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CANIBALISMO DE SILICONE

  Hype, no jargão cinematográfico, significa a promoção extrema de um filme e está geralmente ligado as superproduções.
 O hype cinematográfico, na maioria das vezes, é uma faca de dois gumes aonde estados de euforia e excitação andam de braços dados com a tristeza e uma decepção raivosa.
 A resposta para isso é praticamente óbvia e quase todo mundo já a conhece: ao se tornarem muito custosos financeiramente os filmes acabam se relacionando mais com as ciências econômicas e exatas do que com a linguagem audiovisual e a sétima arte.
  A equação é simples: quanto mais cara é uma produção cinematográfica mais ela deve vender. É quando o cinema abandona a sua condição de arte e se torna um mero produto.
 As gigantescas e poderosas máquinas de marketing dos grandes estúdios trabalham em suas capacidades máximas inundando o mercado e todos os meios de comunicação com propagandas---na grande maioria das vezes enganosas---e quinquilharias relacionadas ao produto que eles devem nos vender e nos empurrar goela abaixo. Se o "filme" em questão é bom ou ruim é apenas um mero detalhe...
 O mais incrível é que a grande maioria dos espectadores continuam caindo nesta armadilha de muito hype e pouco conteúdo, mesmo após terem sido enganados infinitas vezes pelos executivos tubarões das majors.
  Existe uma outra espécie de hype cinematográfico mais humilde, mas não menos viral, o popular "divulgação boca-a-boca", um hype "artesanal", por assim dizer.
  Geralmente mais associado a produções independentes e de baixo orçamento, que não dispõem de grandes departamentos de marketing para a sua divulgação estes filmes tem que conquistar o seu espaço na raça mesmo, ou seja, eles devem ser realmente bons o suficiente para os seus espectadores saírem tão maravilhados e satisfeitos das salas de exibição a ponto de pararem estranhos na rua apenas com o intuito de divulgar a obra que acabaram de assistir.
  Quase nunca o hype artesanal é propaganda enganosa, afinal de contas, nesse caso, é o próprio espectador comum quem faz a divulgação do filme, ao contrário dos críticos especializados que, muitas vezes, são pagos para incensar uma obra.
 Todavia, as vezes, por mais incrível que pareça, o marketing boca-a-boca também é fraudulento. O que leva  milhares de pessoas a cultuarem bombas cinematográficas já é uma assunto mais complexo e obscuro que envolve questões psicológicas e antropológicas. Nesta postagem se irá analisar uma dessas bombas superestimadas apenas em seu aspecto puramente fílmico. Um desses inacreditáveis casos de marketing artesanal tabajara é Canibal Ferox ( Itália, 1981) de Umberto Lenzi, produção que encerra o amado e odiado ciclo dos filmes italianos sobre canibalismo.
 Em 1980, uma produção cinematográfica italiana chamada Canibal Holocaust sacode o mundo. Herdeiro do polêmico shockumentary, também oriundo da Itália, de 1962, Mondo Cane, Canibal Holocaust, dirigido por Ruggero Deodato, não havia sido a primeira produção italiana sobre canibalismo praticado por selvagens das florestas tropicais, mas era, sem dúvida, a mais grotesca, ousada e original lançada até então.
 Na época, Umberto Lenzi, considerado o pai dos filmes sobre canibalismo e diretor da obra precursora sobre antropofagia O País dos Canibais ( Paese del Sesso Selvaggio, Itália, 1972), se sentiu enciumado com todo o sucesso do filme de Deodato entre os fãs de horror e resolveu dirigir um filme definitivo sobre canibalismo radicalizando ainda mais todos os extremismos e excessos típicos deste subgênero.
 Infelizmente, o tiro de Lenzi não poderia ter saído mais pela culatra. Canibal Ferox ( Itália, 1981) é realmente explícito quando se trata de violência gráfica, mas absolutamente paupérrimo em termos de interpretações de quase todo o elenco e de um clima sério e sombrio que eram qualidades admiráveis na obra de Deodato realizada um ano antes.
 Canibal Ferox parece uma refilmagem de Canibal Holocaust idealizada por um pirralho de quinze anos fã de slashers descartáveis.
 Tudo no filme---a exceção dos efeitos especiais---parece ter sido feito as pressas e sem nenhum tipo de cuidado. As caracterizações e atitudes dos índios canibais amazonenses, apesar de brutais na grande maioria das vezes, são tão caricatas que provocam risos ao invés de medo e repulsa. A edição em alguns momentos é tão mal feita que os seus furos podem ser identificados por uma criança de cinco anos. Algumas cenas, como as matanças e posteriores eviscerações de animais---algo típico nas produções italianas sobre canibalismo---não são apenas gratuitas, são totalmente descabidas e fora de contexto, parecendo cenas de outros filmes que foram enxertadas ali sem a menor explicação e zelo técnico.
 Se Canibal Ferox  fosse um splattestick assumido seria um filmaço, contudo o pior e derradeiro escorregão da obra de Lenzi, aquele que decreta a falência de sua obra é ser um filme que deseja a todo custo ser levado a sério ao mesmo tempo em que não apresenta praticamente nada que lhe sustente alguma credibilidade.
  Não haveria como esperar muito mesmo de um cineasta como Lenzi, que apesar de haver dado o pontapé inicial no ciclo sobre canibalismo do cinema italiano, nunca se mostrou um artesão muito competente. Ele, inclusive,
 foi acusado por Ruggero Deodato de utilizar, sem permissão, em suas obras, vários trechos de filmes do diretor de Canibal Holocaust. 
  Umberto Lenzi, enfim, é um daqueles típicos cineastas de quinta que costumam manchar o nome do cinema de horror e explotation e este seu Canibal Ferox é destinado apenas aquelas pessoas que acreditam que cinema B e apelativo é sinônimo de cinema mal-feito. Pessoas estas, que, pelo jeito, devem ser muitas.

  

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