Quem acredita, como eu acreditava, que os franceses são
sinônimo de, apenas, gestos afetados, perfumes caros e romantismo vai tomar um
choque de 75 miliampères ao assistir aos dois socos na boca do estômago em
forma de filme chamados Alta Tensão (Haute Tension/ França, 2003), de Alexandre
Aja e Martyrs ( França, 2008), de Pascal Lauguier.
Os dois fazem parte
de um movimento intitulado Cinema Extremo Francês, que, além das obras de Aja e
Lauguier, também incluem Frontièrs (2007), de Xavier Gens, o alucinantemente maléfico À L' Intériur (2007), de Alexandre Bustillo e Julien Maury, entre outros.
Essa nova onda do
Cinema Francês, juntamente com as produções de terror asiáticas, está fazendo
atualmente o mesmo que Hollywood e, principalmente, as películas italianas,
fizeram com o Cinema Fantástico nas décadas de 1970/1980: virar o gênero de
ponta-cabeça e elevar os níveis de horror, violência apelativa, sadismo e originalidade a patamares tão
inacreditavelmente altos que se tornam, por vezes, uma verdadeira tortura
voyeurística até mesmo para os fãs de
gore.
Coincidentemente, Alta Tensão foi o filme que deu o chute, melhor seria dizer facada, inicial no
Cinema Extremo Francês.
O longa de Aja é um giallo moderno, só que ainda mais ousado
e radical em termos de violência celerada do que as já nauseantes produções
italianas comandadas por Dario Argento, Lucio Fulcie, Mario Bava, etc.
Na verdade, Alta Tensão é um encontro dos ultra-sádicos serial killers dos clássicos giallos com
os banhos de sangue absurdos de pedradas como The Evil Dead, Fome Animal e os
filmes de Takashi Miike, com suas cenas de corpos feitos em pedaços por armas
de fogo de grosso calibre, serras-elétricas, facões enormes, etc.
Mas, para mim, o que
transformou mesmo Haute Tension em um clássico, e o seu principal diferencial em
relação a outras produções do gênero, foi o seu roteiro intrincado.
Da mesma forma que
nos filmes de ação, são raros os exemplares no Cinema de Horror que possuam scripts complicados. Por mais fascinantes e revolucionários que vários filmes
de terror possam ser em matéria de visual, técnica, sangue e horror, encontrar
um que, a despeito de tudo isso, também consiga provocar um suor frio não
apenas nos poros do espectador, mas também em seus neurônios é algo difícil de
se encontrar.
Haute Tension é um
daqueles filmes que, no interior de suas entranhas, esconde um outro filme....E
é no momento do orgasmo da descoberta desta filme escondido que você começa a
juntar as sanguinolentas peças do quebra-cabeças proposto pelos realizadores da
produção: cenas sutis e até mesmo certos sons que talvez tenham passados
despercebidos aos seus olhos, mas não ao seu cérebro, são repentinamente
puxados do fundo de sua memória de espectador e, como um infeliz que a recém
tenha conseguido montar uma Configuração dos Lamentos e escancarado as portas
do Inferno, você descobre que o que já era horripilante sempre pode ficar ainda
pior.
Essas reviravoltas
excruciantes da trama são conduzidas por explosões de violência splatter espetaculares e exageradas, a cargo do lendário Gianneto de Rossi (Zombie, Emanuelle in America, Conan, Rambo), ação incessante que deixa a adrenalina do
espectador sempre no pico e um suspense que não vai ter o mínimo de pena em
dilacerar os seus nervos.
Mas a principal
inspiração e arma de Haute Tension é o cinema de Alfred Hitchcock, onde toda a
tensão insuportável, horror e violência tinham as suas origens profundamente
enraizadas em violentos desejos sexuais
latentes, comportamentos-tabu reprimidos e no lado mais bestial do ser humano.
Inclusive, é muito
fácil imaginar que se o diretor do revolucionariamente assustador Psicose vivesse nos dias de hoje Alta Tensão seria o tipo de filme que ele estaria realizando.
E costurando, com
total domínio, esse mix de efeitos especiais repugnantes, roteiro inteligente e
Hitchcock do século XXI está a mão de mestre de Alexandre Aja. Que devido ao
impacto causado por este seu terceiro longa-metragem fez com que os produtores
de Hollywood saíssem correndo para a França contratá-lo para comandar produções
de terror nos Estados Unidos.
Em 2003, Alta Tensão arrebentou em Sitges, --- festival de cinema fantástico
sediado na Espanha que já premiou diversos clássicos do cinema extremo como À Meia-Noite Levarei a Tua Alma, de
José Mojica Marins, Rabid, de David
Cronenberg, entre outros ---, conquistando os prêmios de melhor diretor, melhor
atriz (Cécile De France) e melhor
maquiagem (Giannetto de Rossi).
Martyrs, de Pascal
Lauguier extrapola tudo o que foi mostrado em Alta Tansão. Se o debut de
Aja é uma história protagonizada por personagens humanos que mergulham em um
inferno de ultra-violência, loucura e horror, em Martyrs são os próprios
inferno, horror, loucura e ultra-violência os personagens principais do filme,
restando aos humanos apenas o papel de meros coadjuvantes...e vítimas.
Se, ainda hoje, a
grande maioria das produções de horror com elementos sobrenaturais ainda bebem
na ancestral fonte de H.P. Lovecraft e Edgar Allan Poe com seus demônios
pré-históricos, rituais de magia negra primitivos, estética gótica-medieval e
violência subliminar, Martyrs tira toda a sua inspiração do grand-guignol moderno do artista transmidia de horror,
Clive Barker que possui as raízes de sua imaginação patológica na obra
tétrico-futurista-pornô de H.R.Giger e
no peso e na velocidade politicamente incorretos do heavy metal e do punk rock.
O filme de Pascal
Lauguier, assim como Alta Tensão,
também investiga as atrocidades cometidas por assassinos seriais implacáveis. A
diferença é que aqui os matadores enlouquecidos são os “heróis” da trama. Parafraseando
a chamada do trailer de outro cult de
horror, Um Drink No Inferno: Eles
mataram dezenas de pessoas e são os heróis do filme...imagine os vilões.
A diferença entre a, também excelente, obra de Rodriguez e Trantino e o filme de Lauguier é que enquanto
o primeiro bebe direto na fonte splatestick
de Peter Jackson, Sam Raimi, Re-Animator e a A
Volta dos Mortos-Vivos oferecendo ao espectador uma montanha-russa do mais
sádico e descompromissado humor negro, Martyrs, apesar de sua trama vividamente imaginativa, transborda seriedade com a
sua atmosfera gótica contemporânea de absoluta austeridade e contundência dignas de o
O Exorcista e Hellraiser. Uma obra destinada exclusivamente a espectadores
adultos.
O filme se tornou tão
impactante e profundo porque une psicopatas com fantasmas. Dois elementos do
Cinema Fantástico que já são intensos separadamente e que quando misturados
resultam em uma receita absolutamente explosiva.
Martyrs não possui heróis. É um universo de puro niilismo habitado
exclusivamente por seres maléficos, predadores cruéis e assassinos insanos onde
os vivos e os mortos disputam e se dilaceram entre si para verem quem é a
criatura mais animalesca e impiedosa.
Seguindo os passos do
horror visionário e feroz de Clive Barker, a origem de todo o mal e criaturas
sobrenaturais que dominam Martyrs não
é nenhuma maldição sobre-humana, pactos com o Diabo ou feitiçarias poderosas,
mas sim o lado negro do Homem. Aquela “sombra” especializada em praticar atos de barbárie impensáveis para qualquer pessoa
civilizada, mas que se esconde nas profundezas do cérebro humano e que todos
nós estamos sujeitos a sermos dominados de uma hora para outra.
Martyrs redobra o cerebralismo mostrado em Alta Tensão. Aqui nenhum susto é provocado de forma simples e
gratuita. A exemplo de Hellraiser,
dos contos Pavor e Vade Retro, Satanás (da coletânea Livros de Sangue) entre outras obras de
Barker, todos os elementos assustadores
do filme de Lauguier são puzzles de
carne e sangue e intrincadas filosofias macabras que a maioria dos espectadores
só conseguirão montar e interpretar
muito tempo após o longa haver terminado.
Tudo, é claro, amparado pelos efeitos nojentos de maquiagem mais irretocáveis
que se possa imaginar e que não perdem em nada para o fantástico trabalho de de
Rossi em Alta Tensão.
Também a exemplo de Hellraiser, a principal chave para a
compreensão da trama são as sensações físicas intensas e extremas. E tanto aqui
quanto no universo dos cenobitas é o sadismo e o desejo por prazer e sofrimento
que abrem as portas para uma desconhecida dimensão sobrenatural de malignidade inimaginável.
A diferença entre o
mítico filme de Clive Barker e Martyrs
é que, enquanto que no primeiro a porta
de entrada para um universo de dor e estase é a árdua montagem de um misterioso
cubo rubik, no segundo é o próprio orgasmo de dor e sofrimento provocado pelo
dilaceramento da carne que escancaram os portões do inferno em uma espécie de
prévia sangrenta do que está por vir.
Assim como em todo o
desenrolar do filme, o final de Martyrs também
não oferece um desfecho convencional e tranquilo para os espectadores. Deixando
para nós mesmos a terrível tarefa de tirarmos nossas próprias e horripilantes
conclusões.
Apesar de serem dois dos responsáveis por jogarem os filmes
de horror franceses de cabeça no explotation
e no lamaçal de sangue e vísceras do Cinema Extremo, as carreiras de Alexandre Aja e Pascal
Lauguier tomaram rumos bem distintos uma da outra.
Aja debutou no cinema
em 1997 com um curta-metragem, hoje muito difícil de se encontrar, intitulado Over the Rainbow que foi indicado para
uma Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Dois anos depois realizou Furia, obra
mais inclinada para o drama e a ficção científica do que para o horror.
Em 2003, Aja escancarou
todo o seu radicalismo com o esmagador Alta Tensão. Com o sucesso de seu giallo francês, Alexandre Aja seguiu o mesmo caminho de sua atriz em
Furia, Marion Cotillard, e foi
importado por Hollywood para realizar
superproduções de horror. Nesta nova etapa de sua carreira o primeiro desafio
de Aja foi realizar, em 2006, para a Fox Atomic ( divisão da 20th Century-Fox
especializada em produções de terror, comédia e ação) uma refilmagem do
cultuadíssimo explotation de 1977, Quadrilha
de Sádicos( The Hills Have Eys),
de Wes Craven. O resultado não poderia ter sido mais impressionante, pois o
diretor francês conseguiu um dos feitos mais difíceis no meio cinematográfico,
fazer um remake que supera o
original.
Dois anos depois veio
Espelhos do Medo (Mirrors) um horror com efeitos especiais
de última geração na linha de Poltergeist
e estrelado por Kiefer Sutherland. A obra dividiu opiniões, mas Aja provou que
conseguia realizar um filme assustador e repugnante mesmo com a inserção de CGI que é muito criticado pelos fãs de
terror que acham, na maioria das vezes com razão, que efeitos digitais acabem
limpando muito a violência e as monstruosidades nas produções do gênero.
Entretanto, assim como nas bandas de metal industrial, o diretor francês
utilizou os computadores e a tecnologia de ponta para sujarem ainda mais as
cenas de horror e sem artificializa-las.
Em 2009, ao converter
o seu Piranha para o controverso
formato 3-D digital, o cineasta francês seguiu mostrando que sempre será
possível ao diretor de produções de horror se manter atualizado com as novas
tecnologias sem que, para isso, precisar macular o gênero ou torna-lo mais
palatável. Piranha foi a segunda
refilmagem assinada por Alexandre Aja, agora tendo como base o original, que, por sua vez,
era um pastiche do Tubarão, de Spielberg, dirigido por Joe Dante e produzido
pelo lendário Roger Corman em 1978.
Este segundo remake de Aja também marcou uma mudança
em sua carreira: se até então toda a obra do diretor era composta por filmes fantásticos/de
horror sérios e densos, com Piranha
ele mergulhou de cabeça no deboche sanguinolento e descompromissado do splatstick/terrir. E mais uma vez o
talentoso cineasta deu conta do recado entregando uma obra que pode ser
comparada a The Evil Dead 2, Tóquio Gore Police, A Volta dos Mortos-Vivos e outros
clássicos deste subgênero. Fazendo as
plateias, pela primeira vez em seus filmes, além de sentirem medo e asco também
darem boas gargalhadas.
Dois anos antes do remake de Piranha, Aja assumiu a função de produtor, e também roteirista, administrando o thriller, e orientando o diretor deste, Frank Khalfon ( um dos
atores do cast de Alta Tensão), P-2 .
Considero P- 2, até agora, a única cagada de Aja.
Suspensezinho genérico e formulaico que segue à risca a cartilha do Cinema
Americano em achar que todos os espectadores possuem a mentalidade
ultraconservadora e inocente de uma criança amish
de dez anos de idade e tudo o que diz respeito a sexo e violência deve ser tratado
da forma mais velada possível.
Em compensação, cinco anos após o lançamento de P-2, a dobradinha Aja (produtor) e Khalfon (diretor) emplacaram o ultra-visceral O Maníaco (Maniac/EUA, 2012). Horror que mistura gore extremo com uma narrativa sofisticadíssima. Maniac foi baseado em um longa homônimo de 1980 dirigido por William Lustig (Maniac Cop).
No momento, os fãs deste cineasta francês especializado em sangue, tripas, morte e loucura esperam ansiosamente pela sua adaptação para as telas do livro Horns, do incensado escritor de Literatura Fantástica Joe Hill, leia-se "o filho de Stephen King", protagonizado por Daniel "Harry Potter" Radcliffe.
Ao contrário de Alexandre Aja, Pascal Lauguier, infelizmente, não possui uma carreira tão prolífica.
Iniciou sua escalada cinematográfica como ator coadjuvante no obscuro, e sensacional, cult Pacto dos Lobos ( Le Pacte des Loupes/França, 2001), de Cristopher Gans ( Crying Freeman, Terror em Silent Hill), um eletrizante longa de artes marciais com elementos fantásticos estrelado por Mark Dacascos e Monica Bellucci. Além de participar do cast, Lauguier também dirigiu o making off da produção.
No mesmo ano, o pai de Martyrs comandou seu primeiro longa metragem: Éme Sous Sol. Uma obra que possui pouquíssimas informações em português na Rede.
Sua próximo trabalho foi A Profecia dos Anjos ( Saint Ange/França, 2004). Produzido por Cristopher Gans, esta obra de Lauguier foi elogiada pela crítica especializada em Cinema Fantástico pelo seu visual rebuscado. Entretanto, essa mesma crítica torceu seu nariz para o roteiro do longa que considerou confuso e mal resolvido.
Após o sucesso e o impacto causado por Martyrs, Pascal Lauguier comandou a co-produção ente EUA e Canadá O Homem das Sombras ( The Tall Man, 2012 ) Uma nova aventura sobrenatural protagonizada pela canastrona boazuda Jessica Biel que, a exemplo de Saint Ange, dividiu as opiniões.
Pelo visto, o "problema" da obra de Lauguier são os roteiros densos e complexos de seus longas. Algo que, para uma platéia adolescente muito mais acostumada com Pânico e genéricos do que com O Iluminado é óbvio que se tornará um empecilho.
Enfim, Aja, Lauguier, a dupla Bustillo/Maury, entre outros, vieram para nos mostrar que os filmes de horror vão muito além das fronteiras dos EUA e de Hollywood e dos horripilantes, no mau sentido, Sobrenatural e Invocação do Mal.
No momento, os fãs deste cineasta francês especializado em sangue, tripas, morte e loucura esperam ansiosamente pela sua adaptação para as telas do livro Horns, do incensado escritor de Literatura Fantástica Joe Hill, leia-se "o filho de Stephen King", protagonizado por Daniel "Harry Potter" Radcliffe.
Ao contrário de Alexandre Aja, Pascal Lauguier, infelizmente, não possui uma carreira tão prolífica.
Iniciou sua escalada cinematográfica como ator coadjuvante no obscuro, e sensacional, cult Pacto dos Lobos ( Le Pacte des Loupes/França, 2001), de Cristopher Gans ( Crying Freeman, Terror em Silent Hill), um eletrizante longa de artes marciais com elementos fantásticos estrelado por Mark Dacascos e Monica Bellucci. Além de participar do cast, Lauguier também dirigiu o making off da produção.
No mesmo ano, o pai de Martyrs comandou seu primeiro longa metragem: Éme Sous Sol. Uma obra que possui pouquíssimas informações em português na Rede.
Sua próximo trabalho foi A Profecia dos Anjos ( Saint Ange/França, 2004). Produzido por Cristopher Gans, esta obra de Lauguier foi elogiada pela crítica especializada em Cinema Fantástico pelo seu visual rebuscado. Entretanto, essa mesma crítica torceu seu nariz para o roteiro do longa que considerou confuso e mal resolvido.
Após o sucesso e o impacto causado por Martyrs, Pascal Lauguier comandou a co-produção ente EUA e Canadá O Homem das Sombras ( The Tall Man, 2012 ) Uma nova aventura sobrenatural protagonizada pela canastrona boazuda Jessica Biel que, a exemplo de Saint Ange, dividiu as opiniões.
Pelo visto, o "problema" da obra de Lauguier são os roteiros densos e complexos de seus longas. Algo que, para uma platéia adolescente muito mais acostumada com Pânico e genéricos do que com O Iluminado é óbvio que se tornará um empecilho.
Enfim, Aja, Lauguier, a dupla Bustillo/Maury, entre outros, vieram para nos mostrar que os filmes de horror vão muito além das fronteiras dos EUA e de Hollywood e dos horripilantes, no mau sentido, Sobrenatural e Invocação do Mal.
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