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FOME ANIMAL: UM FILME PARA MATAR A SUA FOME POR CRIATIVIDADE

  "É quando o grito de pavor entalado na garganta explode em riso histérico"
   Paulo Capuzzo (revista Set, agosto de 1989)

 O filme do qual fiz a crítica nesta postagem considero tão essencial, espetacular e definitivo que demorei dias até conseguir imaginar uma forma realmente adequada e respeitosa o suficiente de iniciar a sua apreciação.
 Hoje finalmente eu consegui: "Fome Animal" (Brain Dead, Nova Zelândia, 1992) não é um filme. É uma força da natureza!                                                                                                                                      
 Assistir a esta verdadeira obra de arte barroca do gore, equivale a escutar o mais underground e radical dos grindcore no volume máximo: a sua adrenalina atinge picos inacreditáveis, você tem vontade de gritar, de rir, de explodir, de sair correndo por aí gritando para todo mundo ouvir: "Cara, esse filme é a coisa mais foda que eu já  assisti na minha vida"! Você tem vontade de mandar o mundo inteiro a puta que o pariu!
 Já lí várias críticas e comentários na rede sobre "Fome Animal" em que usam a palavra "trash" infinitas vezes para designar este prodigioso e memorável épico nauseabundo. Outra definição muito comum a "Brain Dead"  em várias resenhas é "o filme é tão ruim que chega a ser bom".
 Bem, a única coisa que eu posso dizer é que as pessoas que redigiram estas sinopses não entendem nada de filmes de horror em particular e de cinema em geral.
 Filmes trash, são produções mal realizadas de uma forma mais ampla: são filmes mal editados, com uma fotografia pobre, direção medíocre, roteiro ridículo, interpretações reles, etc. Ou seja, são filmes mal acabados de uma forma geral. E isso não tem nada a ver com questões orçamentárias. "Fúria de Titãs" e o segundo filme da série "Tomb Raider", tiveram orçamentos milionários e equipes técnicas de primeira, mas isso não impediu que estas produções tivessem sequências tão mal filmadas que se tornaram ridículas. Em comparação "The Evil Dead", um filme que custou míseros US$ 600.000, possui câmeras, edição, enquadramentos, sonoplastia e efeitos de make-up tão sofisticados que influenciaram não apenas o cinema independente e de horror, mas toda a poderosa indústria cinematográfica norte-americana e também o cinema de outros países.
 E em "The Evil Dead" tudo foi feito de maneira artesanal, fortalecendo a idéia de que o que vale mesmo no cinema (e em qualquer outra forma de expressão artística) é mesmo a criatividade e o amor de seus realizadores pelo material que estão filmando.
 A palavra trash geralmente está associada a filmes de horror e de baixo orçamento, porque neste nicho cinematográfico é comum os diretores, roteiristas, técnicos, etc, não possuírem cursos de cinema ou alguma especialização na área, muito menos algum apoio financeiro ou patrocínio de alguma empresa, etc. Pois o horror é um gênero punk, rebelde e subversivo por natureza e "punk" e "subversão" são palavras pouco em voga na sociedade politicamente correta e ultra-consumista dos dias de hoje. Devido a esses fatores muitas vezes os filmes de horror acabam saindo mesmo de forma tosca e crua.
 Mas alegar que filmes mal-feitos são via de regra no cinema-B e de horror está longe de ser uma verdade.
 E "Fome Animal" é a prova viva (melhor seria dizer morta-viva) desta minha afirmação.
 Autêntica obra de arte da imaginação, este segundo filme do hoje respeitadíssimo cineasta Peter Jackson, "Brain Dead" brinda o espectador com um verdadeiro exército infernal de criaturas e monstros originalíssimos  , efeitos splatter que beiram a perfeição, um roteiro que surpreende (e choca) a cada instante, surrealismo, metáforas, inteligentes citações a outros clássicos do cinema fantástico e uma imaginação sem fronteiras...
 "Fome Animal" é o terrir em seu estado mais insano, depravado, divertido e sarcástico. Não existem limites para qualquer tipo de ataque a moral, aos bons costumes e principalmente ao estômago do espectador: mortos-vivos enlouquecidamente antropófagos, perfurações, decapitações e eviscerações orgânicas de todas as espécies, cadáveres ambulantes de todos os tipos que se possa imaginar (e em todos os graus de putrefação que se possa conceber), sexo além túmulo e muitas outras maravilhas que nem mesmo  os integrantes do "Canibal Corpse" conseguiriam inventar mesmo em seus surtos de inspiração mais delirantes. É fantasia negra destilada, um autêntico filme de zumbis: fétido até a raíz, carnívoro até a alma.
 Jackson ainda consegue inserir no meio de toda a orgia gore e criaturas fantásticas, uma subtrama de mariticídio, que apesar de ocupar poucos segundos na tela, possui importância vital para o desenvolvimento dos protagonistas e para todo o filme em si.
 A sequência do matricídio é de uma concisão admirável e denota a genialidade deste grande cineasta neozelândes para manipular imagens a maneira de Hitchcock, ao conseguir extrair um grande impacto visual e dramático com apenas um pequeno punhado de cenas (lembremos, por exemplo da picotada sequência do chuveiro de "Psicose", aonde não aparece nada de muito explícito, mas de tão bem filmada se tornou aterradora e imortal).
 Para fechar "Fome Animal" com chave de ouro, Jackson e sua equipe promovem um inacreditável e inimitável banho de sangue em tamanho família, aonde alegam terem usado dezenas de litros de sangue de porco para simular sangue humano. Demais!
 Outro ponto interessantísimo neste filme é que Jackson o usou como ponto de partida para uma mitologia que une "Fome Animal" com algumas de suas outras produções posteriores. A ilha em que um grupo de aventureiros captura o aterrorizante macaco-rato da Sumatra  é a "Ilha da Caveira", que é simplesmente o habitat de King Kong, protagonista de um dos maiores clássicos do cinema fantástico e de aventura e que foi refilmado pelo próprio Jackson em 2005, em uma versão respeitosamente fiel ao clássico original de 1933. Reparem no berro selvagem de alguma fera pré-histórica que explode na ilha apavorando os aventureiros logo no início de "Fome Animal". Seria algum exemplar de uma das várias raças de dinossauros que infestam a ilha ou então algum gorila gigante, remanescente da espécie do próprio Kong? E a tribo de selvagens nativos da ilha parecem uma versão cartunizada dos macabros autóctones da Ilha da Caveira que aparecem  no remake de Jackson.
 Em contrapartida, uma caixa aonde está escrito "macaco-rato da sumatra", aparece no interior do navio dos traficantes de animais do "King Kong de 2005. E o cemitério aonde o protagonista de "Brain Dead" enfrenta um grupo de bizarros zumbis é o mesmo em que Michael J.Fox descobre a verdadeira identidade do fantasma assassino de "Os Espíritos" (The Frighteners"), a estréia de Peter Jackson em Hollywood.
 Como todo o cinéfilo sabe, por mais autoral que seja um diretor, o cinema nunca deixa de ser uma atividade conjunta, que depende do resultado da soma de vários profissionais trabalhando juntos.
 Portanto, apesar de sua inegável genialidade e tenacidade, Peter Jackson deve uma boa parcela da qualidade e do sucesso de sua filmografia a um talentoso grupo de colaboradores, como a sua esposa Frances Walsh (produtora e roteirista de todos os filmes de Jackson), o iluminador Andrew Lesnie (responsável pelas imagens da trilogia "O Senhor dos Anéis", "King Kong", "Um Olhar do Paraíso") e o compositor Howard Shore ("O Senhor dos Anéis").
 Porém, o maior responsável pelas insanas e magníficas visualizações de Jackson no cinema é sem dúvida, o grande técnico de efeitos visuais Richard Taylor.
 Taylor esteve diretamente envolvido nos efeitos visuais e arte conceitual de todos os longas de Jackson, (através da empresa de ambos a "Weta Ltda") e também em produções de outros cineastas.
 Confesso que considero Richard Taylor, um dos especialistas em efeitos visuais mais talentosos e subestimados de todos os tempos.
 Todo mundo baba ao falar de Rick Baker, Tom Savini, Rob Bottin, Giannetto di Rossi, Greg Nicotero,etc.
 Mas vejo pouquíssimos comentários sobre Taylor, um verdadeiro mestre na criação e designer de monstros e criaturas fantásticas e que não  perde em nada e muitas vezes até supera os nomes citados acima.
 A exemplo de Stan Winston, Richard Taylor é um esteta do bizarro, que não se restringe a apenas um aspecto dos efeitos visuais, como por exemplo os efeitos de maquiagem. Taylor e sua equipe da Weta Workshop ( a divisão de efeitos visuais físicos da Weta) criam e elaboram de tudo: maquiagem, animatrônicos, maquetes, designer de veículos, armamentos, figurinos, etc. Dos zumbis genialmente apodrecidos de "Brain Dead" aos aliens high-tech de "Distrito 9" e "Avatar", todos tiveram a colaboração da soberba criatividade de Richard Taylor.
 Portanto um dentre os vários motivos para se assistir "Fome Animal", é podermos apreciar os primórdios das carreiras de Peter Jackson e Richard Taylor, dois verdadeiros magos da imaginação humana, cujos filmes de horror lhes ensinaram a como ganhar o oscar e o respeito de críticos e fãs do mundo inteiro.

1 comentários:

Gregor Samsa

Confesso que sou fã de Fome Animal, de vez em quando sempre encontro uma vítima de estomago fraco para assistir esta fascinante película. Muito boa a sua critica/analise
do filme, abraço!!!

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