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I TRE VOLTI DELLA PAURA: O HORROR, PEDAÇO A PEDAÇO...

 Herdeiros das revolucionárias HQS de horror Tales From The Crypt e Creepy  das editoras E.C. e Warren respectivamente e das seminais séries de tv Além da Imaginação (Twilight Zone) e Galeria do Terror (Night Gallery) do genial Rod Serling, os longas de terror divididos em episódios independentes ou interligados, à décadas, são uma tradição no Cinema Fantástico.
 De Creepshow (EUA/1982): uma união de forças entre George Romero e Stephen King que homenageava os gibis da E.C. e Contos da Escuridão (Tales From the Dark Side, EUA/1990) de John Harrison, que também tem a mão de Romero, pois é baseado em uma série de televisão homônima criada pelo pai dos zumbis modernos na década de 1980, passando pelo oriental Três Extremos (Saam Gaang Yi, Japão/Hong Kong, 2004), que junta três dos maiores realizadores do Cinema Fantástico Asiático: Fruit Chan, Park chan-wook e Takashi Miike, e Grindhouse (EUA/2007) da dupla Rodriguez/Tarantino,  chegando aos recentes ABC da Morte (ABC of Death/EUA, 2012) e VHS 1 e 2 (EUA/2012/2013) que são um verdadeiro quem é quem entre os diretores mais talentosos e sádicos em se tratando de ação, horror e ficção científica do cinema atual.
 Todas essas produções, em maior ou menor grau,  deixaram sua marca na trajetória do Horror Episódico nas telas. Algumas pela sua incontestável qualidade, outras por uma indisfarçável mediocridade.
 Entretanto, o exemplo mais paradigmático dessa irregular estirpe cinematográfica é o italiano As Três Máscaras do Terror (I  Tre Volti Della Paura/1963) dirigido pelo titânico cineasta Mario Bava. Tanto os estudiosos da obra do diretor quanto os aficionados por As Três Máscaras do Terror já estão cansados de ouvirem falar que a versão em inglês do título do filme inspirou os integrantes originais do Black Sabbath a renomearem sua banda, que então se chamava Earth, e a partir de então entrarem para a história do rock pesado. Portanto, não vou me ater muito a este tópico. Até porque I Tre Volti Della Paura é mais do que, "simplesmente", a película que emprestou seu título a primeira, e uma das maiores, bandas de heavy metal de todos os tempos. Muito mais...
 Fragmentado em três funestos e aterradores episódios distintos este quinquagésimo terceiro longa do, já então veteraníssimo Bava, teve como base para todos os seus segmentos obras literárias de diferentes autores.
 Acredito que aqueles que, a exemplo de mim, além de cinema e produções de horror também sejam entusiastas de literatura devem ter ficado arrebatados quando leram nos créditos de As Três Máscaras do Terror os nomes "Tolstói", "Chekov" e do escritor francês proto-lovecraftiano "Guy de Maupassant", autor do incrível conto O Horla.
 Como os créditos não especificavam qual episódio do longa correspondia a obra de qual autor tive que consultar o expert Paulo Blob Teixeira que é crítico e resenhista dos sites Boca do Inferno e Gore Boulevard.
 Segundo Paulo, a coisa está estruturada da seguinte forma: o primeiro episódio, O Telefone (Il Telefono), seria, supostamente, basado em um conto de Maupassant, entretanto algumas fontes o creditam a um caliginoso escritor norte americano chamado F.G. Snyder. Agora atenção fãs de Guerra e Paz e de Literatura Russa: o tal Tolstói, cujo conto A Família do Wedalak serviu de base ao segundo episódio O Wurdulak ( I Wurdulak), não é o Leon e sim Aleksei Tolstói, que era primo do cara.
 Da mesma forma o terceiro, e derradeiro, episódio, A Gota D'Água ( La Goccia D Acqua), não é de autoria de Anton Chekov, mas sim de seu irmão, Ivan Chekov.
 Entretanto, isso não desvia nem por um milímetro sequer I Tre Volti Della Paura do que ele realmente é: uma obra prima da cabeça aos pés.
 O primeiro episódio, O Telefone, que inicia após uma breve introdução do mítico Boris Karloff que apresenta o longa ao espectador no melhor estilo Rod Serling em The Twilight Zone, é um mini giallo que, em cerca de trinta minutos, consegue concentrar todas as principais características do gênero: o assassino absolutamente impiedoso, o amalgama entre perversidade e sensualidade e aquela sofisticadamente maldosa condução do suspense a lá Hitchcock que não tem pena em levar a tensão e o medo do espectador ao limite do insuportável.
 Uma inesperada reviravolta e um implícito, mas excitante, envolvimento homossexual entre as protagonistas fecha O Telefone com chave de ouro.
 No segundo capítulo, O Wurdulak, Mario Bava mergulha no mesmo magnífico ambiente gótico medievalesco de seu La Frusta e il Corpo, lançado logo após As Três Máscaras do Terror.
 É a partir deste episódio que o sobrenatural invade o filme de forma gélida e implacável. Com o diretor trocando o medo do, à época, moderno giallo pelo primitivo arrepio na espinha proporcionado pelo romantismo tétrico de obras como Frankstein e Drácula. A trama gira em torno de uma família assombrada por vampiros, os tais wurdulaks do título, numa cabana perdida, pelos nomes dos personagens em alguma região selvagem e/ou rural da Rússia, em meio a névoas fantasmagóricas, montanhas desoladas, florestas escuras e ruínas de castelos ancestrais. A beleza plástica de O Wurdulak é estonteante e macabra nos mínimos detalhes. Impossível afirmar quais os tipos de cenários deste segmento são os mais horripilantes: as locações naturais ou as cenas gravadas em estúdio.
 A fotografia ultra dark de Ubaldo Terzano e do próprio Mario Bava é tão densamente escura que se torna quase palpável, iluminando apenas os momentos mais aterradores como faces distorcidas pelo medo intenso e os olhares e expressões predatórios dos vampiros.
 Tudo isso faz de O Wurdulak uma daquelas obras de horror niilistas e inclementes, onde nem mesmo crianças pequenas são poupadas, quando já sabemos, desde os primeiros segundos de exibição, que as coisas vão acabar muito, mas muito mal.
  Como a cereja do bolo, o episódio traz novamente Boris Karloff como o vampiro patriarca em uma interpretação que, mesmo nos momentos que beiram a canastrice, nos transmite uma agoniada sensação de perigo iminente e medo perpétuo.
   A Gota D'Água, o segmento que fecha I Tre Volti Della Paura, marca outra guinada estética e temática em relação aos dois episódios anteriores.
   Se o principal aspecto de O Wurdulak era a escuridão quase impenetrável de suas imagens em um cenário rústico e selvagem, A Gota D'Água é um gótico urbano. Com ambientes sombrios sendo rasgados por fachos de luzes enjoativos e multicoloridos que parecem serem projetados por um estroboscópio enlouquecido. Uma chuva incessante, trovões e anúncios de neon que piscam sem parar sob os telhados de prédios soturnos conferem ao curta um look de noir futurista que antecipa o visual de Blade Runner.
  Enquanto que a história de O Telefone parecia ter saído diretamente das sarcasticamente sangrentas páginas das HQS policiais e de crime da E.C. como Shock Suspenstories, agora Bava bebe diretamente da fonte dos títulos de horror sobrenatural da editora, tais como The Haunt of Fear e Tales From The Crypt.
  Todos os três episódios de As Três Máscaras do Terror são fascinantes e envolventes, entretanto este último é absolutamente impecável e de uma precisão egrégia. Aqui a mistura entre horror e suspense, que beirava a perfeição nos capítulos anteriores, atinge a sua exata fusão.
   É assombrosa a forma como, neste segmento, o diretor consegue extrair toneladas de medo e tensão utilizando, praticamente, um único personagem envolvido em situações banais do cotidiano como, por exemplo, a água que pinga de uma torneira mal fechada.
   O epílogo de As Três Máscaras do Terror, assim como seu prólogo, é apresentado por Karloff, que em uma rápida sequência que mostra o making off da produção, nos arranca de supetão do mundo de I Tre Volti Della Paura de forma cínica e debochada. Um mundo feito de um aterrador jogo de luzes e sobras e habitado por assassinos, fantasmas vingativos e monstros infanticidas.
 Como eu já havia mencionado em minha postagem sobre La Frusta e il Corpo, os filmes do cineasta italiano Mario Bava (1914-1980) são verdadeiras aulas de cinema. Infelizmente este magnífico cineasta é ignorado até mesmo entre muitos fãs de horror e Cinema Fantástico. Fãs estes que babam ao elogiarem várias produções recentes de suspense e terror sem saberem que, muitas delas, devem muito a obra de Bava.
  Só mais uma coisa: ao terminar de ler esta resenha, leitor, certifique-se de que as portas e janelas de sua casa estão bem trancadas. E muito cuidado ao passar perto de alguma sombra, pois pode ter um vampiro, ou algo pior, escondido dentro dela. Parafraseando Bóris Karloff no prólogo de As Três Máscaras do Terror: Essas criaturas existem. E adoram sugar o sangue dos vivos...