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A Criatura Da Destruição (Um Conto De Fadas Noir)

"Quando ela terminou sua refeição, o lobisomem disse":
--Está cansada  da caminhada minha netinha? Então
tire as suas roupas, venha para a cama e eu a aquecerei.

Chapéuzinho Vermelho (Uma versão primitiva)


 A alguns anos atrás Stan Winston, um dos mais célebres e visionários criadores de seres fatásticos da história do cinema e um verdadeiro esteta da arte dos efeitos especiais/visuais, comprou os direitos de títulos de várias produções de horror e ficção-científica B de produtoras especalizadas em fitas do tipo. Entre elas estava "She Creature" um clássico de 1956, dirigido por Edward L. Cahn e bancado pela produtora AIP (Amerian International Picture). Um estúdio independente criado pelo ex-gerente comercial James H. Nicholson e por um advogado do ramo do entretenimento chamado Samuel Z. Arkoff. Entre os produtores da AIP estava o futuro megaprodutor de filmes B, Roger Corman.

  As décadas de 30, 40 e 50 foram importantíssimas para o cinema fantástico, pois foi nestas décadas que foram estabelecidos muitos dos principais cânones e raízes das produções de horror e ficção-científica, tais como: o monstro alienígena devorador de seres humanos, a lascividade dos vampiros, o licantropo torturado, o visual gótico, os primeiros passos do cinema trash/exploitation e do terrir, etc. Elementos estes que foram se reciclando e se modernizando através dos tempos.
 A sacada de Winston era clara: através de remakes dar um banho de tecnologia e realismo a estas  velhas produções que hoje, graças ao avanço cada vez mais gradual dos efeitos especiais, se tornaram ingênuas e até risíveis.
  Foram com estas intenções que foi parida a refilmagem de "She Creature".
  Esta versão moderna do longa de 1956 é muito interessante, pois o diretor contratado por Winston, Sebastian Gutierrez ( do suspense policial "O Beijo Da Traição"), conseguiu a proeza de atualizar o original para os novos tempos sem sacrificar o clima dos velhos filmes de monstros da década de 50, é quase como se dois filmes, um antigo e um moderno, convivessem na mesma película ao mesmo tempo.
 Para começar o diretor ambientou o remake no começo do século 20 (muitos dos filmes de horror e ficção-científica das décadas de 30, 40 e 50 se passam no começo do século 20 ou no século 19, como "Drácula" de Todd Browning e "Frankestein" de James Whale), a abertura do do filme foi rodada com uma "envelhecida" fotografia P&B e os cenários quase todos sombrios e mal iluminados (porém perturbadoramente reais, ao contrário dos sets de "papelão", dos antigos filmes de horror), com cantos e extremidades sempre ocultos pela mais profunda escuridão, passam uma impressão de que a qualquer momento algum ser infernal vai saltar  das sombras e dá ao filme um clima de "gótico até os ossos".
 "She..." se passa em 1905 e tem início em um circo de aberrações aonde o casal de charlatões Angus (Rufus Sewell) e Lily (Carla Gugino), enganam o público, cobrando para este poder assistir a monstros e  mutações fake (na verdade atores fantasiados). Mas a vida do casal (principalmente a de Lily), sai fora dos eixos quando, através de um marinheiro ancião, encontram uma inacreditável sereia de verdade.
  Apesar de homenagear as velhas produções góticas de Hollywood, o verdadeiro mundo explorado pelo remake de "She Creature" é o das lendas e dos contos de fadas. Mas não aqueles contos de fadas pop  imortalizados por escritores de literatura infantil e pelas animações da Disney. "A Criatura da Destruição" penetra nos mitos esquecidos, nos protótipos das lendas, que devido aos seus caráteres  bizarros, subversivos e depravados que utilizavam metáforas para discutir sobre o lado mais negro do ser humano foram sumariamente distorcidos  e pulverizados da cultura popular e enterrados nas profundezas de nossas psiquês.
  Só recentemente essas lendas originais e selvagens foram desenterradas das catacumbas por escritores como os ingleses Allan Moore e Neill Gaiman e por cineastas como o mexicano Guillermo Del Toro.
  Seguindo a linha destes ousados e geniais artistas citados acima, Stan Winston e Sebastian Gutierrez tranformam a sereia, popularmente conhecida como um personagem infantil, em uma besta sanguinária, animalesca e implacável, mesmo quando ainda se encontra em sua forma humana feminina e sedutora.
 O cenário em que a maior parte da trama se desenrola (um barco navegando em mar aberto) é tão sinistro quanto a própria sereia e ponto de parecer quase uma extensão do organismo do monstro. Temos  a certeza absoluta de que ninguém vai sair vivo dali, pois tem-se a impressão que o interior da embarcação é o interior das vísceras da criatura e de que todos ali já estão condenados, apenas aguardando o momento de serem digeridos pelo estômago do monstro.
 Essa mistura precisa de horror com suspense imbuída ao filme causa no espectador uma grande sensação de desconforto.
  Gutierrez mantém essa tensão carnívora até o final do longa, costurada por cenas de grande beleza plástica (quando eu cito a palavra "beleza", estou me referindo unicamente ao aspecto de esmero técnico do filme), como em uma tomada tipicamente "noir",   em que Lily acende um cigarro na mais completa escuridão, que vai provocando uma crescente "roda de luz" ao redor do rosto da personagem, emoldurado por trevas tão densas que são quase palpáveis, lembrando pinturas simbolistas como as de William Blake.
  É Justo também creditar o clima dark/gótico do filme a sua trilha sonora simultâneamente sinistra e sensual, lembrando a soundtrack que Jerry Goldsmith compôs para Instinto Selvagem (Basic Intinct, 1992) de Paul Verhoven.
  A sereia foi criada pela equipe de Winston através do que parece ser um mix de diferentes técnicas de efeitos especiais combinados entre si (animatrônicos, make-up e computação gráfica). Versão high-tech do lendário Ray Harryhausen, Stan Winston (como em todos os seus filmes ) imprime a criatura o seu padrão de qualidade característico em termos de verossímilhança e detalhamento obssessivos. Na fase  em que o monstro exibe a sua faceta mais crua e sevagem, a mente doentiamente imaginativa de Winston não perde em nada para, por exemplo, as obras mais insanas do artista plástico gótico-futurista H.R.Giger.
 Mas a maior parte do horror e da ação de "A Criatura Da Destruição", se passa dentro da cabeça do espectador. A exemplo do escritor H.P.Lovecraft (1890-1937), (outro que também devorava vários tipos de lendas primitivas assustadoras e depois as regurgitava na forma de uma mitologia inteiramente nova), os realizadores do filme lançam "apenas" as sementes do medo. Sementes saudáveis o suficiente para produzirem todo um novo e aterrorizante mundo, dependendo para isso apenas do solo em que forem plantadas (leia-se o grau de imaginação do espectador).
  Aventure-se pelas imagens sinistras de "A Criatura Da Destruição", para aqueles (independente da idade) que possuem um coração velho e uma mente burocrática, este irá parecer apenas "mais" um filme de horror mediano e chato. Mas para aqueles dotados de um coração juvenil e uma imaginação irrequieta, descobrirão uma pequeno diamante que tornará as suas noites e os seus sonhos mais aterrorizantes e mais emocionantes.

 "Sinistro é tudo aquilo que deveria permanecer oculto, mas vem a luz."
  Shelling

                                                                                                              
   Agradecimentos:
   Estou muito grato aos membros da
  comunidade do "Facebook" "Os Vivos Serão Devorados",
  que me fornecaram informações vitais para a elaboração desta
  postagem.
 

                                                                                                   

1 comentários:

Simone

Qual o nome dos outros filmes criados para o Cinemax, dessa série? Amei esse filme.

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