores inexperientes que confundem câmeras com joysticks de vídeo-games e tabuleiros de RPG.
 A Invenção de Hugo Cabret mistura a fascinante trajetória do francês Georges Méliès--- um ilusionista, que, no início do século XX concebeu os primeiros filmes com efeitos visuais inaugurando o cinema fantástico---com uma trama fictícia não menos encantadora.
 A partir de um roteiro literário que se desenvolve sem aquele ritmo frenético forçado da maioria dos blockbusters hollywdianos e que encontra espaço para ampliar até o mais coadjuvante dos personagens, o doutor em cinema Martin Scorsese cria uma autêntica obra de arte high tech onde inesquecíveis, inebriantes e arrebatadoras imagens de pura poesia visual são engendradas por meio de uma pesadíssima artilharia de efeitos digitais rebuscados e hodiernos.
 A originalíssima trama do filme transcorre durante o alvorecer do século XX e trata da surreal e fabulística história do menino órfão Hugo Cabret, uma quase criança de rua, que divide os seus dias entre acertar o relógio da estação de trem de Paris, realizar pequenos furtos nos logradouros apinhados da Cidade das Luzes, escapar da polícia local e tentar consertar o robô que ele e seu falecido pai estavam reformando antes da morte deste.
 Contudo, as rotineiras e prosaicas aventuras de Hugo se transformam em uma saga épica no momento em que o seu caminho se cruza com o de Georges Méliès, um decadente e esquecido mágico e cineasta que agora ganha a vida consertando todos os tipos de aparelhos em uma soturna oficina
 Em seu novo filme, Scorsese desmistifica as produções infanto-juvenis como Harry Potter, sem, contudo, ofendê-las, da mesma forma como fez com os textos bíblicos em A Última Tentação de Cristo.  
 Embora não haja violência gráfica explícita em A Invenção de Hugo Cabret, tampouco existem soluções fáceis para os seus personagens, nem é ambientado em um mundo cor-de-rosa. Muito pelo contrário. Guerras e perversidades humanas são mostradas o tempo todo invadindo a vida a inocência e as  fantasias tanto do pequeno Hugo quanto do próprio cinema. Esse parece ser o cerne deste filme e do próprio estilo de filmar de Martin Scorsese, a de que a sétima arte, a exemplo do próprio ser humano, deve crescer, amadurecer, deixar as fantasias e delírios juvenis para trás tornando-se menos escapista e mais dura, fria, verossímil e até mesmo mais cruel para conseguir sobreviver as agruras da vida. É como se o cineasta dos estonteantemente realistas Táxi Driver e Touro Indomável quisesse nos dizer, que, para se fazer filmes tão grandes quanto a própria vida o cineasta deve, as vezes, realizar filmes tão terríveis quanto a própria vida.
 Outra grande qualidade desta obra é que ela não foi apenas a primeira produção hollywdiana verdadeiramente madura---apesar de ser basicamente focada no universo infanto-juvenil---a utilizar o revolucionário formato 3-D digital.; ela foi, isto sim, a primeira produção a utilizar todo o potencial desta nova dimensão cinematográfica em sua plenitude. A Invenção de Hugo Cabret não foi apenas gravado em 3-D, ele foi gravado em "O 3-D".
 James Cameron e Steven Spielberg já haviam demonstrado soberbas imagens tridimensionais em Avatar e Tin- tin, respectivamente, arrancado a nova configuração para bem longe da esfera daquilo que a crítica de cinema brasileira Isabela Boscov chama de 3-D idiota.
 Todavia, nada se compara ao que Scorsese fez neste seu novo clássico.
 O cineasta usa todo o seu, quase sobrenatural, conhecimento técnico de cinema, que deixou plateias do mundo inteiro embasbacadas com a virtuosidade das imagens de A Última Tentação de Cristo, O Cabo do Medo e Cassino, para transformar  A Invenção de Hugo Cabret na experiência em 3-D mais completa da história da sétima arte e, realmente, transferindo o espectador para "dentro" do filme. Em suma, Scorsese utilizou o novo formato não apenas para criar algumas cenas de impacto, um recurso que é geralmente utilizado por cineastas de segundo escalão para tentarem aprimorar filmes ruins, mas sim para sofisticar ainda mais uma obra que já seria ótima em 2-D.
 Aqui, a tridimensionalidade está presente o tempo todo e em nenhum momento parece isolada como na maioria das recentes produções lançadas na nova feição. Scorsese grava o 3-D de maneira absolutamente homogênea e coesa do início ao fim do filme. Muitas vezes em A Invenção de Hugo Cabret a terceira dimensão aparece dando forma a pequenos detalhes como um pequeno abajur no canto de um quarto mal-iluminado ou uma lâmpada quase escondida no forro de algum cômodo. Ou seja, um 3-D mostrado da mesma forma como nós, espectadores, o enxergamos no mundo real: o tempo todo, do mais macro ao mais micro dos detalhes.
 Martin Scosese é um cineasta que dispensa muitos comentários.
 Da geração de diretores do baby-bom, nascidos durante, ou, logo após a Segunda Grande Guerra, Scorsese, ao lado de outros Enfant-terribles como Francis Ford Coppola, George Lucas e Brian de Palma, renovou completamente o cinema americano ao injetar altas doses de independência, inovação, rebeldia e efervescência criativa em uma Hollywood, então, dominado por chefões de estúdio burocratas e anciões.
 O cinema Scorsesiano sempre se destacou por escancarar a ambiguidade do ser humano eternamente dividido entre o céu e o inferno em cenários, na maioria das vezes, atuais, urbanos e decadentes. Épicos realistas e mundanos habitados por marginais, junkies e prostitutas vivendo paixões turbulentas e dilacerados por códigos de honra e de ética que estão acima do bem e do mal.
 Apesar de ter uma filmografia, geralmente, associada a produções celeradas e controvertidas, é interessantíssimo notar que Scorsese também consegue lidar com temas delicados e poéticos, sem que, no entanto, seus filmes não percam absolutamente nada em termos da força e ousadia temáticas e visuais características de sua obra usual. A Época da Inocência e Kundun já haviam provado isso, contudo, é com A Invenção de Hugo Cabret--- um filme feito para aqueles espectadores que realmente amam e levam a sério o cinema--- que este cineasta ímpar demonstra em totalidade que consegue abraçar qualquer gênero com a mesma segurança e o requinte esmerado de sempre.
 Agora, é só ficar aguardando Martin Scorsese usar o 3-D para realizar seus frequentes filmes exclusivamente adultos, repletos de sangue, violência e emoções viscerais, como, Touro Indomável e Os Bons Companheiros. 
 Com certeza, vai provocar uma nova revolução no cinema.
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CANIBALISMO DE SILICONE

  Hype, no jargão cinematográfico, significa a promoção extrema de um filme e está geralmente ligado as superproduções.
 O hype cinematográfico, na maioria das vezes, é uma faca de dois gumes aonde estados de euforia e excitação andam de braços dados com a tristeza e uma decepção raivosa.
 A resposta para isso é praticamente óbvia e quase todo mundo já a conhece: ao se tornarem muito custosos financeiramente os filmes acabam se relacionando mais com as ciências econômicas e exatas do que com a linguagem audiovisual e a sétima arte.
  A equação é simples: quanto mais cara é uma produção cinematográfica mais ela deve vender. É quando o cinema abandona a sua condição de arte e se torna um mero produto.
 As gigantescas e poderosas máquinas de marketing dos grandes estúdios trabalham em suas capacidades máximas inundando o mercado e todos os meios de comunicação com propagandas---na grande maioria das vezes enganosas---e quinquilharias relacionadas ao produto que eles devem nos vender e nos empurrar goela abaixo. Se o "filme" em questão é bom ou ruim é apenas um mero detalhe...
 O mais incrível é que a grande maioria dos espectadores continuam caindo nesta armadilha de muito hype e pouco conteúdo, mesmo após terem sido enganados infinitas vezes pelos executivos tubarões das majors.
  Existe uma outra espécie de hype cinematográfico mais humilde, mas não menos viral, o popular "divulgação boca-a-boca", um hype "artesanal", por assim dizer.
  Geralmente mais associado a produções independentes e de baixo orçamento, que não dispõem de grandes departamentos de marketing para a sua divulgação estes filmes tem que conquistar o seu espaço na raça mesmo, ou seja, eles devem ser realmente bons o suficiente para os seus espectadores saírem tão maravilhados e satisfeitos das salas de exibição a ponto de pararem estranhos na rua apenas com o intuito de divulgar a obra que acabaram de assistir.
  Quase nunca o hype artesanal é propaganda enganosa, afinal de contas, nesse caso, é o próprio espectador comum quem faz a divulgação do filme, ao contrário dos críticos especializados que, muitas vezes, são pagos para incensar uma obra.
 Todavia, as vezes, por mais incrível que pareça, o marketing boca-a-boca também é fraudulento. O que leva  milhares de pessoas a cultuarem bombas cinematográficas já é uma assunto mais complexo e obscuro que envolve questões psicológicas e antropológicas. Nesta postagem se irá analisar uma dessas bombas superestimadas apenas em seu aspecto puramente fílmico. Um desses inacreditáveis casos de marketing artesanal tabajara é Canibal Ferox ( Itália, 1981) de Umberto Lenzi, produção que encerra o amado e odiado ciclo dos filmes italianos sobre canibalismo.
 Em 1980, uma produção cinematográfica italiana chamada Canibal Holocaust sacode o mundo. Herdeiro do polêmico shockumentary, também oriundo da Itália, de 1962, Mondo Cane, Canibal Holocaust, dirigido por Ruggero Deodato, não havia sido a primeira produção italiana sobre canibalismo praticado por selvagens das florestas tropicais, mas era, sem dúvida, a mais grotesca, ousada e original lançada até então.
 Na época, Umberto Lenzi, considerado o pai dos filmes sobre canibalismo e diretor da obra precursora sobre antropofagia O País dos Canibais ( Paese del Sesso Selvaggio, Itália, 1972), se sentiu enciumado com todo o sucesso do filme de Deodato entre os fãs de horror e resolveu dirigir um filme definitivo sobre canibalismo radicalizando ainda mais todos os extremismos e excessos típicos deste subgênero.
 Infelizmente, o tiro de Lenzi não poderia ter saído mais pela culatra. Canibal Ferox ( Itália, 1981) é realmente explícito quando se trata de violência gráfica, mas absolutamente paupérrimo em termos de interpretações de quase todo o elenco e de um clima sério e sombrio que eram qualidades admiráveis na obra de Deodato realizada um ano antes.
 Canibal Ferox parece uma refilmagem de Canibal Holocaust idealizada por um pirralho de quinze anos fã de slashers descartáveis.
 Tudo no filme---a exceção dos efeitos especiais---parece ter sido feito as pressas e sem nenhum tipo de cuidado. As caracterizações e atitudes dos índios canibais amazonenses, apesar de brutais na grande maioria das vezes, são tão caricatas que provocam risos ao invés de medo e repulsa. A edição em alguns momentos é tão mal feita que os seus furos podem ser identificados por uma criança de cinco anos. Algumas cenas, como as matanças e posteriores eviscerações de animais---algo típico nas produções italianas sobre canibalismo---não são apenas gratuitas, são totalmente descabidas e fora de contexto, parecendo cenas de outros filmes que foram enxertadas ali sem a menor explicação e zelo técnico.
 Se Canibal Ferox  fosse um splattestick assumido seria um filmaço, contudo o pior e derradeiro escorregão da obra de Lenzi, aquele que decreta a falência de sua obra é ser um filme que deseja a todo custo ser levado a sério ao mesmo tempo em que não apresenta praticamente nada que lhe sustente alguma credibilidade.
  Não haveria como esperar muito mesmo de um cineasta como Lenzi, que apesar de haver dado o pontapé inicial no ciclo sobre canibalismo do cinema italiano, nunca se mostrou um artesão muito competente. Ele, inclusive,
 foi acusado por Ruggero Deodato de utilizar, sem permissão, em suas obras, vários trechos de filmes do diretor de Canibal Holocaust. 
  Umberto Lenzi, enfim, é um daqueles típicos cineastas de quinta que costumam manchar o nome do cinema de horror e explotation e este seu Canibal Ferox é destinado apenas aquelas pessoas que acreditam que cinema B e apelativo é sinônimo de cinema mal-feito. Pessoas estas, que, pelo jeito, devem ser muitas.

  
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TERROR NA ÓPERA

  Se você curte cinema de horror, tem menos de trinta anos e finalmente se tocou de que a maioria dos filmes de fantasia negra feitos para a sua geração são tão "empolgantes" quanto novela das seis e possuem tanta inteligência quanto os zumbis de The Walking Dead não precisa tentar cortar os pulsos de vergonha por ter apreciado e ter sido enganado por tanta merda.
 A saída para a sua redenção meu filho/filha é simples e está logo ali, nos filmes de terror de um passado, por vezes, nem tão distante assim.
 Eu poderia ficar horas desfiando exemplos de épocas e subgêneros de produções de horror que foram---e ainda são--- realmente relevantes para o cinema macabro, contudo, prefiro ir direto ao ponto e comentar sobre uma obra que sintetiza o que de melhor foi realizado no gênero até então ao mesmo tempo em que cria novas tendências que influenciariam o cinema fantástico.
 Trata-se de de Terror na Ópera (Opera, Itália, 1987) de Dario Argento,  um sofisticadíssimo giallo com um visual tão apurado que neste quesito só encontra paralelos com a trilogia The Evil Dead de Sam Raimi e Arizona Nunca Mais dos Coen Brothers.

 O enredo não poderia ser mais giallo: em Roma, durante uma luxuosa encenação de Macbeth, a protagonista da peça, Beth, (Cristina Marsillach) sofre horrores inimagináveis nas mãos de um, aparentemente, invencível e imprevisível assassino serial sádico até o talo.
 Mas aqui o roteiro importa menos do que a maneira como este foi filmado.
 Rasantes de travellings ultravelozes, imagens que mostram os pontos de vista dos mais variados personagens---humanos e animais---ângulos oblíquos, cores saturadas e alucinógenas, enquadramentos inacreditavelmente absurdos e movimentos de câmera tão tortuosos e diagonais que se tem a impressão que as filmadoras utilizadas para captarem as sinuosas imagens do longa de Argento vão se quebrar a qualquer instante.
 Toda essa audácia técnica de Terror na Ópera tem como unica finalidade multiplicar até o limite do insuportável as cenas de gore absoluto e tensão pérfida do filme. Proporcionando ao espectador a sensação de estar em uma montanha-russa de asco e pavor onde cada movimento estonteante da câmera é suplantado, no momento seguinte, por outro ainda mais enlouquecedor. Para completar, uma trilha sonora lírica/erudita arrepiante conduz o filme praticamente do início ao fim sendo interrompida somente nos momentos mais splatter, quando o sangue jorra farto, sendo substituída por estridentes e barulhentos petardos heavy metal.
 Nascido em Roma em 1940, Dario Argento---diretor, produtor e roteirista---desde o seu primeiro longa, O Pássaro das Plumas de Crista ( Luccello Dalle Piume Di Cristallo) de 1970 vinha de forma decisiva ajudando a cimentar os cânones do giallo, um dos subgêneros mais ousados, ricos e perturbadores do cinema de horror e que tem a sua origem na literatura italiana policial barata da década de 1940---o equivalente carcamano da norte-americana pulp fiction.
 Embora tenha escrito o seu nome a fundo na "carne" do cinema a golpes de facas, bisturis, machados e outros instrumentos perfuro-cortantes através de uma filmografia aterradora e sangrenta, o amplo domínio das técnicas da sétima arte de Dario Argento o coloca acima de qualquer gênero e o emparelha lado a lado de grandes mestres como Hitchcock, Scorsese, Spielberg, David Fincher e Darren Aronofsky.
 Embora, nos últimos anos, Argento esteja um pouco longe do brilho de seus filmes de antigamente ainda é uma ótima pedida para qualquer fã de filmes de horror que queira injetar classe e inteligência ao seu conhecimento sobre o gênero.
 Po-Po-Por enquanto é-é-é só pe-pe-pessoal!
 Até a próxima!
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MÁSCARA DE PELE MORTA

  Das inúmeras obras da cultura pop (livros, filmes, músicas, etc.) que os repugnantes e inesquecíveis crimes cometidos por Edward Gein (1906-1984)---considerado o mais louco serial killer norte-americano de todos os tempos---inspiraram, a sem dúvida mais célebre, bizarra e realista de todas é O Massacre da Serra Elétrica ( The Texas Chainsaw Massacre/ EUA, 1974) produção exploitation perpetrada pelo diretor Tobe Hopper.
 Neste imortal clássico do cinema apelativo a imaginação degenerada de Hopper multiplica Ed Gein em quatro personagens que competem entre si para verem qual atinge os graus mais elevados de brutalidade, depravação e perversidade.
 Trocando o estado do Winsconsin---aonde Gein praticou as suas atrocidades---pelos sertões desolados do Texas, Hopper joga um grupo de jovens alegres e barulhentos---que parecem serem o prato principal dos maníacos do cinema americano---em um deserto de autoestradas abandonadas repletas de carcaças apodrecidas de animais atropelados e margeadas por espeluncas sinistras ocupadas por caipiras com cara de tarados.
 Usando como chamariz a falsa afirmação de que os sórdidos atos de malignidade absoluta exercidos pelos bizarros vilões do filme foram baseados em um caso verídico---uma tática que o cineasta italiano Ruggero Deodato levaria as últimas consequências seis anos depois em Canibal Holocaust (Itália, 1980)---aliada a um estilo de filmagem cru e documental, possibilitou aos realizadores de O Massacre da Serra Elétrica promoverem uma verdadeira orgia sádica de horror visceral e pisicológico comparável ao de Psicose (EUA,1960).
 A tortura---ou alegria---do espectador já começa nos primeiros minutos de filme com uma áspera demonstração de masoquismo insano.
 A partir de então os personagens vão arrastando os espectadores para um fosso cada vez mais profundo e negro de violência e loucura sem limites, explodindo em um clímax que é um verdadeiro Inferno na Terra.
 Até o mais ínfimo dos detalhes, neste filme de Hopper,  parece ter sido meticulosamente planejado para parecer e soar macabro até a raiz. Desde as locações, cenários, sonoplastia, diálogos, monólogos--- várias cenas são pontuadas pelas vozes de DJs narrando em rádios notícias e descrições explícitas de guerras, acidentes e massacres, sugerindo subliminarmente que todo o horror que presenciamos nas imagens do filme nada mais é do que um reflexo do turbulento mundo em que vivemos---e personagens asquerosamente doentios. De toda a galeria de psicopatas monstruosos do filme, sem dúvida, o mais animalesco, indigesto e célebre é o hórrido e desenfreadamente atroz Letherface.  Personagem mítico do cinema de horror, Cara de Couro --- com seu físico avantajado, modos sempre truculentos, avental de açougueiro perpetuamente ensanguentado e a face decorada por rostos humanos escalpelados --- é uma verdadeira fábrica de provocar  pesadelos e repulsa em espectadores mais sensíveis.
 Como era de se esperar, com O Massacre da Serra Elétrica, o diretor Tobe Hopper provocou um grande frenesi e uma revolução no cinema fantástico, e, como acontece com todos os diretores talentosos de filmes de horror, Hopper se tornou um cineasta maldito simultaneamente amado pelos fãs e odiado por seus detratores.
 No início dos anos 1980 o então já mega-famoso e poderoso Steven Spielberg resolveu fazer uma experiência radical e, a princípio, inconcebível, unir o estilo de filmar despudoradamente explotation e cru de Tobe Hopper com a sofisticação high-tech da empresa de efeitos visuais Industrial Light and Magic.
 O resultado, surpreendentemente, deu certíssimo e com Poltergeist (EUA, 1982) Tobe Hopper pode acrescentar mais um clássico a sua carreira e ao cinema de horror, embora neste caso, Hopper teve que dividir os louros meio-a-meio com o diretor de E.T. O problema foi que a partir daí, o "pai" de Letherface ficou com o seu estilo de filmar apartado entre o hardcore e o mainstream, ora pendendo mais para um lado, ora mais para o outro, o que deixou a carreira deste cineasta, que iniciou de forma tão espetacular e original, irritantemente dissonante.
 Contudo, de qualquer forma, mesmo décadas após a sua estréia, dezenas de imitações e remakes dispensáveis, "O Massacre da Serra Elétrica" original continua firme e forte conquistando corações e mentes, revirando estômagos e gelando o sangue de muita gente pelo mundo afora.