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AS CRIAS DE HITCHCOCK

 O thriller, o gênero que é composto pelas duas linhagens mais radicais e temidas do cinema e da literatura: o horror e o suspense, teve, entre seus fundadores na sétima arte, vários gênios que pariram os cânones da categoria.
 Entre estes notáveis artesãos do medo podemos destacar os germânicos do expressionismo alemão: Robert Wiene ( O Gabinete do Doutor Caligari/Das Cabinet des Dr Caligari/1920), F. W. Murnau (Nosferatu, Uma Sinfonia do Horror/Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens/1922) e Fritz Lang (M, o Vampiro de Dusseldorf/(M)/1931), o francês Henri-Georges Clouzot (As Diabólicas/Les Diabolique/1955), entre outros.
 Entretanto, entre os inventores do thriller aquele que mais inovou o gênero deste, tanto em aspectos temáticos quanto técnicos, foi o inglês Alfred Hitchcock (1899-1980).
 Os cineastas citados acima, como já mencionado, construíram os alicerces atemporais e inquebráveis das produções de suspense e horror. Mas foi Hitchcock quem ergueu as paredes. Foi ele que a golpes dos mais inacreditáveis e perturbadores movimentos de câmera lapidou o formato final do thriller. Que criou a estética e imprimiu identidade a esse estilo maldito de cinema. Foi o velho gorducho quem ensinou aos cineastas do gênero que vieram após ele onde deveriam enfiar o zomm da câmera para que uma cena de assassinato ficasse a mais doentia e insuportável possível, como se deve montar de forma perfeita uma longa sequência de suspense para que o espectador veja a morte não apenas nos calcanhares dos personagens dos filmes, mas que a sinta escondida dentro de sua própria sombra depois que a sessão acabou e ele está passando por um beco escuro a caminho de sua casa.
 Foi Hitch, afinal, que ensinou aos cineastas do mundo todo a transformarem o alívio da catarse do espectador em um exercício de exorcismo provocado por injeções de adrenalina pura.
 Mas Hitchcock fez ainda mais. Assim como Stanley Kubrick e George Lucas, com 2001 e Star Wars, respectivamente, não inventaram a ficção científica nas telas, entretanto estabeleceram novos padrões para o gênero que são seguidos até hoje em produções sci fi, Blackmail (1929), a primeira obra de Hitch, embora não tenha propriamente parido o thriller, mudou para sempre a forma como a violência, o medo e o choque visual eram construídos  no cinema e criou um novo marco zero de uma futura escola e linhagem de diretores e filmes ligados ao horror e ao suspense.
 E a etnia hitchcockiana deu origem a uma grande família de produções maníacas em que a cada nova geração um renovado ciclo de filmes e cineastas forçavam os limites do thriller a avançarem em direção a horizontes cada vez mais amplos em termos de ousadia técnica, truculência, sangue, tripas e depravação.
 Uma dessas primeiras gerações de thrillers pós-Hitchcock, foram os krimis. Produzidos na Alemanha no final da década de 1950, os krimis sempre giravam em torno de homicídios e assassinos. A Partir de 1969, com o intuito de baixar os custos de produção, os realizadores alemães dos kriminalfilm  se uniram aos estúdios italianos.
 A união dessas películas policiais alemãs com o sempre arrojado cinema italiano, que por essa época já possuía várias pérolas do Cinema Fantástico como o visionário Planeta Dos Vampiros (Terrore Nello Spazio/1965), de Mário Bava, resultou em um coito sadomasoquista que deu à luz a uma das mais insanas e geniais descendências de thrillers: o giallo.
   Embora alguns experts em giallo, como o autor do texto de onde tirei as informações dos dois últimos parágrafos acima, afirmem que os realizadores dos krimis tenham se associado ao Cinema Italiano em 1969, outros pesquisadores do assunto endossam que o amálgama entre esses thrillers alemães com produtores e diretores italianos tenha ocorrido ainda antes através do krimi alemão, mas que acabou sendo realizado na Itália, Olhos Diabólicos (La Ragazza Che Sapeva Troppo), de 1963. Esse filme em P&B dirigido por Mario Bava pode ser considerado um proto-giallo, pois apesar de esteticamente não se enquadrar no gênero, já possuía características dos giallos em termos de conteúdo. Já a primeira produção a assumir aspectos, tanto em termos de roteiro, quanto de visual, do estilo foi o curta metragem O Telefone (Il Telefono) primeiro capítulo do longa metragem episódico, As Três Máscaras do Terror ( I Tre Volti Della Paura). Filme italiano também lançado em 1963 e igualmente comandado por Mario Bava. O Telefone, ao contrário de Olhos Diabólicos, já possuía todos os cânones do giallo: assassinos psicopatas implacáveis, facas tão afiadas que chegam a brilhar, sensualidade feminina e fotografia lisérgica. Já em termos de longa metragem, o primeiro giallo em sua forma final com todos os seus símbolos, também dirigido pelo onipresente Bava, ocorreu um ano depois com Seis Mulheres Para o Assassino (Sei Donne per I'Assassino/Itália, 1964).
  O curioso quanto ao giallo é que em seu país de origem o termo é utilizado para classificar qualquer espécie de filme de suspense e não apenas as produções que possuem as características do gênero, como assassinos com luvas negras, mulheres semi nuas sendo destroçadas, etc. Essa expressão usada para designar esse tipo de produção em específico é utilizada por críticos e fãs estrangeiros e não italianos.
  Enfim, desde suas raízes na década de 1960 vários dos mais importantes diretores italianos ligados ao Cinema Fantástico e ao thriller flertaram com o giallo: Mario Bava, Umberto Lenzi, Lucio Fulcie, entre outros.
  Entretanto, houve um destes cineastas que elevou o giallo a condição de obra de arte e também foi aquele que mais aproximou o gênero da perfeição técnica hitchcockiana: Dario Argento.
  Embora tenha dirigido algumas produções voltadas para o horror sobrenatural foi no giallo que Argento, nascido em Roma em 1940 e hoje com 75 anos de idade, se notabilizou e construiu sua fama a ponto de seu nome ser, praticamente, sinônimo do gênero.
  De todos os cineastas "filhos" de Alfred Hitchcock, Dario Argento, ao lado do norte americano Brian de Palma, é o mais fiel discípulo do mestre.
  E é a estréia de Argento: O Pássaro Das Plumas De Cristal ( L'uccello Dalle Piume Di Cristallo/ Itália, 1970), longa que abre a Trilogia dos Animais que se completa com O Gato de Nove Caudas (Il Gatto a Nove Code/Itália,1971) e Quatro Moscas Sobre Veludo Cinza (4Mosche Di Velluto Grigio/Itália, 1971) todos dirigidos por Dario Argento, uma obra incrível e visionária, o principal foco desta postagem.
  Já em seus primeiros momentos de exibição, O Pássaro Das Plumas de Cristal demonstra brilhantemente porque é um legítimo herdeiro da obra hitchcockiana: é primoroso dos pés à cabeça do ponto de vista técnico.
  O longa inicia com uma estilosa sequência que nos mostra, através da objetiva de uma câmera fotográfica, as imagens de uma bela mulher. Ouve-se o clique da foto sendo batida, a imagem da mulher congela. A continuidade da sessão de fotos é intercalada por outra que expõem as mãos de alguém trabalhando na revelação das fotos. Tudo embalado por uma trilha sonora sincronicamente sensual e misteriosa.
  Um corte abrupto deixa a tela inteiramente negra, ao fundo, ouvimos um grito de pavor, dor, agonia de uma mulher.
  Em poucos minutos, e sem um único diálogo ou monólogo sequer, fomos testemunha de todo o modus operandi de um assassino em série. Brilhante, cinematograficamente falando, para dizer o mínimo.
   Essa sequência inicial de O Pássaro das Plumas de Cristal, antecipa todo o restante da película e entrega a sádica intenção de Argento: colocar o espectador "dentro" da pele, tanto do predador, quanto de suas presas. Para que sintamos tanto a dor das vítimas, quanto o prazer doentio do assassino.
   Após esse prólogo que faz questão de nos mostrar de forma concomitantemente elegante e abrupta a que o filme veio, somos apresentados a trama em si: o escritor norte-americano Sam Dalmas (Tony Musante), em companhia de sua namorada Júlia (Suzy Kendall), viaja para a Itália e lá é testemunha de uma violenta e misteriosa tentativa de assassinato.
   A partir daí, o roteiro de O Pássaro das Plumas de Cristal vai gradativamente, a medida em que Sam vai ficando tão obsessivo em sua caça pelo maníaco quanto este por suas vítimas, se tornando cada vez mais labiríntico, intrincado e patológico. Um angustiante jogo de gato e rato repleto de reviravoltas, pistas falsas e homicídios sinistros.
   Uma das principais inovações, ao meu ver, da estréia de Argento é a sua fotografia. Antecipando a iluminação que Jan De Bont imprimiria ao thriller erótico Instinto Selvagem, de Paul Verhoeven, o lendário iluminador romano Vittório Storaro (Apocalipse Now, O Último Imperador), indicado quatro vezes ao oscar de melhor fotografia e vencedor na categoria por três vezes, inunda as cenas deste histórico giallo com uma fotografia límpida e fulgurante. Assim, da mesma forma que De Bont e Verhoeven fariam mais de vinte anos depois com o quase hardcore, Basic Instinct, Argento e Storaro, surpreendentemente, usam imagens claras e reluzentes para contarem uma história sombria e deprimente sobre loucura e assassinato.
   Entretanto, ao contrário do que muitos podem imaginar, a escolha deste tipo de fotografia não compromete o clima de mistério sangrento de O Pássaro das Plumas de Cristal. Pelo contrário, ao optar por inserir os crimes do psicopata no interior de tomadas repletas de luz só tornam as cenas de violência ainda mais explícitas e intensas. Um exemplo disso é a sequência em que Sam observa impotente ao, quase, assassinato de uma mulher, a primeira vítima do psicopata. Filmada em um cenário amplo, bem iluminado e em tomadas abertas, ao contrário dos usuais ambientes tétricos e lúgubres típicos de cenas de crimes em filmes de suspense. Ao jogar o ato de perversidade na cara do espectador da forma mais cristalina possível, Dario Argento e seus colaboradores comprovam seus intentos já explicitados na cena de abertura: nos transformarem em voyeurs sadomasoquistas.
  Mas isso não quer dizer que essa opção por imagens claras seja uma constante em O Pássaro das Plumas de Cristal, ou que Argento e Storaro não saibam trabalhar com estéticas mais brumosas e fúnebres.
  Embora a maioria das tomadas diurnas tenham sido fotografadas de forma perturbadoramente visível, a única exceção a essa regra foi construída de maneira não menos aterradora. Na sequência em que o escritor é perseguido nas ruas pelo matador em plena luz do dia uma névoa tão densa quanto aquela que ocultava as míticas eviscerações de Jack, o Estripador tomam conta do ambiente e envolvem caçador e caça em uma atmosfera quase surreal de conto de fadas macabro e mistério sobrenatural. Como se o assassino vomitasse no mundo real as mórbidas e distorcidas brumas que preenchem sua psiquê. Expressionismo/noir puro!
 E se na cenas "abertas" e claras, Argento e Storaro se valem de toda a transparência do ambiente para explicitarem a brutalidade e frieza dos atos de violência, nas sequências noturnas e filmadas em espaços reduzidos diretor e iluminador, igualmente, se valem das estéticas desses locais para fazerem os espectadores suarem frio.
 Se os crimes vistos por lentes cinematográficas limpas e claras se assemelham a verossimilhança repulsiva dos assassínios mostrados em telejornais e programas de tv sensacionalistas, as tomadas noturnas e escuras do filme, por meio das trevas pesadas e claustrofóbicas que escondem o assassino, fazem a nossa imaginação correr solta. Se antes, as cenas nos chocavam e assustavam por deixarem bem claro que aqueles atos animalescos eram cometidos, provavelmente, por um ser humano, agora, o negrume que envolve os personagens, e vítimas, dão a sensação de estarem, mesmo quando em espaços abertos, emparedados por uma caliginosidade sufocante. Os abismos de escuridão que engolem as, outrora, iluminadas imagens do mundo de O Pássaro das Plumas de Cristal também mudam nossa percepção sobre o vilão. Agora, aquilo que antes nos fazia crer de que os assassinatos eram cometidos por um indivíduo comum, a luz, desapareceu e a noite e as sombras sempre fazem que o que já era ruim, fique muito pior... Súbito, graças as trevas que envolvem tudo, o criminoso pode vir a ser, de uma hora, para outra, um lobisomem, um vampiro, um fantasma, o próprio Satanás! Por isso que as sequências noturnas do filme são as que mais, embora nunca ocorra nenhum evento paranormal, conferem a este thriller uma aura de horror sobrenatural. Isso fica evidente na tensa sequência em em que Sam é perseguido à noite pelo, suposto, serial killer em um estacionamento deserto. O horror da cena é ainda mais amplificado pelos cortes rápidos da edição, congelamentos de imagens e por uma surreal trilha sonora que mistura um jazz sinistro com gemido femininos, que ora parecem de prazer, ora de agonia, ora de ambos. Tudo isso contribui para que tenhamos a incômoda sensação de que a qualquer segundo o perseguidor de Sam poderá trocar seu revólver por garras afiadas e caninos licantrópicos que irão brotar de suas mãos e gengivas.
 Outro inesquecível exemplo de estupenda fotografia de O Pássaro das Plumas de Cristal, é quando, em uma de suas incessantes perseguições/fugas ao/do assassino enlouquecido, Sam para na entrada de um corredor escuro. Nada demais para um longa de terror e suspense, no entanto, nas mãos de dois mestres do cinema como Argento e Storaro esta típico e usual recurso dos thrillers para provocar sustos vulgares aos espectadores se transforma em pura arte digna dos delirantes trabalhos surreais de Salvador Dalí. Após enquadrar o apavorado escritor na porta do túnel, a câmera de Argento vai se afastando do ator e adentrando cada vez mais no interior da galeria subterrânea até que toda a tela se torne uma parede de de trevas absoluta enquanto que, paralelamente, Sam se transforme em uma pequena silhueta emoldurada por um insignificante retângulo de luz.
 Trata-se de uma sequência realizado de forma tão singularmente estilizada que temos a impressão de estarmos assistindo não mais a um longa live-action, mas a um desenho animado. A sensação de profundidade impregnada a esta cena é espantosa. Temos a impressão de que nós mesmos, espectadores, estamos adentrando em um sinistro corredor de pura escuridão e mistério. Esta sequência, da mesma forma como a do ermo estacionamento, nos passa uma sensação de que o sobrenatural está prestes a dominar o longa. As trevas que se agigantem cada vez mais na tela, em detrimento da luz que emoldura a figura de Sam, parecem nos dizerem que aquele é muito mais que um simples corredor, é um portal para o Inferno, ou para o interior da mente distorcida do psicopata, habitado por monstros dantescos cuja maldade está muito além de nossa imaginação. Aqui, Argento  quer nos mostrar a pequenez da sanidade luminosa de Sam em comparação com a escuridão titânica da alma enlouquecida do assassino.
 Outra colaboração decisiva, além de Storaro, para a qualidade de L'uccello Dalle Piume Di Cristallo foi a do, também italiano, prolífico Ennio Morricone. Morricone construiu seu lugar de honra na Sétima Arte ao compor uma infinidade de inesquecíveis trilhas sonoras épicas e eletrizantes para vários clássicos dos mais variados gêneros. das memoráveis soundtracks dos spaghetti westerns de Sérgio Leone, passando pelos tétricos sintetizadores da melhor fusão thriller/ficção científica de todos os tempos: O Enigma de Outro Mundo (The Thing/EUA, 1982), de John Carpenter, até a empolgante música-tema de Os Intocáveis ( The Untouchables/EUA, 1987), de Brian de Palma, entre muitos outros sucessos.
  Para O Pássaro das Plumas de Cristal compôs uma trilha complexa que vai da música clássica ao jazz misturados a discretos, mas marcantes corais femininos que transmitem um angustiante clima ambíguo de pavor e sensualidade. A eclética mistura de sensações que o trabalho de Morriconi nesta obra de Argento nos transmite é impressionante e, a exemplo de Riz Ortolani em Cannibal Holocaust, nos desconcerta nos momentos em que usa composições melodiosas e românticas para servirem de prenúncio para assassinatos violentos. Cinicamente genial!
  O conterrâneo de Morricone, Pino Donaggio, também utiliza, em alguns momentos, esse mesmo recurso de trilha sonora sexy e romântica para um filme sombrio e sangrento em Vestida Para Matar (Dressed to Kill/EUA, 1980), dirigido por outro esteta do suspense/horror, o norte americano Brian de Palma.
  Aliás, é notável a semelhança entre as soundtracks de O Pássaro das Plumas de Cristal e Vestida Para Matar. E as analogias entre as duas obras vão além da trilha sonora. A claustrofóbica sequência do homicídio de uma mulher dentro de um elevador no filme de Argento foi, dez anos depois, copiada quase na íntegra por De Palma em uma cena-chave de Dressed To Kill. A maioria dos críticos sempre faz questão de frisar a grande influência da obra de Alfred Hitchcock nos estilo de Brian De Palma, entretanto poucos são aqueles que percebem a gigantesca sombra de Dario Argento, que, por sua vez, também paga um alto tributo aos clássicos de Hitchcock, sobre os filmes do célebre diretor de Carrie, A Estranha (Carrie/EUA, 1976) e Dublê de Corpo (Body Double/EUA, 1984). Alguns especialistas em Cinema Fantástico Italiano até chegam a afirmar que Vestida Para Matar nada mais é do que um giallo feito em Hollywood.
 Embalando tudo isso, temos, em O Pássaro Das Plumas De Cristal um clima geral de investigação fria e racional ao melhor estilo C.S.I., com Sam e a polícia italiana caçando e analisando as pistas deixadas pelo serial killer através de métodos puramente científicos por meio dos mais sofisticados equipamentos de investigação forense.
  Mesmo com o óbvio anacronismo do hardware da polícia científica mostrado no longa suas parafernálias high tech, mostradas em detalhes, ainda impressionam mesmo nos dias de hoje. Isso, associado a fotografia limpa e ao sensacional contraste entre luz e sombra, faz com que este filme de mais de quarenta anos de idade possua uma estética de "produção atual". Fico imaginando a maravilha visual que não deva ser assisti-lo em formato blue-ray.
  E esse visionarismo elegante continuou sendo uma característica de quase toda a obra posterior de Dario Argento que com seus inacreditáveis ângulos de câmera complicados e estilosos, tomadas subjetivas múltiplas e surreais, efeitos especiais que nos deixam com o coração na boca entre muitos outros exemplos de rebuscamento técnico, que influenciaram produções-marco dos efeitos visuais, como, True Lies (EUA, 1994), de James Cameron e The Matrix (EUA,1999), dos Wachowski Brothers, torna Argento, ao lado de Brian De Palma e, mais recentemente, David Fincher, uma legítima cria de Alfred Hitchcock.
 Infelizmente, os thrillers estilosos e sombrios andam meio em baixa nos últimos anos. Com exceção do já citado David Fincher, os cineastas da atualidade parecem não terem mais culhões para realizarem produções de suspense com tramas intrincadas, violência realista e efeitos especiais assustadores. Aquele tipo de filme feito não apenas para quem vê os thrillers, e o cinema em geral, como uma mera diversão, mas também para os cinéfilos, estudiosos e pesquisadores da Sétima Arte. Filmes da grife Thriller Hitchcockiano, que encontrava em Dario Argento um de seus mais ilustres, e perturbadores, representantes.

Colaborou: Matheus Ferraz e Paulo Blob Teixeira.






 

 Isso não é um livro de aventura.

 King Kong (2005)
                                     A AVENTURA COMO ELA É                                
                                                       
 A cerca de dois anos atrás iniciei, neste mesmo blog, minhas resenhas sobre os filmes De Olhos Bem Fechados e 2001, Uma Odisseia No Espaço, ambos de Stanley Kubrick, afirmando que aquelas eram  obras tão complexas e multi-facetadas que eram necessárias várias décadas posteriores para que nosso intelecto pudesse compreender e digerir todas as minúcias, metáforas e mensagens cifradas escondidas por detrás das poderosas imagens destes filmes.
 Agora, ao começar minha postagem sobre o livro O Coração Das Trevas ( Heart Of Darkness), escrito em 1902 pelo polonês naturalizado inglês, Joseph Conrad, não vejo outra forma de iniciá-la sem recorrer as mesmas justificativas.
 Embora eu não tenha demorado tanto tempo para conseguir absorver toda a gigantesca carga metafísica e a grandiosa opulência estética e "visual" do livro de Conrad, quanto dos longas de Kubrick, pois assisti a 2001 e De Olhos Bem Fechados durante minha infância e adolescência, respectivamente, enquanto que Heart Of Darkness me caiu aos olhos pela primeira vez quando eu já contava com mais de trinta anos de idade.
  Entretanto, embora eu já houvesse entrado a um bom tempo na idade adulta quando o li, também me foram necessários muito conhecimento adicional sobre literatura, cultura em geral e, principalmente, sobre a alma e psiquê do ser humano...enfim, mais conhecimento de mundo, para eu poder mergulhar a fundo no coração das trevas do Homem e conseguir retornar com algo de suas profundezas.
 Isso não é um livro de aventura., balbuciava, ao ler Heart  Of Darkness, o apavorado jovem marinheiro Jimmy (Jamie Bell) durante uma tempestade a bordo da embarcação com destino a apavorante Ilha da Caveira, na magnífica releitura que Peter Jackson fez do clássico King Kong (EUA/1933), de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoesack, em 2005.
 Esta é, para mim, de longe a melhor definição sobre esta seminal obra de Conrad.
 O Coração Das Trevas, seja por meio de sua sinopse, geralmente na linha: Oficial da marinha inglesa é convocado para resgatar um homem perdido em meio a floresta africana, seja pela capa de suas diversas edições: paisagens de selvas exóticas, elefantes e rios caudalosos, pode ser facilmente, à primeira vista, confundido com alguma publicação de aventura juvenil barata.
 Entretanto, assim que iniciar a leitura você verá que estava muito, mas muito enganado em relação a este livro.
 Isso não é um livro de aventura, sussurra o marinheiro Jimmy. E o que ele descobriu sobre o livro não teve coragem de dizer. Que O Coração Das Trevas não é um texto qualquer sobre aventuras escapistas. É, isto sim, um livro de horror. Daquele horror do pior tipo: sério, denso, pesado, adulto.  Aquele tipo de horror polivalente e implacável que nos ataca por todas as frentes: física e psicológica. O horror que não vem do sobrenatural ou do espaço exterior, mas das entranhas do próprio Homem.
 O horror real.
 O horror definitivo.
 Se alguns consideram O Senhor Dos Anéis, de Tolkien, a aventura suprema, Heart Of Darkness seria, então, a desventura definitiva.
 Estava oitava obra de Conrad joga o intimismo niilista de Machado de Assis de cabeça no furacão dos macabros, alucinantes e selvagens épicos de ação e sangue de Cormac McCarthy e Robert E. Howard.
 Dos tétricos e eletrizantes épicos de McCarthy e Howard, Heart Of Darkness antecipa o clima feroz  da "aventura" sem heróis e sem esperança, onde toda a brutalidade e crueza do ambiente selvático e bárbaro por onde transitam os personagens vão penetrando e se misturando ao sangue e a alma destes até transformá-los em animais primitivos em que o puro instinto de sobrevivência esmaga qualquer tentativa de civilidade e humanitarismo.
 Já de Machado, esta obra herda a investigação profunda dos sentimentos mais íntimos dos personagens com resultados, quase sempre, os mais desconcertantes, sombrios e deprimentes possíveis.
 Alguns parágrafos acima, eu mencionei que, a exemplo das obras de Kubrick, me foi necessário muito conhecimento adicional para conseguir compreender de maneira mais abrangente toda a polissemia presente em O Coração Das Trevas.
 E um dos principais instrumentos que eu tive neste sentido foi o clássico/cult filme italiano Cannibal Holocaust (1980), de Ruggero Deodato.
 Esta obra prima do cinema marginal e maldito, assim como os longas do diretor canadense, David Cronenberg, se situa na fronteira limítrofe entre o apelativo e o cerebralismo. Cannibal Holocaust me foi fundamental para a elucidação da simbólica trama elaborada por Joseph Conrad.
 À medida em que vão se embrenhando cada vez mais e mais a fundo nas selvas tropicais escuras, quentes, pré-históricas e intocadas pela civilização, tanto os cinegrafistas aventureiros do final do século XX de Cannibal Holocaust, quanto o aventureiro dos mares do início do século XX de Heart Of Dakness vão, igualmente e rapidamente, vendo suas ilusões quanto as características cultas, racionais e cosmopolitas de uma sociedade civilizada e moderna serem aniquiladas por  uma assustadora regressão, tanto na História do progresso e cultura humanos, quanto na própria evolução antropológica e genética do Homem. Até que todos eles descubram que toda a hodiernidade de nossa sociedade moderna e intelectualizada é apenas uma finíssima película sintética e artificial que cobre, e esconde, embaixo de si um abismo infinito onde borbulha selvagemente o mais orgânico e feroz sangue primitivo.
 A diferença entre O Coração Das Trevas e Holocausto Canibal é que, enquanto que o primeiro nos faz esta aterradora revelação de forma velada e surreal, o segundo nos arrasta para o inferno despido de qualquer espécie de alegoria ou tropo.
 Entretanto, todo esse rebuscamento narrativo elaborado por Conrad para nos contar sua história não a torna mais leve e digerível. Pelo contrário...
 Li, certa vez, que Nostromo, outra obra-prima de Joseph Conrad, seria um exemplo de literatura proto-modernista e que teria preparado a língua inglesa para as técnicas literárias radicais, singulares e revolucionárias da obra de James Joyce.
 Porém, em minha opinião, essa característica inovadora na escrita de Conrad já era gritante em O Coração Das Trevas publicado dois anos, e três obras, antes da saga de Costaguana.
  Neste sentido proto-moderno de misturar o mais duro realismo com rasgos de nonsense e surrealismo, acredito que The Heart Of Darkness dialoga muito com a obra de Lima Barreto, como, os contos Nova Califórnia, O Homem Que Sabia Javanês e o romance Triste Fim De Policarpo Quaresma. E, da mesma forma que estes e outros clássicos da literatura brasileira do imortal autor carioca, os toques de narrativa fantástica amalgamados ao mais fidedigno retrato da alma humana só tornam o relato de Conrad ainda mais medonho e insano.
 Pois, ao tornar cifradas várias questões em sua obra, Joseph Conrad provoca ainda mais a imaginação de seu leitor fazendo com que, na tentativa em elucidar as negras metáforas do texto, a criatividade deste dispare em direção aos mais diferentes, e macabros, territórios da filosofia.
 É impossível explanar sobre O Coração Das Trevas sem mencionar qualquer tipo de comentário referente ao filme Apocalipse Now (EUA/1979), de Francis Ford Copolla. Baseado em Heart Of Darkness, Apocalipse Now é uma das produções mais extraordinárias e impressionantes da história do cinema mundial.
 Agora, após ler e reler a horrenda aventura do marinheiro Marlow em sua obsessiva caçada pelo animalesco Kurtz, percebi que, apesar de ser comumente classificada como uma adaptação livre da obra de Joseph Conrad, Apocalipse Now é, na verdade, uma das transposições mais fiéis de uma obra literária para o cinema.
 O mitológico filme de Copolla pode ter tomada várias liberdades quanto ao roteiro em si de Apocalipse Now, entretanto a ambientação onírica, melhor seria dizer pesadelesca, que o diretor imprimiu em sua visão sobre a guerra do Vietnã é literalmente fidedigna a todo o clima de simbolismo diabólico que impregna as páginas de Heart Of Darkness.
 Enfim, independente de como os teóricos da literatura tenham qualificado Heart Of Darkness, tanto em termos externos: modernismo, realismo, proto-modernismo, naturalismo, entre outros, quanto em  internos: aventura, drama, etc. Eu, particularmente, defino esta obra de Conrad como um dos mais significativos e contundentes exemplos de Literatura Fantástica de todos os tempos. E, neste sentido, tão paradigmático para este gênero quanto o foram O Relato de Arthur Gordon Pyn, de Poe, Nas Montanhas Da Loucura, de Lovecraft, Frankenstein, de Mary Shelley, O Exorcista, de William Peter Blatty entre outros perversos clássicos imortais da bibliografia horrorífica e barroca.
 Lançado na "porta" do século XX, Heart Of Darkness, com sua exata e desconcertante mistura de horror visceral e explícito com pavor psicológico e surreal, não apenas influenciou toneladas de outras obras nas mais distintas mídias, mas também parece ter previsto toda a carnificina e mergulho no lado negro do Homem que caracterizou o século passado: duas guerra mundias, a invenção da bomba atômica, a proliferação aterradora dos assassinos seriais pelo mundo afora, etc.
 Aqueles que possuem algum conhecimento sobre a vida de Joseph Conrad não se surpreendem que, tanto O Coração Das Trevas, quanto o restante da obra do autor, sejam um verdadeiro soco na boca do estômago.
 A exemplo de seu amigo, e também escritor, o norte americano Stephen Crane, Conrad era um aventureiro obsessivo viciado em perigo e adrenalina. Se Crane combateu em uma guerra de verdade "apenas" para conferir se as batalhas perturbadoras que narrou em O Emblema Vermelho Da Coragem realmente correspondiam a realidade de um front, Joseph Conrad, um apaixonado pelos mistérios do mar e por civilizações exóticas, ingressou, quando tinha apenas 16 anos de idade, primeiramente, na marinha francesa e depois na inglesa onde, por quase vinte anos, viajou pelos rincões mais sombrios e sinistros da África, Ásia, América e Europa. Em suas andanças como marinheiro ao redor do globo, o escritor enfrentou de tudo: furacões em alto mar, motins, incêndios e toda a espécie de homens de temperamento bruto e hábitos violentos.
 Enfim, Joseph Conrad conheceu, tanto na natureza, quanto nas pessoas, aquilo que ambas tem de mais feroz e selvagem.
 Hoje, com a disseminação viral da internet, onde qualquer tipo de informação pode ser adquirida por meio de um simples toque na tela do computador, escritores de livros de ação e aventura, daquele tipo de aventura verdadeira: terrível, crua, fatalista e real, como Conrad, Stephen Crane, Hemingway, Jack London, etc, estão praticamente extintos. Eram escritores que usavam os elementos de aventura e ação não para divertir o leitor e fazê-lo esquecer das agruras desse mundo, mas para, justamente, nos fazerem encarar as mais duras adversidades dessa vida e nos ensinar que nosso planeta está longe de ser o lugar mais seguro do universo.
 Portanto, se você, além de gostar de ler, também gosta de olhar profundamente para dentro das trevas que existem no mundo e dentro de você mesmo, seja muito bem vindo à obra de Joseph Conrad, Stephen Crane, Hemingway, entre outros.
 Caso contrário, caia fora agora mesmo.
 E não se esqueça de apagar a luz ao sair.



     
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O VERDADEIRO GRAND GUIGNOL

Quem acredita, como eu acreditava, que os franceses são sinônimo de, apenas, gestos afetados, perfumes caros e romantismo vai tomar um choque de 75 miliampères ao assistir aos dois socos na boca do estômago em forma de filme chamados Alta Tensão (Haute Tension/ França, 2003), de Alexandre Aja e Martyrs ( França, 2008), de Pascal Lauguier.
 Os dois fazem parte de um movimento intitulado Cinema Extremo Francês, que, além das obras de Aja e Lauguier, também incluem Frontièrs (2007), de Xavier Gens, o alucinantemente maléfico À L' Intériur (2007), de Alexandre Bustillo e Julien Maury, entre outros.
 Essa nova onda do Cinema Francês, juntamente com as produções de terror asiáticas, está fazendo atualmente o mesmo que Hollywood e, principalmente, as películas italianas, fizeram com o Cinema Fantástico nas décadas de 1970/1980: virar o gênero de ponta-cabeça e elevar os níveis de horror, violência apelativa, sadismo e originalidade a patamares tão inacreditavelmente altos que se tornam, por vezes, uma verdadeira tortura voyeurística  até mesmo para os fãs de gore.
 Coincidentemente, Alta Tensão foi o filme que deu o chute, melhor seria dizer facada, inicial no Cinema Extremo Francês.
 O longa de Aja é um giallo moderno, só que ainda mais ousado e radical em termos de violência celerada do que as já nauseantes produções italianas comandadas por Dario Argento, Lucio Fulcie, Mario Bava, etc.
  Na verdade, Alta Tensão é um encontro dos ultra-sádicos serial killers dos clássicos giallos com os banhos de sangue absurdos de pedradas como The Evil Dead, Fome Animal e os filmes de Takashi Miike, com suas cenas de corpos feitos em pedaços por armas de fogo de grosso calibre, serras-elétricas, facões enormes, etc.
 Mas, para mim, o que transformou mesmo Haute Tension em um clássico, e o seu principal diferencial em relação a outras produções do gênero, foi o seu roteiro intrincado.
  Da mesma forma que nos filmes de ação, são raros os exemplares no Cinema de Horror que possuam scripts complicados. Por mais fascinantes e revolucionários que vários filmes de terror possam ser em matéria de visual, técnica, sangue e horror, encontrar um que, a despeito de tudo isso, também consiga provocar um suor frio não apenas nos poros do espectador, mas também em seus neurônios é algo difícil de se encontrar.
 Haute Tension é um daqueles filmes que, no interior de suas entranhas, esconde um outro filme....E é no momento do orgasmo da descoberta desta filme escondido que você começa a juntar as sanguinolentas peças do quebra-cabeças proposto pelos realizadores da produção: cenas sutis e até mesmo certos sons que talvez tenham passados despercebidos aos seus olhos, mas não ao seu cérebro, são repentinamente puxados do fundo de sua memória de espectador e, como um infeliz que a recém tenha conseguido montar uma Configuração dos Lamentos e escancarado as portas do Inferno, você descobre que o que já era horripilante sempre pode ficar ainda pior.
 Essas reviravoltas excruciantes da trama são conduzidas por explosões de violência splatter espetaculares e exageradas, a cargo do lendário Gianneto de Rossi (Zombie, Emanuelle in America, Conan, Rambo), ação incessante que deixa a adrenalina do espectador sempre no pico e um suspense que não vai ter o mínimo de pena em dilacerar os seus nervos.
 Mas a principal inspiração e arma de Haute Tension é o cinema de Alfred Hitchcock, onde toda a tensão insuportável, horror e violência tinham as suas origens profundamente enraizadas em  violentos desejos sexuais latentes, comportamentos-tabu reprimidos e no lado mais bestial do ser humano.
 Inclusive, é muito fácil imaginar que se o diretor do revolucionariamente assustador Psicose vivesse nos dias de hoje Alta Tensão seria o tipo de filme que ele estaria realizando.
 E costurando, com total domínio, esse mix de efeitos especiais repugnantes, roteiro inteligente e Hitchcock do século XXI está a mão de mestre de Alexandre Aja. Que devido ao impacto causado por este seu terceiro longa-metragem fez com que os produtores de Hollywood saíssem correndo para a França contratá-lo para comandar produções de terror nos Estados Unidos.
 Em 2003, Alta Tensão arrebentou em Sitges, --- festival de cinema fantástico sediado na Espanha que já premiou diversos clássicos do cinema extremo como À Meia-Noite Levarei a Tua Alma, de José Mojica Marins, Rabid, de David Cronenberg, entre outros ---, conquistando os prêmios de melhor diretor, melhor atriz (Cécile De France) e melhor  maquiagem (Giannetto de Rossi).
 Martyrs, de Pascal Lauguier extrapola tudo o que foi mostrado em Alta Tansão. Se o debut de Aja é uma história protagonizada por personagens humanos que mergulham em um inferno de ultra-violência, loucura e horror, em Martyrs são os próprios inferno, horror, loucura e ultra-violência os personagens principais do filme, restando aos humanos apenas o papel de meros coadjuvantes...e vítimas.
 Se, ainda hoje, a grande maioria das produções de horror com elementos sobrenaturais ainda bebem na ancestral fonte de H.P. Lovecraft e Edgar Allan Poe com seus demônios pré-históricos, rituais de magia negra primitivos, estética gótica-medieval e violência subliminar, Martyrs tira toda a sua inspiração do grand-guignol  moderno do artista transmidia de horror, Clive Barker que possui as raízes de sua imaginação patológica na obra tétrico-futurista-pornô de H.R.Giger e no peso e na velocidade politicamente incorretos do heavy metal e do punk rock.
 O filme de Pascal Lauguier, assim como Alta Tensão, também investiga as atrocidades cometidas por assassinos seriais implacáveis. A diferença é que aqui os matadores enlouquecidos são os “heróis” da trama. Parafraseando a chamada do trailer de outro cult de horror, Um Drink No InfernoEles mataram dezenas de pessoas e são os heróis do filme...imagine os vilões.
 A diferença entre a, também excelente, obra de Rodriguez e Trantino e o filme de Lauguier é que enquanto o primeiro bebe direto na fonte splatestick  de Peter Jackson, Sam Raimi, Re-Animator  e a A Volta dos Mortos-Vivos oferecendo ao espectador uma montanha-russa do mais sádico e descompromissado humor negro, Martyrs, apesar de sua trama vividamente imaginativa, transborda seriedade com a sua atmosfera gótica contemporânea de absoluta austeridade e contundência dignas de o O Exorcista e Hellraiser. Uma obra destinada exclusivamente a espectadores adultos.  
 O filme se tornou tão impactante e profundo porque une psicopatas com fantasmas. Dois elementos do Cinema Fantástico que já são intensos separadamente e que quando misturados resultam em uma receita absolutamente explosiva.
 Martyrs não possui heróis. É um universo de puro niilismo habitado exclusivamente por seres maléficos, predadores cruéis e assassinos insanos onde os vivos e os mortos disputam e se dilaceram entre si para verem quem é a criatura mais animalesca e impiedosa.
 Seguindo os passos do horror visionário e feroz de Clive Barker, a origem de todo o mal e criaturas sobrenaturais que dominam Martyrs não é nenhuma maldição sobre-humana, pactos com o Diabo ou feitiçarias poderosas, mas sim o lado negro do Homem. Aquela “sombra” especializada em praticar atos de barbárie impensáveis para qualquer pessoa civilizada, mas que se esconde nas profundezas do cérebro humano e que todos nós estamos sujeitos a sermos dominados de uma hora para outra.
 Martyrs redobra o cerebralismo mostrado em Alta Tensão. Aqui nenhum susto é provocado de forma simples e gratuita. A exemplo de Hellraiser, dos contos Pavor e Vade Retro, Satanás (da coletânea Livros de Sangue) entre outras obras de Barker, todos os elementos assustadores do filme de Lauguier são puzzles de carne e sangue e intrincadas filosofias macabras que a maioria dos espectadores só conseguirão montar e interpretar muito tempo após o longa haver  terminado. Tudo, é claro, amparado pelos efeitos nojentos de maquiagem mais irretocáveis que se possa imaginar e que não perdem em nada para o fantástico trabalho de de Rossi em Alta Tensão.
 Também a exemplo de Hellraiser, a principal chave para a compreensão da trama são as sensações físicas intensas e extremas. E tanto aqui quanto no universo dos cenobitas é o sadismo e o desejo por prazer e sofrimento que abrem as portas para uma desconhecida dimensão sobrenatural  de malignidade inimaginável.
 A diferença entre o mítico filme de Clive Barker e Martyrs é que, enquanto que no primeiro a porta de entrada para um universo de dor e estase é a árdua montagem de um misterioso cubo rubik, no segundo é o próprio orgasmo de dor e sofrimento provocado pelo dilaceramento da carne que escancaram os portões do inferno em uma espécie de prévia sangrenta do que está por vir.
  Assim como em todo o desenrolar do filme, o final de Martyrs também não oferece um desfecho convencional e tranquilo para os espectadores. Deixando para nós mesmos a terrível tarefa de tirarmos nossas próprias e horripilantes conclusões.
Apesar de serem dois dos responsáveis por jogarem os filmes de horror franceses de cabeça no explotation e no lamaçal de sangue e vísceras do Cinema Extremo, as carreiras de Alexandre Aja e Pascal Lauguier tomaram rumos bem distintos uma da outra.
 Aja debutou no cinema em 1997 com um curta-metragem, hoje muito difícil de se encontrar, intitulado Over the Rainbow que foi indicado para uma Palma de Ouro no Festival de Cannes. Dois anos depois realizou Furia, obra mais inclinada para o drama e a ficção científica do que para o horror.
 Em 2003, Aja escancarou todo o seu radicalismo com o esmagador  Alta Tensão.  Com o sucesso de seu giallo francês, Alexandre Aja seguiu o mesmo caminho de sua atriz em Furia, Marion Cotillard, e foi importado por Hollywood para realizar superproduções de horror. Nesta nova etapa de sua carreira o primeiro desafio de Aja foi realizar, em 2006, para a Fox Atomic ( divisão da 20th Century-Fox especializada em produções de terror, comédia e ação) uma refilmagem do cultuadíssimo explotation  de 1977, Quadrilha de Sádicos( The Hills Have Eys), de Wes Craven. O resultado não poderia ter sido mais impressionante, pois o diretor francês conseguiu um dos feitos mais difíceis no meio cinematográfico, fazer um remake que supera o original.
 Dois anos depois veio Espelhos do Medo (Mirrors) um horror com efeitos especiais de última geração na linha de Poltergeist e estrelado por Kiefer Sutherland. A obra dividiu opiniões, mas Aja provou que conseguia realizar um filme assustador e repugnante mesmo com a inserção de CGI que é muito criticado pelos fãs de terror que acham, na maioria das vezes com razão, que efeitos digitais acabem limpando muito a violência e as monstruosidades nas produções do gênero. Entretanto, assim como nas bandas de metal industrial, o diretor francês utilizou os computadores e a tecnologia de ponta para sujarem ainda mais as cenas de horror e sem artificializa-las.
 Em 2009, ao converter o seu Piranha para o controverso formato 3-D digital, o cineasta francês seguiu mostrando que sempre será possível ao diretor de produções de horror se manter atualizado com as novas tecnologias sem que, para isso, precisar macular o gênero ou torna-lo mais palatável. Piranha foi a segunda refilmagem assinada por Alexandre Aja, agora  tendo como base o original, que, por sua vez, era um pastiche do Tubarão, de Spielberg, dirigido por Joe Dante e produzido pelo lendário Roger Corman em 1978.
 Este segundo remake de Aja também marcou uma mudança em sua carreira: se até então toda a obra do diretor era composta por filmes fantásticos/de horror sérios e densos, com Piranha ele mergulhou de cabeça no deboche sanguinolento e descompromissado do splatstick/terrir. E mais uma vez o talentoso cineasta deu conta do recado entregando uma obra que pode ser comparada a  The Evil Dead 2, Tóquio Gore Police, A Volta dos Mortos-Vivos e outros clássicos  deste subgênero. Fazendo as plateias, pela primeira vez em seus filmes, além de sentirem medo e asco também darem boas gargalhadas.
 Dois anos antes do remake de Piranha, Aja assumiu a função de produtor, e também roteirista,  administrando o thriller, e orientando o diretor deste, Frank Khalfon ( um dos atores do cast de Alta Tensão), P-2 .
 Considero P- 2, até agora, a única cagada de Aja. Suspensezinho genérico e formulaico que segue à risca a cartilha do Cinema Americano em achar que todos os espectadores possuem a mentalidade ultraconservadora e inocente de uma criança amish de dez anos de idade e tudo o que diz respeito a sexo e violência deve ser tratado da forma mais velada possível.
 Em compensação, cinco anos após o lançamento de P-2, a dobradinha Aja (produtor) e Khalfon (diretor) emplacaram o ultra-visceral O Maníaco (Maniac/EUA, 2012). Horror que mistura gore extremo com uma narrativa sofisticadíssima. Maniac foi baseado em um longa homônimo de 1980 dirigido por William Lustig (Maniac Cop).
 No momento, os fãs deste cineasta francês especializado em sangue, tripas, morte e loucura esperam ansiosamente pela sua adaptação para as telas do livro Horns, do incensado escritor de Literatura Fantástica Joe Hill, leia-se "o filho de Stephen King", protagonizado por Daniel "Harry Potter" Radcliffe.
 Ao contrário de Alexandre Aja, Pascal Lauguier, infelizmente, não possui uma carreira tão prolífica.
 Iniciou sua escalada cinematográfica como ator coadjuvante no obscuro, e sensacional, cult Pacto dos Lobos ( Le Pacte des Loupes/França, 2001), de Cristopher Gans ( Crying Freeman, Terror em Silent Hill), um eletrizante longa de artes marciais com elementos fantásticos estrelado por Mark Dacascos e Monica Bellucci. Além de participar do cast, Lauguier também dirigiu o making off  da produção.
 No mesmo ano, o pai de Martyrs comandou seu primeiro longa metragem: Éme Sous Sol. Uma obra que possui pouquíssimas informações em português na Rede.
 Sua próximo trabalho foi A Profecia dos Anjos ( Saint Ange/França, 2004). Produzido por Cristopher Gans, esta obra de Lauguier foi elogiada pela crítica especializada em Cinema Fantástico pelo seu visual rebuscado. Entretanto, essa mesma crítica torceu seu nariz para o roteiro do longa que considerou confuso e mal resolvido.
 Após o sucesso e o impacto causado por Martyrs, Pascal Lauguier comandou a co-produção ente EUA e Canadá O Homem das Sombras ( The Tall Man, 2012 ) Uma nova aventura sobrenatural protagonizada pela canastrona boazuda Jessica Biel que, a exemplo de Saint Ange, dividiu as opiniões.
 Pelo visto, o "problema" da obra de Lauguier são os roteiros densos e complexos de seus longas. Algo que, para uma platéia adolescente muito mais acostumada com Pânico e genéricos do que com O Iluminado é óbvio que se tornará um empecilho.
 Enfim, Aja, Lauguier, a dupla Bustillo/Maury, entre outros, vieram para nos mostrar que os filmes de horror vão muito além das fronteiras dos EUA e de Hollywood e dos horripilantes, no mau sentido, Sobrenatural e Invocação do Mal.






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I TRE VOLTI DELLA PAURA: O HORROR, PEDAÇO A PEDAÇO...

 Herdeiros das revolucionárias HQS de horror Tales From The Crypt e Creepy  das editoras E.C. e Warren respectivamente e das seminais séries de tv Além da Imaginação (Twilight Zone) e Galeria do Terror (Night Gallery) do genial Rod Serling, os longas de terror divididos em episódios independentes ou interligados, à décadas, são uma tradição no Cinema Fantástico.
 De Creepshow (EUA/1982): uma união de forças entre George Romero e Stephen King que homenageava os gibis da E.C. e Contos da Escuridão (Tales From the Dark Side, EUA/1990) de John Harrison, que também tem a mão de Romero, pois é baseado em uma série de televisão homônima criada pelo pai dos zumbis modernos na década de 1980, passando pelo oriental Três Extremos (Saam Gaang Yi, Japão/Hong Kong, 2004), que junta três dos maiores realizadores do Cinema Fantástico Asiático: Fruit Chan, Park chan-wook e Takashi Miike, e Grindhouse (EUA/2007) da dupla Rodriguez/Tarantino,  chegando aos recentes ABC da Morte (ABC of Death/EUA, 2012) e VHS 1 e 2 (EUA/2012/2013) que são um verdadeiro quem é quem entre os diretores mais talentosos e sádicos em se tratando de ação, horror e ficção científica do cinema atual.
 Todas essas produções, em maior ou menor grau,  deixaram sua marca na trajetória do Horror Episódico nas telas. Algumas pela sua incontestável qualidade, outras por uma indisfarçável mediocridade.
 Entretanto, o exemplo mais paradigmático dessa irregular estirpe cinematográfica é o italiano As Três Máscaras do Terror (I  Tre Volti Della Paura/1963) dirigido pelo titânico cineasta Mario Bava. Tanto os estudiosos da obra do diretor quanto os aficionados por As Três Máscaras do Terror já estão cansados de ouvirem falar que a versão em inglês do título do filme inspirou os integrantes originais do Black Sabbath a renomearem sua banda, que então se chamava Earth, e a partir de então entrarem para a história do rock pesado. Portanto, não vou me ater muito a este tópico. Até porque I Tre Volti Della Paura é mais do que, "simplesmente", a película que emprestou seu título a primeira, e uma das maiores, bandas de heavy metal de todos os tempos. Muito mais...
 Fragmentado em três funestos e aterradores episódios distintos este quinquagésimo terceiro longa do, já então veteraníssimo Bava, teve como base para todos os seus segmentos obras literárias de diferentes autores.
 Acredito que aqueles que, a exemplo de mim, além de cinema e produções de horror também sejam entusiastas de literatura devem ter ficado arrebatados quando leram nos créditos de As Três Máscaras do Terror os nomes "Tolstói", "Chekov" e do escritor francês proto-lovecraftiano "Guy de Maupassant", autor do incrível conto O Horla.
 Como os créditos não especificavam qual episódio do longa correspondia a obra de qual autor tive que consultar o expert Paulo Blob Teixeira que é crítico e resenhista dos sites Boca do Inferno e Gore Boulevard.
 Segundo Paulo, a coisa está estruturada da seguinte forma: o primeiro episódio, O Telefone (Il Telefono), seria, supostamente, basado em um conto de Maupassant, entretanto algumas fontes o creditam a um caliginoso escritor norte americano chamado F.G. Snyder. Agora atenção fãs de Guerra e Paz e de Literatura Russa: o tal Tolstói, cujo conto A Família do Wedalak serviu de base ao segundo episódio O Wurdulak ( I Wurdulak), não é o Leon e sim Aleksei Tolstói, que era primo do cara.
 Da mesma forma o terceiro, e derradeiro, episódio, A Gota D'Água ( La Goccia D Acqua), não é de autoria de Anton Chekov, mas sim de seu irmão, Ivan Chekov.
 Entretanto, isso não desvia nem por um milímetro sequer I Tre Volti Della Paura do que ele realmente é: uma obra prima da cabeça aos pés.
 O primeiro episódio, O Telefone, que inicia após uma breve introdução do mítico Boris Karloff que apresenta o longa ao espectador no melhor estilo Rod Serling em The Twilight Zone, é um mini giallo que, em cerca de trinta minutos, consegue concentrar todas as principais características do gênero: o assassino absolutamente impiedoso, o amalgama entre perversidade e sensualidade e aquela sofisticadamente maldosa condução do suspense a lá Hitchcock que não tem pena em levar a tensão e o medo do espectador ao limite do insuportável.
 Uma inesperada reviravolta e um implícito, mas excitante, envolvimento homossexual entre as protagonistas fecha O Telefone com chave de ouro.
 No segundo capítulo, O Wurdulak, Mario Bava mergulha no mesmo magnífico ambiente gótico medievalesco de seu La Frusta e il Corpo, lançado logo após As Três Máscaras do Terror.
 É a partir deste episódio que o sobrenatural invade o filme de forma gélida e implacável. Com o diretor trocando o medo do, à época, moderno giallo pelo primitivo arrepio na espinha proporcionado pelo romantismo tétrico de obras como Frankstein e Drácula. A trama gira em torno de uma família assombrada por vampiros, os tais wurdulaks do título, numa cabana perdida, pelos nomes dos personagens em alguma região selvagem e/ou rural da Rússia, em meio a névoas fantasmagóricas, montanhas desoladas, florestas escuras e ruínas de castelos ancestrais. A beleza plástica de O Wurdulak é estonteante e macabra nos mínimos detalhes. Impossível afirmar quais os tipos de cenários deste segmento são os mais horripilantes: as locações naturais ou as cenas gravadas em estúdio.
 A fotografia ultra dark de Ubaldo Terzano e do próprio Mario Bava é tão densamente escura que se torna quase palpável, iluminando apenas os momentos mais aterradores como faces distorcidas pelo medo intenso e os olhares e expressões predatórios dos vampiros.
 Tudo isso faz de O Wurdulak uma daquelas obras de horror niilistas e inclementes, onde nem mesmo crianças pequenas são poupadas, quando já sabemos, desde os primeiros segundos de exibição, que as coisas vão acabar muito, mas muito mal.
  Como a cereja do bolo, o episódio traz novamente Boris Karloff como o vampiro patriarca em uma interpretação que, mesmo nos momentos que beiram a canastrice, nos transmite uma agoniada sensação de perigo iminente e medo perpétuo.
   A Gota D'Água, o segmento que fecha I Tre Volti Della Paura, marca outra guinada estética e temática em relação aos dois episódios anteriores.
   Se o principal aspecto de O Wurdulak era a escuridão quase impenetrável de suas imagens em um cenário rústico e selvagem, A Gota D'Água é um gótico urbano. Com ambientes sombrios sendo rasgados por fachos de luzes enjoativos e multicoloridos que parecem serem projetados por um estroboscópio enlouquecido. Uma chuva incessante, trovões e anúncios de neon que piscam sem parar sob os telhados de prédios soturnos conferem ao curta um look de noir futurista que antecipa o visual de Blade Runner.
  Enquanto que a história de O Telefone parecia ter saído diretamente das sarcasticamente sangrentas páginas das HQS policiais e de crime da E.C. como Shock Suspenstories, agora Bava bebe diretamente da fonte dos títulos de horror sobrenatural da editora, tais como The Haunt of Fear e Tales From The Crypt.
  Todos os três episódios de As Três Máscaras do Terror são fascinantes e envolventes, entretanto este último é absolutamente impecável e de uma precisão egrégia. Aqui a mistura entre horror e suspense, que beirava a perfeição nos capítulos anteriores, atinge a sua exata fusão.
   É assombrosa a forma como, neste segmento, o diretor consegue extrair toneladas de medo e tensão utilizando, praticamente, um único personagem envolvido em situações banais do cotidiano como, por exemplo, a água que pinga de uma torneira mal fechada.
   O epílogo de As Três Máscaras do Terror, assim como seu prólogo, é apresentado por Karloff, que em uma rápida sequência que mostra o making off da produção, nos arranca de supetão do mundo de I Tre Volti Della Paura de forma cínica e debochada. Um mundo feito de um aterrador jogo de luzes e sobras e habitado por assassinos, fantasmas vingativos e monstros infanticidas.
 Como eu já havia mencionado em minha postagem sobre La Frusta e il Corpo, os filmes do cineasta italiano Mario Bava (1914-1980) são verdadeiras aulas de cinema. Infelizmente este magnífico cineasta é ignorado até mesmo entre muitos fãs de horror e Cinema Fantástico. Fãs estes que babam ao elogiarem várias produções recentes de suspense e terror sem saberem que, muitas delas, devem muito a obra de Bava.
  Só mais uma coisa: ao terminar de ler esta resenha, leitor, certifique-se de que as portas e janelas de sua casa estão bem trancadas. E muito cuidado ao passar perto de alguma sombra, pois pode ter um vampiro, ou algo pior, escondido dentro dela. Parafraseando Bóris Karloff no prólogo de As Três Máscaras do Terror: Essas criaturas existem. E adoram sugar o sangue dos vivos... 








 









 





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Mulheres No Front



 O futuro é guerra!!!
Atari Teenage Riot



Fade in
Manhã de 11 de setembro de 2001: sol brilhante, temperatura amena, céu azul límpido, 0% de nuvens. O inverno macabro e escuro começando o retorno à sua catacumba e cedendo espaço para a alegre e luminosa primavera. Eu caminho despreocupado pela rua achando que nada pode estragar aquela afável manhã...
 De repente, começo a perceber um padrão que se repete: várias pessoas ao meu redor comentando, com um misto de surpresa, espanto e incredulidade, sobre um ataque terrorista aéreo nos Estados Unidos.
 Hoje, olhando para atrás, eu acredito que foi naquele exato instante que o Século XXI havia realmente começado para mim e para o resto do Mundo.
 Não dou muita bola para os comentários, afinal, minha geração tinha crescido com noticias sobre guerras e violência dividindo espaço na tv com desenhos animados, seriados e novelas.
 Chego em casa, ligo a televisão: todos os canais mostrando a mesma coisa: uma das gigantescas torres do World Trade Center cospe fogo e fumaça por todos os lados.
 No Plantão de Notícias da Rede Globo o jornalista Carlos Nascimento narra o fato com o mesmo tom de voz tenso e incrédulo da maioria das pessoas que estão vendo aquela imagem simultaneamente pelos quatro cantos do Mundo.
 Parece que estamos vendo um filme...É a fala de Nascimento que fica marcada a ferro e fogo em minha memória.
 De repente, ao vivo, em tempo real, eu vejo a História se desenrolar em frente aos meus olhos: o segundo avião perfura a outra torre do WTC como uma faca, uma lança, um míssil. Uma gigantesca língua de fogo aravessa verticalmente a torre de uma ponta a outra.
 Nascimento, como o resto do Mundo naquele momento, surta: grita, não fala coisa com coisa.
 FIM DO MUNDO! CAOS! TERCEIRA GUERRA MUNDIAL! São os únicos pensamentos que tomam conta da população planetária como se fossem uma pandemia global que se espalha a velocidade da luz.
 Enquanto isso, eu ainda não havia me dado conta de que havia tido o privilégio de assistir ao vivo ao maior ataque terrorista da história. Muito obrigado Mundo moderno.
 Fade out

Fade in
 Uma noite qualquer no início dos anos 1980: as imagens em preto e branco do Jornal Nacional em minha velha televisão Phillips mostram aquelas mesmas notícias de sempre que de tão triviais, mesmo para uma criança abaixo dos dez anos de idade como eu, não impressionam mais: fanáticos do Oriente Médio metem fogo ao próprio corpo, cidades destruídas em meio a desertos infernais, tanques de guerra, rolos de fumaça negra, crianças chorando de fome, mães desesperadas, homens feios de pele escura gritam e apontam metralhadoras para as câmeras dos jornalistas. Guerra Santa. Guerra do Petróleo. O aiatolá Khomeini  é o Bin Laden oitentista.
 Fade out

Fade in
 1991: a jurássica Phillips P&B deu lugar a uma National/Panasonic colorida. A televisão evoluiu, mas as imagens que ela exibe não mudaram muito: ventos e tempestades de areia fazem as chamas de corpos carbonizados dançarem loucamente. Maquinário de guerra pesado trocam os desertos do Irã pelos do Kwait. Soldados americanos armados até os dentes com o mais letal arsenal high-tech se dilaceram com guerrilheiros árabes miseráveis armados até os dentes com o mais letal fanatismo religioso.
 Poços de petróleo vomitam chamas gigantescas como se fossem as bocas do Tártaro.
 O que muda é que agora esta é a guerra das máquinas, dos computadores, da cibernética, da alta tecnologia, das comunicações instantâneas.
 Pela primeira vez um conflito bélico é transmitido em tempo real para todos os lares do Mundo.
 O massacre virou um reality show. A carnificina é um vídeo-game. É a guerra do futuro.
 Fade out                      


  Ok. Os três parágrafos acima servem como uma rápida síntese para mostrar ao leitor um panorama geral do histórico do caldeirão fervente de sangue, suor, facciosismo religioso/político e cobiça assassina que é o Oriente Médio desde a década de 1980, na verdade as tretas com os árabes vem desde a época das cruzadas, mas aí eu eu vou acabar digitando um tratado de História Bélica..., e expor que a jihad terrorista muçulmana, a décadas, já era uma bomba atômica que ameaçava explodir sobre as cabeças de nós, ocidentais, a qualquer instante.
 Entretanto, foi só após o 11 de setembro, quando a bomba atômica, de fato, explodiu, que as mídias e a cultura pop resolveram explorar o problema de maneira mais séria e aprofundada.
 E é claro que um dos meios de Comunicação de Massa e expressão artística mais influentes e cultuados, o cinema, logo ficou ávido por investigar o avesso e o direito do lado negro do Oriente Médio.
 Ao contrário da intervenção militar norte americana no inferno verde vietnamita em que antes da guerra acabar Hollywood já mostrava na telona as entranhas do conflito, mesmo que de forma torta e nacionalista como em Os Boinas Verdes (The Green Berets/EUA, 1968), de John Wayne e Ray Kellogg, e logo após o fim das atrocidades marciais no Sudeste Asiático, quando as chamas do napalm e o cheiro de sangue inocente ainda estavam bem vívidos na memória do povo norte-americano, o cinema esfregava a cara dos espectadores ianques no lodo de desumanidade que os militares americanos haviam provocado e sofrido no Vietnã através de produções brutais, sombrias e ultra realistas como Amargo Regresso (Coming Home/EUA,1978), de Hal Ashby e Apocalipse Now (EUA, 1979), de Francis Ford Copolla, as conflagrações no Irã, Afeganistão, etc eram abordadas escassamente por cineastas e produtores. E quando o faziam era de forma inverossímil como no legal, mas falacioso, blockbuster Rambo 3 (EUA,1988), de Peter MacDonald. Películas mais sérias sobre o assunto, a exemplo de A Fera da Guerra (The Beast/EUA, 1988), de Kevin Reynolds, eram lançados nos cinemas de forma tímida e logo se tornavam filmes obscuros e esquecidos.
 Mesmo quando os Estados Unidos tinham uma participação direta, como na Guerra do Golfo no Kwait no início da década de 1990, Hollywood, praticamente, não tocava no assunto.
 Pois, como diz o ditado: Pimenta nos olhos dos outros, os "outros" no caso, seria a população miserável, e descartável, do Oriente Médio, é colírio.
 Quando o boing 737 da American Airlines pulverizou em segundos centenas de pessoas inocentes no WTC transferindo todo o horror e o radicalismo da jihad para o coração do Império Capitalista do mundo civilizado, fazendo com que os gringos sentissem o gosto de seu próprio veneno, que Washington, e todos os meios de comunicação norte americanos, se tocou do pepino que tinha em mãos...
 A paulada do 11 de setembro foi tão feroz e traumática que, a princípio, nenhuma mídia teve coragem para abordar o assunto. Várias produções cinematográficas que tocavam em tópicos como terrorismo, explosões ou qualquer outro tema muito violento foram imediatamente descartados. Um exemplo foi o longa Efeito Colateral (Collateral Damage/EUA, 2002). Dirigido por Andrew Davis e estrelado por Arnold Schwarzenegger Efeito Colateral não passava de um típico filme de aventura escapista e feijão com arroz, entretanto como sua trama girava em torno de ataques terroristas teve, à época, seu lançamento nos cinemas adiado indefinidamente. Outra amostra do verdadeiro tabu que se tornou mostrar qualquer ângulo, por mais ínfimo que fosse, que lembrasse a fatídica data foi o fato de a Sony Pictures ter retirado todos os trailers e posters de Homem-Aranha (Spider-Man/ EUA, 2002), cuja trama se passava inteiramente em Nova Iorque, de Sam Raimi que mostravam alguma imagem do WTC.
 Foram necessários onze anos para que Hollywood conseguisse digerir o pesadelo do 11 de setembro e depois regurgitá-lo de forma madura, corajosa e realista. E, claro, também foi necessário um cineasta, ou talvez uma cineasta..., com culhões suficientes para escancarar nas telas, sem nenhum tipo de concessão ou frescura, as consequências do maior ataque terrorista da história.
 A consequência dos ataques de 11 de setembro, lógico, foi a guerra.
 Em 20 de março de 2003, tropas militares dos Estados Unidos, Inglaterra e outros países formaram uma aliança chamada Coalizão e foram à desforra, por terra, água e ar, no Oriente Médio.
 Os nazis e Charlies foram substituídos por guerrilheiros árabes, os kamikazes por islâmicos fanáticos com bombas enfiadas até no cu que se jogavam despudoradamente sobre seus inimigos. Hitler e Mussolini "encarnaram" em Osama Bin Laden e Saddan Hussein respectivamente. As ideologias políticas diabólicas que agora ameaçam o Mundo Livre não se chamam mais Nazismo e Comunismo, mas Taliban e Al Qaeda e o Afeganistão e o Iraque se transformam na Europa da década de 1940 e no Sudeste Asiático dos anos 1960.
 Apesar de produções como Soldado Anônimo (Jarhead/EUA, 2005) de Sam Mendes, World Trade Center (EUA/2006) de Oliver Stone e Voo United 93 ( United 93/EUA, 2006) de Paul Greengrass já haverem abordado o inferno do 11 de setembro sob os mais diversos aspectos foi somente em 2009 que veio à luz o primeiro filme a mostrar sem dó nem piedade as entranhas do campo de batalha no Iraque.
 Guerra ao Terror (The Hurt Locker/EUA, 2009) de Kathryn Bigelow de cara desmistifica o conceito de guerra do vídeo-game pelo qual a intervenção gringa ao Oriente Médio ficou conhecida desde 1990 e que conferiu ao conflito uma aura quase de guerra fria. Provando que, mesmo imersa na mais alta tecnologia, uma guerra será sempre uma guerra com toda a dor, morte, genocídios, corpos despedaçados, medo e rios de sangue que sempre a caracterizaram. Pelo contrário, quanto mais dispõe de mecanismos high tech de destruição mais desumanizado e robotizado se torna o soldado em campo de batalha.
 A obra de Bigelow é um puta thriller de ação que retrata em minúcias o dia a dia insano de um grupo de soldados americanos em Bagdá especialistas em desarmar bombas. Os tais hurt lockers do título original.
 A produção se transformou em um clássico instantâneo da cinematografia bélica, venceu seis oscar, incluindo o primeiro prêmio de melhor diretor concedido à uma mulher na trajetória da Academia e foi comparado a filmes de guerra históricos como Apocalipse Now (EUA/1979) de Francis Ford Copolla e Platoon (EUA/1986) de Oliver Stone.
 Três anos após Guerra ao Terror, Bigelow e o seu roteirista Mark Boal mergulham novamente no hades iraquiano ao levarem para as telas o episódio mais importante, tenso e polêmico do envolvimento norte americana no Oriente Médio desde os anos 1980.
 A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty/ EUA, 2012) relata em pormenores perturbadores a obsessão doentia de um grupo de agentes da CIA em destrinchar o intrincado e mortífero labirinto de pistas falsas, contradições, burocracia e terroristas fanáticos que levará a Osama bin Laden, o todo poderoso da Al Qaeda, apontado como o principal responsável pelos ataques de 11 de setembro e, até a sua morte, o homem mais procurado e temido de todo o planeta Terra.
 Com um plot desta natureza era de se esperar uma verdadeira ode ao ufanismo de Tio Sam. Entretanto Katryn Bigelow despe A Hora Mais Escura de qualquer resquício de patriotada e pieguice entregando um filmaço de suspense e espionagem sombrio temperado com cenas de ação cruas e nervosas que descende diretamente dos desglamourizados, realistas e eletrizantes épicos de ação de Sam Peckimpah, William Friedkin e Walter Hill das décadas de 1970/1980.
 Narrado em um árido tom documental, o cerne de A Hora Mais Escura é o amadurecimento e perda da inocência de Maya (Jessica Chastian), uma agente novata da Agência Central de Inteligência norte americana que, a medida que vai se envolvendo de forma cada vez mais profunda na guerra ao terrorismo vai, gradativamente, perdendo a visão altruísta que tinha do Mundo.
 Um dos principais cérebros por trás da caçada a Bin Laden, Maya, que a princípio se sentia assustada e envergonhada ao presenciar uma "simples" sessão de tortura em um suspeito de terrorismo, vai sendo progressivamente possuída pelo truculento mundo de violência, fanatismo e armas pesadas que explode diariamente ao seu redor e, ao final dos vários anos de estressantes e meticulosas operações militares e de espionagem que levaram a execução do líder da Al Qaeda, a agente se torna tão fria, brutal e politicamente incorreta quanto seus colegas torturadores que, no início, a repugnavam.
 Personagem feminino atípico no Cinema Americano, a agente Maya possui muito mais características daqueles anti-heróis ríspidos e solitários protagonizados por Robert De Niro e Pacino em clássicos barra pesada como Táxi Driver, Serpico e Fogo Contra Fogo do que dos tradicionais papéis românticos e engraçadinhos interpretados por Júlia Roberts, Meg Ryan e Sandra Bullock.
 Aqui, novamente, a exemplo de Guerra ao Terror, a diretora Katryn Bigelow trabalha com a assustadora ideia de que a guerra e a carnificina são tão viciantes quanto uma droga pesada.
 A personagem de Chastian vê a sua rotina diária ser inteiramente consumida e preenchida pela adrenalina da guerra e da obsessão em trucidar Bin Laden. Maya não tem mais vida social, tampouco amigos e não consegue se afastar da zona de conflito mesmo sabendo que a qualquer instante ela possa ser feita em pedaços pela bomba de algum fanático.
 A guerra se tornou o seu crack, a sua heroína. Algo que devora seu corpo e espírito, mas que ao mesmo tempo é a única coisa que a faz seguir em frente em sua vida.
 A operação militar para assassinar Osama Bin Laden realizada pelo secretíssimo Seal Team Six, grupo de soldados de elite composto pelos melhores entre os melhores da Marinha dos EUA, é mostrada com uma riqueza de detalhes e realismo assombrosos, lembrando muito mais as táticas amedrontadoras do BOPE nas favelas do Rio em Tropa de Elite do que as epopeias bélicas esfuziantes de Braddock e Rambo. A sequência é filmada de forma ágil e seca, sem trilha sonora épica ou qualquer outro elemento que exalte coragem, heroísmo ou patriotismo.
 Pelo contrário, armados até os dentes e utilizando sofisticadíssimos óculos de visão noturna, que confere aos soldados uma aparência robótica fria e assustadora, os membros do Team Six vão eliminando qualquer homem ou mulher que surja em sua frente enquanto penetram no covil do líder da Al Qaeda mostrando que os soldados que executaram o líder máximo do terrorismo mundial não eram campeões da verdade e da justiça a serviço do mais fraco e oprimido, mas apenas assassinos profissionais competentíssimos e, provavelmente, muito bem pagos.
 A Hora Mais Escura, assim como os demais trabalhos de Bigelow, pertencem, em minha opinião, a um sub-gênero problemático do Cinema de Ação: os filmes de ação para adultos.
 Problemático não no sentido de qualidade, mas no de encontrar o seu público. Esmagados entre os filmes de ação convencionais, aqueles com roteiro repleto de furos gritantes e script que parece ter sido redigido por um débil mental, que tem como seu público alvo adolescentes que ainda acreditam que o Mundo é uma gigantesca Disneylândia e que medem o valor de um filme apenas pela quantidade de tomadas com CGI que são jogadas por minuto na tela e por dramas chatos repletos de lições de moral que os espectadores mais maduros parecem acharem que tem obrigação de assistirem para se sentirem mais intelectuais, os filmes de ação e aventura adultos são ignorados tanto pelo público mais jovem que torce o nariz para a complexidade do roteiro, se assusta com o realismo das cenas de violência e não tem paciência para um longa de aventura onde adrenalina, diálogos inteligentes e assuntos intrincados caminham lado a lado, quanto pelos cinéfilos adultos que, geralmente, pelo trailer e o cartaz os confundem com os filmes de ação tradicionais endereçados à platéia ten.
 Além de Katryn Bigelow os únicos outros cineastas de Hollywood em atividade hoje em dia com coragem para realizar longas de ação culhudos são Michael Mann (Fogo Contra Fogo, Miami Vice), Paul Greengrass ( Ultimato Bourne, Capitão Phillips) e o revolucionário Quentin Tarantino.
 Embora as produções destes cineastas sejam, quase sempre, elogiadas pela crítica dificilmente alguma de suas obras entrará para a lista das Maiores Bilheterias de Todos os Tempos. E resultam, como no caso dos subestimadíssimos filmes de Michael Mann, geralmente, em fracassos financeiros que são rapidamente esquecidos e se tornam obscuros cult movies.
 Quase sempre esse tipo de filme acaba encontrando seu nicho de admiradores entre os entusiastas de produções de horror heavy, filmes alternativos e de arte que estão mais acostumados a experimentalismos cinematográficos, temáticas radicais e cenas fortes.
 Um ponto que me deixou intrigado em relação a crítica "especializadas" sobre Guerra ao Terror e A Hora Mais Escura  foi o fato desta ter se surpreendido por uma obra tão visceral ter sido dirigida por uma mulher.
 Ora, só um cinéfilo pirralho que nasceu ontem ou alguém que desconheça completamente a trajetória de Katryn Bigelow para se abismar por toda a crueza e truculência de Zero Dark Thirty terem saído de uma mente feminina.
 Desde meados da década de 1980 que essa californiana, hoje uma sessentona enxuta que ainda tem muita adrenalina para queimar, vem mostrando ao mundo que filmes repletos de ação, fúria e músculos não são exclusividade de cineastas machões.
 Aqueles que, em termos cinematográficos, sempre associam o universo feminino a filmes românticos, dramáticos e "com mensagem", o chamado filme de mulherzinha, vai se assustar com toda a raiva, sangue e violência que explodem nas produções de Katryn Bigelow.
 Uma espécie de John Woo/ Peckimpah de saias, Bigelow começou a chamar a atenção de crítica e público com o terror ultra-cult  Quando Chega a Escuridão (Near Dark/EUA, 1987). Um dos mais realistas e perturbadores longas sobre vampiros já realizados. Ficando cabeça a cabeça com outros marcos sobre o assunto no cinema como Martin (EUA/1976) de George Romero, Sede de Sangue (Bakjwi/Thirst/ Coréia do Sul, 2009) de Chan-wook Park e Fome de Viver (The Hunger/EUA, 1983) de Tony Scott.
 Três anos após o sucesso de Near Dark a audaciosa cineasta se une ao feroz e polêmico Oliver Stone, que produz o novo petardo fílmico de Bigelow, e entrega outro filmaço: Jogo Perverso (Blue Steel/EUA, 1990). Um thriller policial feminista e brutal.
 Em 1991 a diretora conquista de vez os corações e mentes dos fãs do Cinema de Ação ao redor do Mundo com o arrebatador Caçadores de Emoções (Point Break/EUA, 1991). Produção policial sangrenta e estilizada mesclada com as mais alucinantes sequências de esportes radicais que se possa imaginar.
 Point Break marcou o início da relação profissional, e pessoal, de Katryn Bigelow com o todo poderoso James Cameron ( Titanic, Avatar).
 Cameron também iria produzir, e roteirizar, o próximo trabalho da cineasta: Estranhos Prazeres (Strange Days). Um cyberpunk sombrio e sinistro que antecipava as ideias de Matrix, mas com um teor bem mais adulto e efetivo que a obra dos Wachowski.
 Com o fracasso comercial de Estranhos Prazeres, algo inexplicável para uma produção tão empolgante, inteligente e tecnicamente impecável como Strange Days, Bigelow ficou no limbo por cinco anos retornando em 2000 com o drama hardcore O Peso Na Água (The Weight of Water/EUA, 2000), em que a cineasta transfere para os filmes dramáticos toda a força e ritmo pulsante dos longas de ação e aventura.
  Infelizmente, seguindo a sina de Strange Days, The Wight of Water também foi ignorado por crítica e público e logo foi esquecido nas prateleiras das vídeo locadoras.
 Dois anos depois a incansável diretora comanda a super produção K-19, The Widowmaker (EUA/2002). Uma aventura submarina a lá Caçada ao Outubro Vermelho ( The Hunt for Red October/EUA, 1990). Ambientado durante a guerra fria, K-19 trazia as marcas registradas de Bigelow: cenas de ação intensas e cruas e personagens verossímeis. O problema dessa vez foi que a estrela de Katryn Bigelow foi ofuscada pela presença do seu elenco famoso. Sendo que, até hoje, K-19 é muito mais lembrado como sendo "um filme" de Harrison Ford e Liam Neeson, protagonistas do longa, do que de Bigelow.
 Finalmente, em 2009, com um orçamento pequeno, portanto com muito mais liberdade criativa e menos pressão de produtores, Bigelow pode realizar outro clássico do mesmo nível de Point Break e Strange Days. Guerra ao Terror, juntamente com seu filme irmão A Hora Mais Escura, é uma primorosa obra-prima da violência, degradação e loucura que, finalmente, trouxe para as telas, sem nenhum tipo de complacência, a verdade e real dimensão sobre a intervenção norte americana no Oriente Médio. De quebra recolocou a carreira desta cineasta genial nos trilhos e, como eu citei anteriormente, deu um murro na cara do conhecido machismo hollywdiano arrancando da Academia o primeiro oscar de melhor diretora em quase oitenta anos de existência da premiação.
 Bem vinda de volta Katryn Bigelow!
 E viva as mulheres!