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A ORIGEM:SINAPSES ENTRE NEURÔNIOS E ADRENALINA

"Quando consigo aplacar minha sede,
 sonhando que estou bebendo, não preciso despertar-me para saciá-la"
-A Interpretação dos Sonhos
-Sigmund Freud
 
 "Total Recall", "O Exterminador do Futuro", "Akira", "Matrix", "Zona Verde"... Pode ter a certeza de que a lista de filmes de ação inteligentes, isto é, que possuam como pano de fundo para perseguições, lutas insanas, efeitos visuais deslumbrantes e jorros de de adrenalina e testosterona, roteiros que lidem em maior profundidade com temas relevantes como política, tecnologia, matemática, física, filosofia, etc, não se estende muito além dos citados acima.
  Pode-se dizer que surgem um ou dois a cada década, são como ouro e pedras preciosas achadas no garimpo após (as vezes dias) de garimpagem inútil, aonde a única coisa que se encontra é areia e terra áridas e descartáveis.
  Súbito, um novo metal suntuoso é descoberto pelo garimpeiro (leia-se o fã de cinema), para engrossar mais um pouco a esquálida lista de "filmes de ação intelectuais" e a nova aquisição deste catálogo se chama "A Origem" (Inception).
  "A Origem" é um turbilhão eletrizante de ação e aventura ambientado no mundo mais caótico, perigoso e sinistro que existe: as profundezas da mente humana e aborda uma das questões filosóficas mais ancestrais e perturbadoras que vem dilacerando o intelecto do homem desde que este "aprendeu" a raciocinar: o que é a realidade? Qual afinal, é a diferença (se é que existe alguma), entre o sonho e a vigília?
  Perguntas estas que já foram abordadas inúmeras vezes no cinema, literatura e outras formas de expressões artísticas.
 Ao contrário de "13°Andar" e "Matrix", que usavam a informática e a realidade virtual como metáfora para discutirem sobre o "Mito da Caverna" de Platão, "A Origem" ataca o problema mais de frente, dissecando este complexíssimo tema existencialista em uma configuração mais crua e primitiva.
 Como era de se esperar de uma obra que debate um assunto tão obscuro quanto este, "inception" possui um roteiro emaranhadíssimo, impossível de explanar em poucas linhas, ou até mesmo em poucas páginas.
  Basta dizer que o texto é tão bem elaborado, construído por meio de uma engenharia tão precisa e delicada quanto a de um relógio suíço, que se tem a impressão de que se for retirada uma única e misúscula peça  (ou se o espectador desviar a sua atenção do filme por um único segundo sequer), todo o magnificente maquinário que é o roteiro do longa vai desabar sobre si mesmo.
  A espinha dorsal do mirabolante e genial roteiro engendrado por Cristopher Nolan (também diretor do filme) é sobre um grupo de golpistas de alto nível liderados por Don Cobb (Leonardo di Caprio, que atuando nos filmes de Scorsese aprendeu definitivamente a arte da interpretação), que praticam espionagem industrial através de métodos psíquicos e metafísicos em que invadem os sonhos de indivíduos e lhes roubam seus segredos mais bem guardados no fundo de suas psiques.
  Desde as primeiras cenas o espectador é jogado no meio da desordem espetacular do universo onírico, aonde os herméticos tratados de Carl Gustav Jung, Freund e outros estudiosos da mente/cérebro do homem, são abordados, discutidos e explicados, não por meio de diálogos e palavras, mas sim por um caos de sequências de ação ininterruptas e gradualmente radicais, protagonizadas não por intelectuais sensíveis encerrados em ambientes acadêmicos, mas por homens brutos e implacáveis que parecem terem saído de um livro hard-boiled de Dashiell Hammet, indivíduos inteligentes sem dúvida, mas acima de tudo homens de ação, das ruas, junkies de adrenalina, caçadores da morte.
  Seguindo a tendência imposta pelos mestres contemporâneos do cinema de ficção imaginativa como Peter Jackson, Neill Blonkemp e Guillermo del Toro, Cristopher Nolan faz em "A Origem" o realismo sempre caminhar lado a lado com a fantasia, mesmo nos momentos mais tresloucados desta e sempre questionando implacavelmente o espectador até os últimos minutos de exibição sobre o torturante enigma (que perpassa todo o longa) da dualidade entre o "estar sonhando" e o "estar acordado" Seriam estes dois princípios realmente opostos, ou apenas as duas faces de uma mesma moeda?
  Encabeçado por Di Caprio, o filme possui um elenco tão homogêneo, que parece não existirem papéis coadjuvantes, pois até mesmo estes são personagens extremamente ricos, sempre possuindo importância fundamental para o desenvolvimento do ,enredo.
  Mesmo assim, se pode destacar Ellen Paige, (que interpreta uma interessante variação moderna da personagem da mitologia grega Ariadne), Joseph Gordon-Levitt (alternando momentos de interpretação contida e introspectiva com outros de ação extrema e explosiva)  e Cillian Murphy, que consegue transmitir toda a agonia e desorientação sofrida pelo seu personagem.
  Já o lado técnico do filme parece estar o tempo todo querendo disputar com o roteiro, para ver qual dos dois merece mais adjetivos superlativos como "brilhante", e "perfeito".
  Efeitos digitais, efitos físicos, iluminação, cenografia, make-up...., tudo parece tão espetacularmente bem feito e de ter sido tão difícil de se fazer quanto o texto do longa.
  Algumas cenas de "A Origem" como a da cidade que se dobra sobre si mesma, lutas em gravidade zero e uma locomotiva desgovernada invadindo uma rua movimentada, possuem um impacto visual tão poderoso e inesquecível quanto o gigantesco destróier da sequência inicial de "Uma Nova Esperança", o arranha-céus em chamas no clímax de "Duro de Matar" ou as pancadarias marciais da trilogia "Matrix".
  Porém o que mais chama a atenção em "A Origem" é a sua montagem.
  A edição de imagens é exata e complexa como uma equação matemática, fazendo com que as infinitas seqências de ação (que se passam paralelamente em tempos e espaços distintos) se encaixem umas nas outras com tamanha precisão cirúrgica, que parecem estarem "falando", "explicando" para o espectador as difíceis questões sobre psicologia, neurologia, física, filosofia e química abordadas pelo filme.
  Isso se deve ao fato de o cineasta inglês Cristopher Nolan ser um adepto da "mesma escola" de montagem intrincada de Akira Kurosawa, Jean Luc-Godard e Quentin Tarantino. Diretores para quem a edição é uma arte , uma requintada forma de se contar uma história, devendo ser sempre tão surpreendente e tão bem trabalhada quanto o próprio roteiro do filme e não apenas um "canal"para irem se aglutinando imagem atrás de imagem em uma burocrática linha reta.
  Quase todos os longas de Nolam seguem esta tendência de narrativa embaralhada, fragmentada, de flash-backs no interior de flash-backs, formando um atordoante quebra-cabeças que fica martelando nos neurônios do espectador e que este, geralmente, só conseguirá montar horas após o filme ter acabado.
  Porém, esta não é a única qualidade de seus filmes.
  Seus roteiros são, na maioria das vezes, enigmáticos, thrillers desafiadoramente cerebrais, com personagens de natureza ambígua, perturbados, obcecados, dilacerados por traumas violentos e protagonizando cenas de ação eletrizantes e realistas.
  Vem sendo assim desde o obscuro cult "Following", a estréia de Cristopher nos cinemas em 1998 e que conta a ímpar história de um aspirante a escritor, que seguepessoas pelas ruas observando seus modos de vida, com o intuito de buscar inspiração para seus livros.
 Já em "Amnésia" (Memento) de 2001 (que tornou o cineasta internacionalmente famoso), Nolan constrói uma das narrativas cinematográficas mais audaciosas de todos os tempos, ao editar de marcha-a-ré literalmente e do início ao fim, uma trama noir de assassinato.
  Embora a sua obra seguinte "Insônia" (Insomnia), lançado em 2002 possua um formato mais convencional, ainda consegue arrebatar e perturbar o espectador com uma trama incômoda, além de oferecer interpretações viscerais de todo o cast.
  Com o sucesso estrondoso de "Batman Begins" em 2005, Nolan começou a ganhar carta branca das majors americanas para desenvolver os projetos que quisesse, graças a visão ultraverossímil que imprimiu ao mítico homem-morcego, que neste longa, após inúmeras tentativas fracassadas, conseguiu finalmente levar para as telas toda a insanidade, truculência e realismo das clássicas HQs que Frank Miller e Allan Moore perpetraram nos anos 80.
  Contrariando as expectativas de quem esperava que o cineasta usasse o seu recém-adquirido prestígio em Hollywood, para realizar apenas super-produções milionárias de ação e aventura com retorno financeiro garantido, Cristopher Nolan surpreende mais uma vez com o complicadíssimo "O Grande Truque" (The Prestige), um supense de época sombrio com um roteiro tão intrincado e salpicado com tantas reviravoltas inacreditáveis, que é praticamente impossível digerirn por completo a sua trama assistindo-o apenas uma única vez.  Dois anos depois , com  "O Cavaleiro das Trevas" (The Dark Knight), continuação de "Batman Begins", o cineasta supera mais um desafio, demonstrando que uma continuação pode sim, ser superior (no caso específico de "O Cavaleiro das Tevas", muito superior) que o original. Outra coisa tão rara de se ver no mundo do cinema quanto um "filme de ação inteligente".
  Agora, com "A Origem", Cristopher Nolan atinge o pináculo de sua carreira, com uma obra arrebatadora em praticamente todos os sentidos e que o consaagra definitivamente como um novo mestre da linguagem cinematográfica. Inserindo-o dentro do distinto grupo de cineastas que ainda mantém viva a centelha de criatividade, inteligência e ousadia em Hollywood, que de resto é uma mera indústria de produtos pasteurizados para consumo de massa.
  Agora só nos resta torcer para que nas décadas vindouras, o cinema continue tendo a sorte de ver surgirem cineastas como Cristopher Nolan, Darren Aranofski, David Fincher, etc.
  Em último caso, nem que seja apenas em nossos sonhos.

"Até que um dia conheceu, pela primeira vez,
o verdadeiro dono de um sonho que ele, o Pirata, tinha sonhado."

- O Arco-Íris da Gravidade
- Thomas Pynchon
  
 









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Avatar: Um novo divisor de águas no cinema de ficção-científica



  Após um interminável hiato de doze anos, o canadense James Cameron, um dos cineastas mais geniais e ousados que já existiu desde que Lois e Auguste Lumiére construíram o primeiro cinematógrafo, explodiu novamente nas telas com "Avatar".
 Como de costume, essa nova obra de Cameron era uma ficção científica (gênero que o próprio anteriormente, ao lado de outros desbravadores da sétima arte como Kubrick, Lucas e Ridley Scott, já havia ajudado a revolucionar, elevando-o a níveis de sofisticação técnica, temática e artística inimagináveis).
 E mais uma vez, como de costume, o novo filme de Cameron foi um gigantesco e inovador desafio tecnológico, consumindo dezenas de milhões de dólares e que necessitou para a sua realização, de estúdios cinematográficos high-tech de ponta dignos da Nasa.
 Para finalizar, novamente a revolução da linguagem cinematográfica provocada por esta nova obra do diretor de "Terminator", foi tão devastadora que fez com que o próprio cinema como um todo, avançasse radicalmente tanto em sua forma de como é feito, quanto na de como é assistido.
 Os efeitos colaterais de tudo isso foram uma bilheteria milionária (o maior faturamento cinematográfico de todos os tempos, para ser mais exato) e um verdadeiro tsunami de "Avatar" invadindo todas as mídias, transformando o filme em mais uma divindade na cultura pop.
 Porém agora, vamos aos três elementos que realmente importam em "Avatar" ou em qualquer outro filme, o núcleo da coisa toda, o coração, a Santa Trindade primordial que fará com que a obra cinematográfica fique gravada a ferro e fogo por muito tempo (ou pela vida toda), na memória do cinéfilo:um bom roteiro, boas interpretações e sobretudo uma direção competente de um cineasta que imponha a sua própria visão artística e técnica acima de quaisquer regras financeiras, comerciais e modistas, sempre filmando o seu material com respeito e paixão.
 E respeito e paixão é justamente o que não falta em "Avatar" por parte de seus realizadores principalmente, é lógico, de seu diretor.
 Acredito que, excentuando-se os filmes de Stanley Kubrick e da série "Star Wars", nunca uma super-produção hollywoodiana foi realizada de forma tão autoral e cuidadosa.
 Cameron vinha desenvolvendo o roteiro de "Avatar" há (no mínimo) quinze anos, inserindo gradativamente neste elementos de ficção científica, astronomia, biologia, histórias em quadrinhos, literatura fantástica em geral, etc. Elementos estes que fascinavam o cineasta desde a infância.
  A história de "Avatar" é simples e sucinta (porém muito bem contada):cerca de cento e cinquenta anos no futuro, a corporação terrestre "RDA", invade a lua "Pandora", que orbita um planeta gigante chamado "Polifemo", localizado no sistema solar "Alfa-Centauro" (o mais próximo de nosso próprio sistema solar), com o objetivo de extrair do satélite o máximo possível de um mineral que possui uma rara substância supercondutora chamada "unobtanium", mesmo que para isso a "RDA" tenha quedevastar toda a abundante fauna e flora de "Pandora".
  Para poder respirar na atmosfera tóxica e se locomover com mmais facilidade pelas perigosas e traiçoeiras selvas da lua, os exploradores terrestres se valem de um engenhoso artifício:misturando os DNAS de um ser humano e de um na'vi (alienígenas humanóides que habitam "Pandora"), criam clones híbridos humano/alien (batizados sabiamente de avatares). Em seguida, transferem a mente do humano doador do DNA para o interior do avatar, passando então a incorporar e controlar o mesmo.
  Para quem ainda não sabe, a palavra avatar não foi criada especificamente  para o longa de Cameron. Trata-se de um termo antiquíssimo, originário do sânscrito (uma língua cujos primeiros textos remontam de 1.800 a 500 a.c.). Avatar ou avatara era o nome dado as diversas encarnações e formas assumidas pelos deuses indianos (especialmente a divindade "Vishnu") cada vez que a ordem universal era perturbada.
  Devido a isso avatar também pode significar transformação, metamorfose.
  Na informática, que foi o campo aonde a palavra mais se popularizou nos tempos modernos, o vocábulo avatar foi introduzido através do cultuado romance "Snow Crash" do escritor Neal Stephenson. Baseados nas idéias contidas nesta obra de Stephenson, programadores de computador criaram o revolucionário "Second Life", um gigantesco mundo virtual on-line, aonde era possível aos milhares de usuários espalhados pelo mundo afora, interagirem uns com os outros "encarnado" personagens digitais chamados de avatares, aos quais os usuário podiam adicionar características de sua própria personalidade:sexo, vestuário, etc.
  A grande interatividade proporcionada pelo "Second Life" logo se espalhou para dezenas de games multiplayer e sites de relacionamento.  
  Em "Matrix" dos Irmãos Wachowski, outro longa de ficção científica seminal, os personagens se conectam a avatares digitais ultrasofisticados por meio de links intracranianos para poderem se locomover em um "Second Life" turbinado, uma gigantesca realidade virtual que simula a perfeição o mundo real em seus mínimos detalhes.
  Na ciência de verdade, a criação de avatares físicos ainda engatinha, mas aponta para um futuro promissor. Um grupo de nerocientista (do qual faz parte o brasileiro Miguel Nicolelis), realizam testes experimentais com macacos, conectando os cérebros dos animais a membros cibernéticos que os primatas movimentam a distância, através de eletrodos e rádio ligados a seus crânios.
  A idéia é no futuro, através desta técnica, permitir que paraplégicos, tetraplégicos e indivíduos que tiveram os membros amputados, voltem a se movimentar por meio de implantes robóticos ou orgânicos "inteligentes" que serão ligados diretamente ao cérebro humano.
  Indo um pouco mais longe, os cientistas também acreditam que a longo prazo, seguindo esta mesma linha, será possível com que as pessoas (inclusive as que tiverem membros perfeitos), possam controlar a distância organismos robóticos completos e quem sabe um dia, até mesmo um autômato biológico de carne e osso.
  Estes avatares físicos poderiam ser usados, por exemplo, para carregar utensílios e equipamentos demasiadamente pesados para serem manipulados por uma pessoa normal, ou então em campos de batalha, como soldados comandados por "controle remoto", reduzindo assim as baixas humanas.
  Porém, a nova sci-fi de Cameron vai ainda mais longe do que tudo isso: através de avançadíssimas técnicas de neurociência, engenharia genética e biotecnologia, os cientistas do filme literalmente transferem a mente dé uma pessoa para o interior do hospedeiro humano/na'vi, que o usuário humano então passa a possuir e controlar tal qual um espírito que invade um corpo alheio.
   E á através dos avatares que o protagonista da trama Jake Sully (Sam Worthington), um ex-fuzileiro naval amargurado e deficiente físico, vê a sua chance de se libertar da "prisão" da cadeira de rodase voltar a exercer a sua profissão.
   Jake é introduzido pelos militares mercenários da RDA na comunidade na'vi, com o objetivo de convencer os alienígenas a não oferecerem resistência perante a ocupação humana em Pandora.
   Porém, Jake logo fica fascinado pela cultura do povo na'vi e pela beleza e mistério da natureza de Pandora, se rebelando contra seus superiores (dando início a clássica transformação interior de um personagem: de alguém passivo e sem rumo na vida, para uma pessoa idealista e de personalidade forte) e se tornando líder do levante na'vi contra a ocupação humana.
   Trata-se  de uma quase típica história de space ópera, um dos sub-gêneros mais antigos, tradicionais e populares da ficção científica.
   Nascida nos anos 30, a space ópera sempre se caracteriza por retratar  tramas épicas, geralmente ambientadas em mundos fantásticos e deslumbrantes, com batalhas grandiosas travadas no espaço sideral ou em planetas distantes e uma relação maniqueísta entre o bem e o mal.
   "Avatar" porém, possui traços de new space ópera, que surgiu nos anos 90 e foi influenciada pelo cyberpunk.
   A new space... se diferencia da space ópera tradicional por retratar a tecnologia futurista de maneira mais hard e detalhada, com personagens mais complexos e um clima geral de pessimismo mais acentuado.
   Outra grande influência de "Avatar" (e de quase toda a obra de Cameron) é a space ópera militar, nascida nos anos 80 (cujo pai é o escritor Robert H. Heinlein, que lançou as bases da space ópera militar em livros publicados na década de 50)  e que mostra as grandiloquentes guerras espaciais travadas não pelos bruxos alienígenas e guerreiros místicos high-tech típicos da space opera purista e sim por lacônicos exércitos militares com armamentos e infra-estrutura bélica extremamente realistas.
   Contudo, a exemplo de "O Senhor dos Anéis" de J.R.R.Tolkien, a complexidade desta nova obra de Cameron, não está no desenrolar de sua trama em si, mas na descrição hiper-detalhada do mundo em que esta se passa.
   Jamais, excentuando-se na literatura, um ambiente imaginário fora construído com tanta riqueza visual, histórica e antropológica quanto "Avatar".
   Cada espécie de vida animal ou vegetal que vive, cresce e se locomove pelo viçoso e diverso ecosistema da distante lua Pandora foi obssessivamente pensado, planejado e pormenorizado por uma equipe de especialistas ligados a vários ramos da ciência (biologia, botânica, paleontologia, astronomia, etc), liderados por Cameron com o objetivo de criar um mundo fantástico com o máximo possível de verossimilhança e veracidade científica.
   Os na'vi, os alienígenas humanóides extremamente inteligentes de Pandora (mas que ainda vivem em sociedades primitivas, semelhantes aos nossos índios selvagens) são abordados em minúcias no longa, não apenas em seus aspectos biológicos, mas também em relação aos seus modos de vida, estrutura social, história, religião, mitologias e até mesmo linguísticas: um linguista foi contratado por Cameron para ajudá-lo a "simplesmente" elaborar um idioma único para os na'vi, com palavras e regras gramaticas próprias que realmente funcionassem e fuzessem sentido (algo semelhante ao que Tolkien fez ao criar os idiomas élficos).
  O Resultado de tantos pormenores na idealização dos na'vi, foi que estes, para o bem ou para o mal, entraram de forma instantânea no imaginário popular.
   Transformar o roteiro, desenho de produção e storyboard deste literal novo mundo concebido por James Cameron em imagens cinematográficas com a qualidade e verossimilhança absurdas exigidas pelo cineasta foi uma tarefa hercúlea e gigantesca.
   Em primeiro lugar, quase toda a infra-estrutura técnica necessária para o diretor dar vida a Pandora na época em que este pensou em tirar a história do papel pela primeira vez em 1.994, teria que ser tão avançada e visionária que seria considerada tão "ficção científica" quanto o próprio filme que seria produzido por esta.
   O cineasta teve então que aguardar mais de uma década para que a tecnologia necessária para gerar o seu filme se tornasse amadurada.
   Enquanto se envolvia com novos projetos (o filme "Titanic", séries de tv e vários documentários sobre naufrágios históricos e explorações das profundezas marítimas), Cameron ia paralelamente desenvolvendo e testando novos modelos de câmeras para captações de imagens cada vez mais sofisticadas e apuradas (como as câmeras para grandes profundidades subaquáticas, que Cameron utilizou para realizar o documentário "Ghosts in the Abyss").
  Porém, a cartada decisiva para a concretização de "Avatar" não partiu de Jim, mas de seu colega de profissão neozelandês Peter Jackson.
  Na época em que Cameron tirava férias do cinemão comercial, Jackson através de sua empresa Weta Limited, fazia os efeitos visuais no cinema darem verdadeiros saltos evolucionários, de uma forma tão radical quanto só a Industrial Light and Magic de George Lucas havia fito anos antes.
   O Talento dos programadores da Weta Digital (a divisão de efeitos digitais 3-D da Weta Limited), permitiu transformar linguagem binária em "matéria orgânica" 100% crível. E mais: os personagens virtuais da Weta, através de seus gestos e expressões faciais, transmitiam sentimentos verdadeiros de raiva, medo e paixão de uma forma com a indústria cinematográfica (e o público) nunca haviam visto antes.
   Era exatamente o tipo de refinamento técnico que Cameron necessitava para poder "dar vida" aos seus personagens digitais de "Avatar".
   Ao mesmo tempo, Jim havia chegado (com a ajuda de seu irmão engenheiro e do diretor de fotografia Vince Pace) ao estágio final de suas revolucionárias câmeras "reality camera system". Baseadas em um protótipo desenvolvido pela Nasa, essas câmeras cradas por Cameron captavam imagens em 3-D digital de forma orignal e incisivamente imersivas.
   Outra grande inovação das reality camera system é o processamento de renderização em cima de uma cena "crua" em tempo real, no exato instante em que stão sen do gravadas, eliminando drasticamente o tempo de pós-produção.
   A união dos efeitos computadorizados tridimensionais da Weta Digital (que em "Avatar" levou a técnica de captura de movimento ao limite) com o sublevador novo sistema de gravações de imagens de Cameron, tranformou "Avatar" em algo único, um espetáculo visual estonteante com uma inacreditável riqueza de detalhes.
   Não são apenas os personagens virtuais do filme que parecem absurdamente orgânicos e palpáveis. Todos os cenários artificiais do filme (que somam 60% de todo o longa) transbordam vida e realismo.
   Cada rio, montanha, selva, flor e folha de árvore de Pandora pulsa vida e energia.
   E esse realismo radical e obssessivo para com os efeitos especiais se estendeu para além de personagens e cenários orgânicos: veículos terrestres e aéreos, naves espaciais, robôs, armamentos, hologramas e efeitos monitorados em geral (que aparecem no filme em grande quantidade, diga-se de passagem), seguem a mesma regra draconiana imposta por Cameron de "perfeição técnica até mesmo aos mais ínfimos detalhes".
   Graças a toda esta opulência e requinte visual, "Avatar" granjeou três prêmios técnicos no último oscar: direção de arte, fotografia e efeitos visuais, além de de outras indicações incluindo melhor filme e diretor.
   Porém,a maior conquista do longa foi ter sido um divisor de águas na indústria do entretenimento.
   A onda do 3-D digital já estava nos cinemas quatro anos antes de "Avatar" estriar nas telas, mas foi só com o lançamento do novo filme de James Cameron que o novo formato começou realmente a chamar a atenção ganhando impulso e respeito.
   "Avatar" abriu os olhos não apenas dos executivos de Hollywood e donos de cadeias de cinemas, mas também das grandes corporações que produzem aparelhos de televisão, monitores de computador e produtos de alta tecnologia, mostrando-lhes que estava na hora de mudar, inovar, explorar as incríveis possibilidades proporcionadas pela dimensão extra do 3-D, uma tecnologia que já estava entre nós a algúm tempo, mas sempre sendo sub-aproveitada.
   Se atualmente já existem televisores em 3-D, de blue-rays codificados para este novo formato e até mesmo de canais de tv com programas em três dimensões (inclusive no Brasil), começando a invadir os lares pelo mundo afora, pode ter a certeza de que "Avatar" teve um a boa parcela de culpa nisso tudo.
   Mas esqueça tudo isso e como foi dito no início desta crítica vá ao que realmente importa, o coração de coisa toda: assista a este novo e ótimo filme do cientista da sétima arte James Cameron.
   Assista-o com a mente aberta para poder fazer aquilo para o qual o cinema foi criado: sonhar, acreditar no inacreditável, explorar novos mundos, seres, possibilidades e idéias. Explorar a própria imaginação do ser humano em seu estado mais puro e bruto.
   Mas assista a tudo isso de preferência em 3-D...se for possível, é claro.