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Piranha (Sexo, Suor, Sangue E Um Breve Comentário Sobre Medo E Nojo)

 Em primeiro lugar vamos deixar uma coisa bem clara: não existe qualquer tipo de obra de horror, seja ela na forma de livros, filmes, HQs, games ou seja que mídia for, que seja bonita e altruísta.
 Acreditar nisso é algo tão idiota e ingênuo quanto achar que se pode fazer uma guerra sem mortes ou de que existe honestidade e ética na política brasileira.
 E não adianta, por exemplo, vie crítico de cinema (por mais veterano e respeitado que seja este), dizer que tal diretor conseguiu unir "horror com beleza", por que este tipo de comentário é pura balela.
 Filme de horror de verdade não tem sentimentos, pudor ou moral, é algo tão frio e sem alma quanto o coração de um zumbi.
 E acima de tudo, a raíz de todo o tipo de horror, seja ele real ou fictício, é o medo. E o medo não tem absolutamente nada a ver com a beleza. pode apostar a sua vida nisso.
 O ser humano sempre conviveu com o medo e com o horror. Eles são um mal necessário para a nossa própria sobrevivência, tão necessário quanto nos é comer, beber e respirar. Se não fosse pelo pavor e a descarga de adrenalina que este descarrega em nosso sangue ao menor sinal de perigo para nos alertar e nos preparar para correr ou lutar, a nossa espécie já teria se extinguido da Terra a milhares de anos atrás.
 E aquele mesmo medo primitivo e crú que o Homo habilis sentia ao ouvir os berros das feras oriundas das profundezas das florestas trevosas e desconhecidas, nos foi transmitido através de nossos antepassados geração após geração, até infectar o nosso próprio DNA.
 Apenas trocamos as bestas pré-históricas por assassinos seriais, guerras apocalípticas, aliens carniceiros, aberrações genéticas mutantes e inteligências artificiais sanguinárias.
 O problema, é que através dos séculos, as sociedades humanas e os seus meios de comunicação, com suas sedes insanas por lucro fácil conduzidas por um capitalismo (um dos monstros mais implacáveis e ferozes que já existiu entre nós) progressivamente cada vez mais selvagem e descontrolado, estão sempre  tentando adocicar o horror e o medo.
 De Charles Perrault aos Irmãos Grimm, que nos séculos XVIII e XIX respectivamente, banalizaram e humilharam contos folclóricos ancestrais, aterrorizantes e sangrentos ao transformá-los em inocentes e bobocas contos de fadas infantis, até alguns cineastas da atualidade (que não gostam nem entendem nada do gênero "terror") que convertem psicopatas em verdadeiros bufões apatetados em slashers vagabundos e insípidos ou  colocando monstros seminais, que a séculos aterrorizam a escuridão de nossos pesadelos, como os licantropos e os vampiros como protagonistas de filmes românticos feitos para adolescentes acéfalas, tudo sempre com o intuito de conseguir oferecer (e vender) o medo e o horror para um público cada vez mais amplo.
 Contudo, os verdadeiros (e poucos) aficionados do macabro e da desgraça, aqueles que realmente gostam de encarar o abismo e de sentir a adrenalina correndo pelas suas espinhas não se deixam enganar, só saindo de suas catacumbas para apreciarem alguma nova obra do gênero quando esta realmente honra a palavra "horror".
 E o horror legítimo e excitante que nossos antepassados primevos sentiam, voltou a ferver nas células dos fãs do grotesco quando este penetraram na pretidão das salas de cinema (nada mais do que uma versão high-tech da velha caverna aonde os antigos narravam suas histórias de medo ao redor da fogueira) e assistiram "Piranha."
 "Piranha" pertence a um sub-gênero chamado "gore-splatter", também conhecido como "horror hardcore" ou "cinema extremo" e é tão radical que chega a assustar até mesmo os fãs de cinema de horror mais tradicional.
 Inaugurado em 1963 com o longa "Gorefleish", dirigido por Hershell Gordon Lewis (um médico que resolveu jogar nas telas dos cinemas toda a putrefação da carne humana e a bizarrice teratológica que via no dia-a-dia de sua profissão) e turbinado por George Romero em "A Noite dos Mortos-Vivos" (Night of the Living Dead) em 1968, o gore-splatter é conhecido, amado, odiado e perseguido por escancarar da forma mais pornográfica possível toda a violência, perversidade, torpeza e sadismo que se escondem nos recônditos escuros da alma humana.
 "Piranha" também abraça outro sub-gênero da fantasia negra, o "terrir", que surgiu por volta de 1985 com "A Hora do Espanto"(Fright Night) de Tom Holland, atingindo o seu ápice em 1992 com o  fantástico  "Fome Animal"(Brain Dead) de Peter Jackson . O terrir se caracteriza por misturar o humor anárquico, ácido e frenético típico dos filmes do trio ZAZ com banhos de sangue e entranhas e monstruosidades absurdas. Filmes para gargalharmos suando frio.
 Embora não alcance o mesmo patamar de escatologia épica de "Tóquio Gore Police" de Yoshihiro Nishimura ou de "Planeta Terror" (Planet Terror) de Robert Rodriguez, "Piranha" é criativamente intenso e perversamente divertido o suficiente para saciar a sede de sangue dos exigentes fãs de cinema gore-splatter.
 Livremente baseado em um clássico homônimo dos filmes B de 1978, dirigido por Joe Dante (um ex-diretor de "filmes de horror de verdade", que foi capturado, devorado e digerido pelo monstruoso capitalismo até se transformar em um cineastazinho de inocentes "filmes de fantasia para toda a família"),  "Piranha" segue a risca a tradição das antigas produções exploitations (que eram exibidas em drive-ins e cinemas baratos) ao usar apenas um fiapo de roteiro como linha narrativa (durante um spring break, que pode ser definido como uma espécie de "baile funk gringo", jovens tarados e ninfomaníacas seminuas servem de rango para horripilantes piranhas pré-históricas) como pretexto para esparramar na tela cenas de violência espetaculares e inverossímeis e grosseiras, que ultrapassam todos os limites do bom senso em uma orgia de membros decepados, vísceras expostas, mares de sangue e incorreção política a granel.
 Quase todos os personagens do filme são clichs ambulantes imbecilizados, pois em produções gore-splatter os únicos personagens dignos de nota, os verdadeiros "heróis" são os monstros, os maníacos, a besta. Em filmes gore-splatter ou você não for o monstro, será apenas a comida para o monstro.
  Algumas pessoas (inclusive os fãs de cinema de horror mais convencional) podem argumentar que as produções gore-splatter não provocam sustos nos espectadores "apenas" nojo e repulsa, alegando que vísceras a mostra esguichos de sangue e carne putrefata não tem a ver com o medo em si.
 A primeira vista esta linha de raciocínio parece mesmo sensata, mas bastauma investigação mais apurada sobre o assunto, para percebermos que na realidade o que ocrre é justamente o oposto: o asco assusta sim e muito.
 Em "Dança Macabra", o clássico tratado de Stephen King sobre a incisiva influncia do macabro na sociedade norte americana, o escritor descreve que o horror e o medo possuem varios níveis, sendo que o último e mais abissal destes seria o nojo, o asco, a repulsa, a explosão de entranhas fétidas, o jorro obsceno de fluídos corpóreos gotejantes...enfim o paradoxo da violência apelativa, da degradação e da perversidade.
 Como exemplo deste nível de medo e horror , o escritor cita a extraordinária cena em que o filhote de alienígena emerge dos intestinos do personagem interpretado por John Hurt em "Alien o Oitavo Passageiro" (Alien) de Ridley Scott.
 É só pensarmos um pouco para percebermos que esta teoria do mestre King esta correta e precisa: quando nos deparamos com o cadáver em decomposição de algúm animal na rua e sentimos o fedor de sua morte nossa primeira reação é nos afastarmos dali o mais rápido possível. Isso nos é uma reação automática, instintiva, como se nossas pernas se movimentasssem sozinhas para longe do defunto.
 Isso ocorre, porque sabemos que ali não se encontra apenas os restos de algo que não vive mais, ali também espreita a infecção, a doença, o perigo, a morte.
 O frio na espinha que sentimos quando nos encontramos em situações assim é o mesmo que nos atravessa a coluna vertebral quando sentimos o aço frio do cano do revólver de em assaltante em nossa nuca, ou se vissemos caminhando na rua alguém que acreditássemos já estar morto a muito tempo.
 O que sentimos quando nos deparamos com algo muito nojento e repugnante é medo em seu estado mais puro.
 E Alexandre Aja, o diretor francês que dirigiu esta nova versão de "Piranha"é um cineasta que entende de medo e nojo como poucos. Neste filme, Aja faz exatamente aquilo que os fãs de cinema extremo querem ver: cenas asquerosa e repulsivas filmadas com o máximo de imaginação e grande domínio técnico.
 Auxiliado pelos fantásticos efeitos especiais da dupla Greg Nicotero e Howard Berger, os mais legítimos herdeiros de Rick Baker na criação de monstruosidades e deformidades físicas e os únicos americanos que se igualam aos mestres italianos e japoneses de efeitos visuais gore, Alexandre Aja transfere para um ambiente aquático os mais celerados clichês do gênero.
 É notável, por exemplo, a sequncia em que o plicial vivido por Ving Rhames tritura um bando de piranhas com as hélices do motor de uma lancha. Trata-se da versão marinha da clássica cena do personagem que, acuado por um bando de zumbis famintos por carne humana, surta e armado com uma truculenta motoserra despedaça os mortos-vivos em um enlouquecido banho de sangue.
 As piranhas, por sua vez, parecem sentir tanto ódio e desprezo pela humanidadequanto Jason Vorhees e Michael Myers e são tão sádicas e implacáveis quanto os índios antropófagos  dos giallos  sobre canibalismo.
 Vale ressaltar também o uso de imagens tridimensionais em "Piranha". Ao converterem, durante a pós-produção, as cenas de 2-D convencional para o 3-D digital, os realizadores do filme usaram os recursos deste novo formato da forma mais apelativa e vistosa possível, como bem cabe a uma produção maldita como esta: corpos nus de jovens devassas são "esfregados" na cara dos espectadores como se fossem hologramas eróticos, para logo em seguida serem triturados por presas assassinas, braços, pernas, cabeças e órgãos genitais humanos são "espirrados" para fora da tela fazendo quase sentirmos o cheiro do sangue que brota farto dos membros dilacerados.
 Absolutamente cool!
 Agora um conselho para quem pretende ou já assistiu "Piranha": ignore completamente as críticas feitas ao filme por veículos de comunicação ligados a mídia dominante e convenciona ( aqueles que fazem parte dos conglomerados comunicativos como "Globo" e "Abril") e procure informações sobre o filme através de críticos e jornalistas realmente especializados e que entendam a fundo o cinema fantástico e de horror como, por exemplo, os do site "Boca do Inferno" e de blogs e fanzines sobre cultura underground. pois a mídia dominante é extremamente conservadora, cínica e acadêmica não apenas em relação a doutrinas políticas e econômicas mas também com as artes e expressões culturais.
 De resto, respire fundo e mergulhe no mar de sangue e despojos humanos de "Piranha". E não precisa se impressionar tanto assim com as imagens do filme, pois elas não passam de um reflexo (ainda que um tanto distorcido, hiper-realista e metafórico) de nossa própria sociedade.
 afinal, basta olharmos um pouco ao nosso redor, para constatarmos que o mundo em que vivemos é tão ou mais gore-splatter do que os próprios filmes do gênero.

2 comentários:

abonatto

Muito bom o texto: até fiquei com vontade de ver o filme!

victoria_locos e malucos

Oooo blog mais sem graça
vaii si fude o dono do blog!

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