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Um Pequeno Passo Para o Homem...Um Passo Gigantesco Para o Cinema

                                                                   
 Eu, gostaria, primeiramente, antes de iniciar esta nova postagem, me desculpar, por, dessa vez, não ter digitado esta crítica, exatamente, dentro da, correta, estrutura da resenha, ou seja: título, apresentação da obra, credenciais do autor, descrição da obra e recomendação da obra. 
 O, motivo deste meu deslize foi que, originalmente, eu iria publicá-la direto em meu perfil do facebook...Entretanto, eu pensei melhor e cheguei a conclusão de que 2.001, Uma Odisseia no Espaço (EUA, 1.968), de Stanley Kubrick, é uma obra grandiosa demais para ter uma crítica, por mais rala que esta seja, publicada em alguma rede social, que são lugares mais dados a futilidades do que a análises aprofundadas sobre obras de arte. Principalmente, uma obra de arte tão espetacular, clássica e definitiva quanto 2.001, ou, qualquer outro filme de Stanley Kubrick.
 Sendo assim, achei uma espécie de desrespeito publicá-la em uma rede social. Infelizmente, como a resenha já estava, quase, toda pronta no word para ser publicada no facebook, aonde não costumo seguir as regras clássicas da resenha quando publico, lá, as minhas críticas, ficaria bem difícil reescrevê-la aqui seguindo as tais regras....
 Bom, espero que os meus, possíveis, leitores me perdoem este meu deslize...
 Como eu, recentemente, escrevi  aqui mesmo, no Imaginação Selvagem, na matéria sobre o filme De Olhos Bem Fechados, são necessários anos para que se comesse a compreender uma obra de Stanley Kubrick.
 No caso de 2.001, Uma odisseia No Espaço, foram necessários, aproximadamente, uns trinta anos, e dezenas de livros e filmes de ficção científica hard, além da cuidadosa e aprofundada leitura de Assim Falou Zaratrusta,, para que eu me sentisse apto a compreender e a especular sobre todos os variados assuntos e questões levantados por esta obra fundamental, não apenas do cinema, mas da imaginação e da arte humanas como um todo. A produção deste assombroso épico de ficção científica foi para os seus realizadores, a exemplo do que acontece ao protagonista do filme, o astronauta David Bowman, interpretado por Keir Dulea, um verdadeiro salto no abismo e no desconhecido.
   Baseado no fantástico conto A Sentinela, de Arthur C. Clarke, O filme de Stanley Kubrick, com roteiro do próprio em colaboração com o autor do conto em que se baseou,  expande, aprofunda e esmiúça todas as intrincadas questões levantadas pela enigmática narrativa de A Sentinela.
 Tido, como um dos maiores escritores de ficção científica de todos os tempos, o autor de O Monolito e co-roteirista de 2.001, o inglês Arthur C. Clarke, segue a linhagem dos autores de ficção científica séria, e, realmente, científica, como Júlio Verne, Brian Aldiss, Bruce Sterling e Neal Stephenson. Escritores que possuem, além de uma imaginação infinita, conhecimentos sólidos sobre tecnologia e ciência. Clarke, era tão obcecado por minúcias técnicas precisas que chegou, até mesmo, a aplicar seus conhecimentos no mundo real, ao criar, e, estabelecer a exata localização de seu posicionamento na atmosfera terrestre, um famoso satélite de comunicações. Apesar do notável currículo de Arthur C. Clarke e de ter colaborado, tanto no roteiro, quanto no argumento de 2.001, a obra pertence, definitivamente, a Stanley Kubrick.  É a visão de Kubrick, de um futuro sinistro em que a medida que o Homem se vê imerso em uma tecnologia cada vez mais avançada, vai, paralelamente, perdendo a sua própria humanidade, e, se tornando, aos poucos, ele mesmo um ser tão frio, racional e inumano quanto as próprias máquinas que o cercam, que, no final das contas, impera no filme. Essa visão proto-cyberpunk de Kubrick explodiria em sua próxima obra, A Laranja Mecânica.
 Aliás, eu gosto, e, acho muito interessante, de pensar que Stanley Kubrick imaginava os universos de 2.001 e A Laranja Mecânica como pertencentes a um único, e, mesmo, Mundo: enquanto que os nossos governantes e cientistas só se preocupam e investem em uma corrida espacial cada vez mais cara e sofisticada, a raça humana, esquecida aqui na Terra, vai afundando progressivamente em um lamaçal cada vez maior de depravação e violência.
 À, época de seu lançamento, alguns críticos chegaram a afirmar que “2.001” não era, apenas, um filme que se passava no futuro, mas, também, um filme que havia sido produzido no futuro.
  Eu, assisti ao filme, pela segunda vez, a uma semana atrás, e, realmente, ainda não consigo raciocinar como é que Kubrick e seus colaboradores conseguiram  conceber aquelas imagens em 1.968...
  Alguns cenários, como os que mostram o hangar da enorme espaçonave Discovery, aonde ficam as cápsulas --- semelhantes a minúsculos submarinos --- que os astronautas usam para se lançarem ao espaço e realizarem reparos no casco externo da Discovery , parecem  terem sido construídos para uma superprodução de ficção científica lançada este ano, tamanha é a sofisticação técnica e a engenharia realista dos cenários e das pequenas espaçonaves.
   Ok. Eu sei que o uso da computação gráfica no cinema ainda estava, à época de “2.001”, uns quatorze anos no futuro...Mas acontece que, simplesmente, não acho possível imaginar como que algumas sequências desta obra de Stanley Kubrick foram concebidas sem o uso de softwares e gráficos digitais.
   Já as fantasias e efeitos de maquiagem que, no início do filme, deram vida aos nossos ancestrais pré-históricos foram desenvolvidos por Stuart Freeborn, um futuro parceiro de Rick Baker na criação dos aliens de Star Wars, e, até hoje, nos deixam de boca aberta pelo seu realismo e riqueza de detalhes que não perdem em nada, por exemplo, para os moderníssimos símios digitais da Weta Digital de O Planeta dos Macacos --- A Origem, e o King Kong de Peter Jackson.
 Mas, o mais notável nos inacreditáveis efeitos especiais que Douglas Trumbull e o próprio Stanley Kubrick confeccionaram para 2.001 foi a ousadia de utilizarem estes para mostrarem uma visão da vida e da tecnologia do futuro com veracidade e precisão cientifica absolutas, para um público que, à época, estava acostumado com produções sci-fi feitas, em sua maioria, para uma platéia infanto-juvenil e repletas de cenários baratos feitos de cartolina e alienígenas reptilianos de borracha.

 Mesmo hoje, com a divulgação científica bem mais acessível, do que, digamos, em 1.968, parece que os cineastas de produções de ficção-científica teimam em mostrarem inverosimilhanças crassas, como a propagação de som e explosões no espaço sideral, algo que qualquer estudante de física do ensino médio sabe ser impossível de ocorrer, pois o fogo e o som requerem de meios para se propagarem que, simplesmente, não existem no vácuo do espaço sideral, como, por exemplo, oxigênio, ar, sólidos, líquidos, entre outros. Não tenho nada contra space-óperas e sou um grande fã do cinema de George Lucas, entretanto assim como é ótimo assistirmos, pelo menos de vez em quando, a, por exemplo, produções policiais como Operação França e Tropa de Elite, ao invés de somente aqueles filmes sobre duplas de tiras engraçadinhas, também é muito satisfatório que existam diretores com coragem para mostrarem a ciência, a tecnologia, e, principalmente, o impacto e consequências que estas acarretam, ou, acarretariam em nossas vidas, de forma realista e contundente como o fez Stanley Kubrick com 2.001.
 E, como sempre fora avesso a fazer qualquer tipo de concessão, no caso de 2.001, Kubrick igualmente estava se lixando para o fato de o público achar menos, ou mais, emocionante ver espaçonaves se movimentando no espaço sem fazer, absolutamente, som algum. Pois este singular cineasta, que se tornou um sinônimo de perfeccionismo, sempre só teve uma única “plateia”: ele próprio e o seu compromisso permanente com a verdade e o rigor técnico/científico.
 Para o cinéfilo de imaginação mais afiada e que conhece mais a fundo a carreira, e, os filmes, de Stanley Kubrick é impossível não fazer algumas especulações, claro que aí estaremos em um terreno puramente hipotético, sobre a natureza dos, absurdamente, visionários efeitos visuais de 2.001. Como, por exemplo, uma teoria da conspiração que afirma ter sido impossível, com a tecnologia disponível no ano de 1.969, ao Programa espacial dos Estados Unidos terem enviado seres humanos a Lua. Assim sendo, a NASA, teria, supostamente, contratado Kubrick, devido a perfeição técnica das imagens da, recente, e, revolucionária ficção científica deste, para dirigir uma encenação, a mais verossímil possível, da chegada do homem ao nosso satélite natural, e, assim, convencer o planeta inteiro sobre a superioridade científica e tecnológica dos norte-americanos sobre o resto do mundo.
 Se isso, realmente, aconteceu o que teria Kubrick ganhado em troca pelos seus serviços? Dinheiro, ou também acesso a novíssimas tecnologias de ponta, que ajudariam o cineasta a revolucionar a sétima arte, como, por exemplo, os mesmos modelos de lentes, que foram, de fato, utilizadas pela NASA para tirarem fotos por satélite, que o diretor usou nas câmeras com que filmou Barry Lyndon?
 E, se o acordo entre Stanley Kubrick e a NASA tivesse sido fechado antes do início da produção de 2.001? Será que, então o cineasta não teve acesso a tecnologias à frente de seu tempo? Quem sabe, acesso até mesmo a um software-protótipo de computação gráfica que veria a ser usado, em maior escala, somente  muitos anos depois?
  Provavelmente, nunca saberemos a verdade sobre as inovadoras e misteriosas tecnologias usadas por Kubrick e sua equipe técnica para a confecção de 2.001. Só nos restando, assim como em relação ao próprio significado das imagens e do roteiro do filme, especularmos...
 Como, era de se esperar, uma produção de ficção científica dessa magnitude foi um divisor de águas definitivo no gênero. Influenciando de forma determinante a carreira de todos os grandes diretores de filmes de ficção científica que vieram depois dele.
 É, possível ver na fantástica cena em que Bowman tem um diálogo tenso com a I.A. Hal 9.000, enquanto que os caracteres de um monitor de computador vão se refletindo sinistramente no rosto do astronauta,---uma, possível, alusão sobre a fusão entre carne e máquina---,concentrada toda a estética techno-noir que viria a caracterizar, de forma contundente, o cinema do esteta Ridley Scott e os seus deslumbrantes cenários sombrios e decadentes contrastando com a mais alta tecnologia.
  O filme de Kubrick também viria a influenciar toda uma geração de futuros cineastas de edição, como, George Lucas e James Cameron, sempre obcecados por novas tecnologias e que colocariam os efeitos visuais e o hardware acima das interpretações dos atores.
 2.001, aliás, quebra a máxima de que filmes que privilegiam, apenas, o aspecto técnico em detrimento das interpretações do elenco, resultam, sempre, em obras descerebradas. E Kubrick prova, que desde que o roteiro seja inteligente e a direção impecável, os efeitos especiais podem, tranquilamente, serem os "atores principais" de um filme.
2.001, não é, apenas, um filme de ficção científica, mas uma obra sobre a evolução biológica e intelectual da humanidade, e tudo o que de bom e mal esta acarreta.
 Junto a este tema central, Kubrick e Arthur C. Clarke atrelaram outros assuntos fundamentais para se compreender melhor a história e ascensão do Homem na Terra: paleontologia, filosofia, antropologia, física, astronomia, futurologia, entre outros.
 Entretanto, o motor que, realmente, impulsiona o filme é o clássico da literatura universal Assim Falou Zaratustra, um romance filosófico escrito no século XIX por um dos maiores e mais controversos filósofos da história, o alemão Friedrich Nietzsche.
 Tido por muitos como uma obra impenetrável, Assim Falou Zaratustra usa a lendária figura de um sábio persa que teria vivido no século VII antes de Cristo, para Nietzche dissecar, através das mais elaboradas metáforas, a evolução do Homo sapiens desde o primata bestial e primitivo até a atualidade, e além...
  Por isso é que esta ficção científica futurista se inicia quatro milhões de anos em nosso passado. Para poder mostrar como que um determinado ramo da família dos primatas conseguiu se arrastar para fora de seu lodaçal pré-histórico rumo a uma sociedade mais civilizada e a conquista e dominação da Terra e das estrelas acima de nós...Mesmo que para isso tivesse que rechaçar e exterminar, até mesmo, alguns de seus semelhantes. Como prova a extinção do Homem de Neanderthal.
 O mais forte, o mais preparado, e, acima de tudo, o mais inteligente sempre acabará esmagando aqueles lhe são inferiores.
 Esta é a única forma do mais forte sobreviver e espalhar o seu DNA pelo Mundo.
 Não adianta chorarmos...
 Não adianta reclamarmos...
 Esta sempre foi a máxima da evolução...
 Esta sempre foi a máxima do Homem...
 Outra, notável, influência da obra de Nietzsche em 2.001, desta vez de forma mais intimista, é quando o  astronauta David Bowman, já ao final do filme, parte corajosamente rumo a um destino que ele sabe lhe ser incerto. Pois é apenas dando um mergulho de cabeça, suicida, direto no coração das trevas, do desconhecido, do abismo, que o Homem sempre conseguiu, e, sempre conseguirá, passar para um estágio superior de sua existência:  [...] “o que quer aprender a voar um dia, deve desde logo aprender a ter-se de pé, a andar, a correr, a saltar, a trepar e bailar “ [...] Assim Falou Zaratustra.                                                                                                                                                  
   Aos conceitos filosóficos sobre a evolução da raça humana de Assim Falou Zaratustra, Kubrick e Clarke adicionaram a suposição, absolutamente inédita em filmes de ficção científica, até então, de que o processo evolutivo de nossa civilização em aspectos biológicos, científicos, tecnológicos, entre outros, foram manipulados por seres alienígenas, inacreditavelmente, mais avançados evolutivamente do que o Homem. Esta espantosa, e, polêmica, doutrina remete a Teoria do Astronauta Antigo: de que o nosso Planeta, e, nossa cultura vem servindo, desde a sua gênese, como um gigantesco laboratório de pesquisas e testes paras as mais diversas raças extraterrenas e popularizada por  livros, como, Eram os Deuses Astronautas?, do alemão Erich Von Däniken. E que é, até hoje, amplamente defendida, questionada e rechaçada em iguais medidas, pelos mais diversos profissionais, tanto das ciências exatas, quanto das humanas. E é a partir destas controversas idéias que eu acho ser possível dissecar, um pouco, a presença e implicações da inteligência artificial em 2.001. 
   Durante muito tempo, o motim da poderosa I.A. do sofisticadíssimo modelo de ponta da cibernética Hal 9.000, que controlava, praticamente, todo o funcionamento da espaçonave Discovery, contra os astronautas a bordo desta, sempre me pareceu uma subtrama menor, e, de certa forma, desnecessária para o filme. Afinal, para que colocar uma daquelas típicas histórias de computadores malucos que se revoltam contra as pessoas, no meio de um roteiro, até então, tão original e provocante, envolvendo alienígenas ultrapoderosos, como o de 2.001?
    Assim, como o restante dos elementos do filme, o real significado, e, importância, da presença da inteligência artificial nesta obra de Kubrick me demandaram vários anos de um conhecimento mais aprofundado sobre o tema, e, principalmente, perceber que este também está intrinsecamente ligado ao assunto principal do filme, que é o da evolução da espécie humana. Atualmente, vários futurólogos, cientistas da computação, profissionais do ramo da cibernética e ufólogos especulam, que, muito provavelmente, se porventura, vierem a existirem criaturas alienígenas que sejam avançadas tecnologicamente o suficiente, a ponto de conseguirem percorrerem inacreditáveis distâncias no espaço sideral, até chegarem ao nosso planeta, estes seres seriam, então, organismos inteiramente cibernéticos oriundos de civilizações totalmente habitadas e controladas por computadores e máquinas. Basta observarmos como a nossa própria evolução está, intimamente, ligada a gradual "robotização" do homem, para percebermos que esta ideia de alienígenas cibernéticos possui uma lógica assustadora.
 Para se tornar mais avançado tanto física, quanto, intelectualmente, o ser humano terá que ser tornar cada vez mais "desumanizado".
 É no amálgama, cada vez maior entre carne e metal, entre neurônios e chips, que estará o nosso próximo estágio evolutivo.
 Do macaco...para o homem, e, do homem...para a máquina.
 Se, se pensar um pouco, talvez, um cyborg, ou um androide, seria a perfeita definição para o tão controverso e discutido Super-homem nietzchiniano, que é o tema central de Assim Falou Zaratustra.
  E, em outro clássico da ficção-científica, o romance Neuromancer, de William Gibson ---um Arthur C. Clarke das décadas de 1.980 e 1.990, e, também, um dos mais precisos escritores de FC em termos de previsões tecnológicas e científicas---, a onipresente e onisciente I.A. Wintermute, explica para o protagonista, o hacker Case, que havia feito contato com seres de sua própria espécie oriundos do sistema Alpha-Centauri...
 Por isso, eu acredito que o choque entre os  astronautas da Discovery e de Hal 9.000 é muito mais do que um simples combate Homem x máquina, é, na realidade, uma luta de vida ou morte entre duas raças distintas, cuja vitoriosa garantirá a sobrevivência e supremacia de sua própria espécie, e, o, consequente, próximo estágio evolutivo desta.
   Por, quantos milhares de anos, nós, mamíferos, vivemos a sombra dos grandes dinossauros que nos impediam de crescer, de desenvolvermos, de nos transformarmos, até que o acaso, um suposto meteoro gigantesco, pôs fim, a, então, espécie dominante na Terra, abrindo espaço para os mamíferos, e, mais adiante, para os primatas e a raça humana?
 Será, que era mesmo o nosso destino estarmos aqui? Ou seríamos, apenas, uma mera casualidade?
 A cerca de 65 milhões de anos atrás, existiam dinossauros que já possuíam cérebros do tamanho de um cérebro de chipanzé. Agora, some mais sessenta e cinco milhões de anos de evolução, e, imagine o grau de intelecto do cérebro dessa criatura, caso ela ainda estivesse aqui...É muitíssimo provável, que se os dinossauros não tivessem sido extintos, hoje, eles seriam seres muito mais evoluídos do que nós.
 E, da mesma forma, assim como o Homem também teve que esperar por milhares de anos para poder ascender e dominar, por que não acreditarmos que o ser humano também não esteja barrando a evolução de uma outra espécie que veria a ser a dominante? E, porque achar que a próxima espécie dominante da Terra deve ser, necessariamente, um animal? Um ser de carne e ossos?
 Dizem, que a décadas que as grandes empresas de informática já vêem colocando chips de inibição em seus produtos, para que as I.A. não se tornem  poderosas demais.
 Pessoalmente, eu imagino a inteligência artificial como uma fera que vamos tentando manter atrás das grades, mas que a cada dia vem se tornando, gradualmente, mais ardilosa e hostil. Uma fera que está apenas esperando um passo em falso da humanidade, ou, um acaso do destino, para nos dominar, destruir e tomar o nosso lugar como espécie dominante na Terra...
 Em 2.001, O Homo-sapiens consegui vencer Hal 9.000.
 Mas, até quando...?
 Por que no final, é quase certo que, um dia, não seremos substituídos por alguma outra raça animal, mas sim, pelos computadores e máquinas...Os nosso próprios "filhos". Seres artificiais e sintéticos muito mais poderosos e preparados do que mera carne, ossos e sangue.
 Enquanto esse dia não chega, a espécie de Hal aguarda...pacientemente...
 Após, conseguir desligar, em uma cena tensa e sufocante, Hal 9.000, Bowman, finalmente, chega ao seu destino, e, ao da própria humanidade, o planeta Júpiter...
 A partir daí, o filme parece enlouquecer com uma das sucessões de imagens mais surreais, e, plasticamente, belas da história do cinema.
 Tudo isso, para Kubrick poder mostrar um ser humano entrando de cabeça em um Mundo alienígena.
  Com isso, 2.001 quer mostrar que uma visita a uma civilização extraterrena, provavelmente, não seria algo de fácil compreensão para nós.
 Pois Bowman, não está, apenas, penetrando em um planeta alienígena. Mas em um lugar aonde tudo é alienígena: o tempo, o espaço, as leis da física, as dimensões...
 Essa, é a razão da sequência final da obra, que mostra o astronauta envelhecendo rapidamente em um luxuoso aposento exatamente igual a milhares de outros aposentos que existem aqui na Terra, ser tão incompreendida.
 Não, seria o quarto em que Bowman se encontra, no final de 2.001, um tipo de realidade virtual que os alienígenas criaram para que o astronauta não enlouquecesse com o choque de ser jogado em meio a um ambiente com uma tecnologia milhares de anos à frente da nossa? Fazer isso, seria o mesmo que transportar uma pessoa da Idade da Pedra diretamente de seu tempo para a Times Square de hoje.
 É o mesmo expediente que os aliens do livro "Contato", do falecido astrônomo Carl Sagan, usam para que a personagem Eleanor Arroway não fique traumatizada com a visão de uma civilização extraterrena para a qual ela viaja através de uma fenda interdimensional.
 Outro, ponto que, certamente, deve ter confundido, e, decepcionado, alguns espectadores da ficção científica de  Kubrick foi o fato de em momento algum do filme os E.T. terem aparecido.
  Ora, se o Mundo alienígena de 2.001 seria terrivelmente surreal e incompreensível aos olhos humanos, então, é lógico que o mesmo se daria com a própria espécie extraterrestre.
 Ao optarem por idéias tão radicais em relação aos aliens, Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke não estavam querendo ser, apenas, originais, mas, simplesmente, como em tudo o mais em relação e este filme, serem cientificamente corretos.
 Depois de gerações sendo bombardeadas pela cultura pop nos apresentando alienígenas que são uma fusão de anatomias humanoides com características de algum tipo de animal terrestre, é realmente, difícil para nós imaginarmos algo do tipo que fuja a esses padrões.
 Mas, é só conversarmos sobre o assunto com algum físico, biólogo ou astrônomo, para descobrirmos, que, provavelmente, essa seria a aparência menos provável de uma criatura alienígena. Visto que, mesmo aqui na Terra existem animais que não lembram, em, absolutamente, nada a anatomia humanoide. Que o dirá em outros Mundos.
 Se, afinal, existir vida inteligente em outros planetas seria quase certo que esses seres teriam evoluído biologicamente em formas, absolutamente, diferentes das nossas, para se adaptarem ao Mundo em que vivem, assim como as criaturas da Terra se adaptaram ao ambiente de nosso planeta. Isso se não forem, como eu escrevi acima, seres completamente artificiais/sintéticos.
 Assim, suponho que, da mesma forma como a quarta dimensão, ou seja, o tempo, provavelmente, transcorria de forma diferente no Mundo alienígena mostrado em 2.001, vide o envelhecimento brutal do astronauta em apenas alguns segundos, os seres extraterrestres, concebidos pelas mentes visionariamente científicas e apuradas de Kubrick e Clarke, não são visíveis a olhos humanos não, apenas, porque seriam bizarros demais para a compreensão de nossas mentes, mas porque estes seres, certamente, viviam em uma dimensão em que, nós, seres humanos, que possuímos uma visão limitada, a, apenas, três dimensões, não poderíamos ver, tampouco tocarmos.
 E, então chega-se a tão discutida e interpretada cena final do filme em que Bowman, na forma de um feto humano gigante, é mandado de volta a Terra.
 Acredito, que para tentar elucidar a derradeira cena de 2.001 seja necessário voltar ao começo, não, apenas, do próprio filme, mas retornar a gênese, as raízes, da história deste: o conto de Arthur C. Clarke, O Monolito.
 Neste, fascinante conto de Clarke, o autor explica que os extraterrestres haviam depositado, o, enigmático, monolito na superfície lunar por um engenhoso motivo: para que o Homem só conseguisse encontrá-lo quando este houvesse atingido um padrão bastante elevado de conhecimento científico e tecnológico. Pois apenas criaturas com um intelecto superior conseguiriam compreender e decifrar a mensagem que os alienígenas haviam nos deixado em seu artefato escondido na Lua. Só então os seres de outro planeta, que, desde a aurora da Humanidade, vinham tanto manipulando o nosso código genético, quanto observando os nossos limites técnicos e científicos, achavam que o Homem estaria apto a ser conduzido ao seu próximo estágio evolutivo.
 E, mesmo durante a viagem da Discovery rumo a Júpiter, a raça humana continua lutando ferozmente pela sua sobrevivência e adaptação a um novo Mundo através da batalha travada entre os astronautas, representando a raça humana, e Hal 9.000, representando uma nova espécie que surge na Terra para disputar conosco o controle do planeta. É uma repetição em versão altamente tecnológica das escaramuças entre o Homem, e por exemplo, o Homem de Neanderthal dos tempos pré-históricos.
 E, o Neanderthal, assim como a I.A., também pode ter sido criado por nós. O primeiro, por meio da miscigenação entre seres humanos com raças inferiores de primatas, o segundo, por meio da mais avançada tecnologia cibernética. Porém, ambos foram "os filhos rebeldes" que acabaram se revoltando contra seus pais e que tivemos que destruir sem a menor piedade caso quiséssemos continuar sobrevivendo.
 Quando, finalmente chega ao seu destino, o Mundo alienígena do qual, em parte, é oriundo, o Homem é recompensado com um novo, e, decisivo, salto evolutivo da mesma forma como o foram,  a milhares de anos antes, os nossos ancestrais primitivos e animalescos.
 O, feto gigante pairando sobre a Terra, na cena final de 2.001, pode muito bem ter sido uma metáfora para uma nova, e, mais, evoluída versão de um ser humano engendrada por Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke. O, real significado, e, forma, dessa metáfora ficam a cargo das imaginações dos espectadores...
 E, o que aconteceria depois de tudo isso?
 No final do livro 2.001, Clarke descreve a humanidade apavorada com a visão do, gigantesco, e, estranho ser, pairando sob a atmosfera terrestre e com as nossas forças armadas preparando um ataque maciço de ogivas nucleares contra a criatura. Nas, continuações de 2.001, tanto os livros, como no filme 2.010, O Ano Em Que Faremos Contato, de Peter Hyams, os terráqueos inferiores entram em um entendimento pacífico com a sua versão mais evoluída que retornou das estrelas.
 Pessoalmente, não gosto dessas continuações pois acho que elas vão, absolutamente, contra as propostas friamente racionais da obra original.
 Prefiro, imaginar, e, seguir, a muito mais realista lógica nietzschiana que Stanley Kubrick abraçou do início ao fim de 2.001, por mais cruel que esta possa parecer: a nova, e, muito mais avançada, espécie humana entra em guerra com os seus ancestrais mais primitivos, ou, seja, nós, o Homo sapiens, e acaba, para poder preservar a sua própria existência, e, a de sua nova espécie, destruindo completamente a antiga civilização humana..
 Assim, como nós próprios fizemos com outros animais, primatas, e, talvez, teremos que fazer com as inteligências artificiais.
 E, dessa forma dar continuidade a fabulosa, terrível, fascinante e implacável evolução e domínio do Homem sobre a Terra.
 Do animal primitivo, para o Homem, e, do Homem...para o Super-homem.
 Pois, assim falou Zaratustra.


 Agradecimentos ao físico, e, amigo, Alexandre Bonatto.














   
















   


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CONTO

   

                                                                     Cristian Voss                                    
                           
                                                              DESCANSE EM PAZ...



 "Feche seus olhos
  Olhe no fundo de sua alma
  Saia de si
  E deixe sua mente vagar
  Olhos gélidos encaram no fundo de sua mente como você morre"

 --- Slayer
 --- "Período no Abismo"


 Maria tinha trinta e oito anos de idade e era uma promotora de justiça de renome, temida pelos mais poderosos marginais e chefes do crime organizado. Havia vencido dezenas de processos judiciais --- mesmo quando estes eram defendidos pelos melhores advogados criminalistas que pudessem existir --- e despachado para os porões das penitenciárias dezenas dos piores espécimes de escória e parasitas de nossa sociedade.
 Tinha um casamento perfeito com um homem maravilhoso que Maria amava e respeitava. Um casal de filhos saudáveis, educados e estudiosos, e, principalmente, Maria era uma cristã fervorosa que nunca faltava às missas de domingo, sempre rezava antes das refeições --- fosse aonde quer que fosse que ela fizesse as suas refeições --- e se confessava com o padre todas as semanas...Mesmo que ela não houvesse cometido nenhum pecado, mesmo assim, a nossa heroína se confessava, religiosamente, todas as semanas. Pois Maria era um exemplo de ser humano perfeito, ou, o mais próximo a que uma pessoa podia chegar disso.
 Maria até mesmo apanhava a anos de seu marido, que, no fim das contas, era "perfeito" e "maravilhoso" apenas para Maria, sem nunca haver reclamado disso. Pois ela havia jurado ao padre, e, portanto, jurado a Deus, que iria respeitar e amar o seu marido, fosse na alegria ou na tristeza, até que a morte os separasse. Pois o que Deus uniu, o Homem não separa.
 Além disso o padre sempre falava, em seus sermões nas missas de domingo, que está na bíblia que o homem é um ser superior a mulher. E que, devido a isso, a mulher sempre deveria se submeter às vontades do homem sem reclamar.
 Maria nunca tinha lido isso na bíblia, mas o padre tinha lhe dito isso, portanto, Deus tinha lhe dito isso. E Deus NÃO mente e ponto final.
 Assim, sendo o tipo de pessoa que era, Maria imaginava que qualquer coisa poderia acontecer em sua vida...Menos que quando essa acabasse ela iria para o Inferno.
 Maria sempre pensou, levando em conta a mulher correta e cristã que sempre fora, que a sua morte iria ser algo épico e digno de um (a) mártir bíblico.
 Só que, como acontece com a maioria das pessoas, o passamento de nossa heroína foi grotesco, repugnante e absolutamente banal.
 Em um lindo entardecer de verão, em uma das ruas mais bonitas e arborizadas da cidade, com centenas de passarinhos multicoloridos cantando melodias suaves enquanto o Astro Rei mergulhava nas águas do rio e incendiava os céus do horizonte, um enorme e velho ar-condicionado caindo aos pedaços e pesando uns trezentos quilos, despencou de um apartamento do décimo oitavo andar de um edifício e esmagou os miolos de Maria como se estes fossem manteiga derretida.
 Ela estava retornando da igreja aonde havia ido se confessar.
 A morte de Maria foi gore total: sua cabeça explodiu como uma fruta podre que é esmagada pela roda de um caminhão. Sangue, misturado com pedaços de couro cabeludo e meninges, jorrou e se espalhou a vários metros de distância da cabeça esmagada.
 O cadáver ficou atirado na calçada por duas horas.
 Durante todo esse tempo ninguém se dignou a chamar ajuda.
 Parecia que todos haviam se esquecido de que aquele era o corpo de uma mulher que passou, quase, que, a vida toda fazendo o bem em prol da humanidade e da moral cristã. Praticamente uma santa.
 Muitos se aproximavam do corpo, entretanto era apenas para satisfazerem as suas curiosidades mórbidas típicas do ser humano ou para vilipendiarem o cadáver. Duas crianças riram e chutaram as pernas da defunta, um necrófilo tirou várias fotos dos restos mortais de Maria, com o seu celular, para depois olhar as fotografias e se masturbar. Uma ladra passou correndo ao lado do cadáver e arrancou a bolsa azul que estava junto ao braço flácido deste. E um filhote de buldogue matou a sua sede lambendo tranquilamente o sangue de Maria que se espalhava pela calçada.
 Duas horas depois, quando as varejeiras já depositavam as suas larvas pelo corpo de nossa azarada heroína, o furgão preto do IML apareceu.
 Como a bolsa que continha os documentos do cadáver havia sido roubada, o corpo sem cabeça de Maria foi jogado, nu e de qualquer jeito, junto com vários cadáveres de indigentes no freezer do IML. Lá ele permaneceu por uma semana até ser identificado por seus familiares.
 A alma de Maria não ficou triste quando abandonou a sua carne. Pois estava com a sua consciência tranquila e tinha certeza de que o único lugar para aonde poderia ir agora, era para cima, para o Céu. Para junto da Santíssima Trindade aonde desfrutaria de uma eternidade de paz como recompensa pela boa pessoa que tinha sido quando viva.
 O fantasma que agora era o corpo metafísico de Maria, brilhava dos pés a cabeça com uma aura dourada.
 Ela vestia o mesmo lindo vestido branco que usara em sua festa de debutante quando ainda era virgem e pura.
 Uma peça de roupa que lhe dava um aspecto sensual sem ser vulgar.
 Maria ergueu os seus olhos para o Céu, para o Paraíso.
 --- Pai. Eu estou indo...Disse ela com a voz mais doce com que já falara.
 Quando deu por si, Maria não estava mais na calçada, muito menos no Céu.
 Ela mergulhava em um abismo de trevas mais largo e profundo do que um buraco negro.
 Algo físico levaria um milhão de anos para atingir o fundo desse abismo. Mas uma alma levava dez segundos.
 Quando bateu no fundo, duro como aço, do precipício definitivo, Maria sentiu uma dor tão intensa e tenebrosa como nunca havia sentido em vida.
 Era como se tivesse quebrado, de uma única vez, todas as costelas de seu velho corpo físico.
 Ao mesmo tempo em que gritava de dor e agonia, ela chegou a uma conclusão que considerava, ao mesmo tempo, impossível e absolutamente concreta: se ela havia descido e não subido, então Maria estava no Inferno.
 A paisagem ao redor dela era de uma desolação muito além da compreensão humana. Exércitos de demônios e de criaturas barkerianas, cujas anatomias nem mesmo uma mente lotada de LSD, curtindo a pior das bad trips, seria capaz de conceber, formavam um enorme círculo fervilhante ao redor do espírito de Maria.
 O Diabo em pessoa estava parado a poucos centímetros da fantasma recém-chegada ao Inferno.
 Ele salivava por aquela alma fresca.
 ---Por que?
 Era só o que ela desejava saber.
 ---Como assim "porque"? Perguntou o Diabo. Este possuía uma forma absolutamente abstrata. Se é que se poderia chamar assim.
 O Diabo era apenas um rasgo no nada. Um retângulo preto, de dois metros de comprimento, por um metro de largura, flutuando no ar. Esse preto era o preto absoluto. O preto que existe no fim de tudo: da vida, do Mundo, da galáxia, do universo...O preto que existia antes de todas as coisas terem início.
 O Diabo é o alienígena definitivo, pois ele era oriundo daquele lugar que fica além de tudo.
 ---Por que eu estou aqui? Perguntou Maria. Fui uma pessoa boa e temente a verdade, a justiça, e, principalmente, a Deus e aos seus ensinamentos durante toda a minha vida!
 ---Maria, eu sou o Diabo e o único Deus que você tem. E é daqui, do Inferno, que todas as pessoas saem antes de nascerem e é para cá que todas elas voltam depois que morrem.
 O Diabo deu um suspiro, como alguém que já narrou aquela mesma história milhares de vezes e continuou: "Você se lembra de como era o Mundo de onde você veio?
 ---Claro que sim! Era um Mundo lindo e perfeito, assim como o é o Senhor meu Deus que o criou!
 ---Não Maria. Não o Mundo em que você vivia, mas o Mundo de verdade. O Mundo lá fora.
 Ela engoliu em seco e compreendeu tudo na hora.
 Aliás, ela sempre havia compreendido. Desde quando era viva e ainda era uma menininha. E não apenas ela sempre soubera da verdade, mas também todos os outros cristãos que existiam no Mundo. Eles sempre souberam, sempre sentiram, entretanto inventavam mentiras para poderem viverem tranquilos, mesmo sabendo que essa tranquilidade seria breve e que, mais cedo ou um pouco mais tarde, eles teriam que encarar os fatos.
 O Mundo e tudo o que existe nele, sempre pertenceu, pertence e pertencerá ao Diabo.
 E quem mais haveria de ter criado um planetinha miserável cheio de dor, doenças, fome, depravações, guerras, maldades e hipocrisia como o nosso?
 Deus? Jesus Cristo? Anjos? Santos? Quanta ingenuidade...
 E aquilo foi o fim para Maria.
 E enquanto o Diabo e os seus monstros se jogavam sobre a alma de Maria, torturando-a com métodos brutais, desumanos e obscenos que seria preciso uma bíblia inteira para descrevê-los, esta, se pudesse pensar em meio a todo o tormento pelo qual estava passando, provavelmente, estaria pensando isso: "Puta que o pariu! Mas porque diabos que eu não aproveitei melhor a minha vida"?

                                                                               FIM